IgE, IgG4 e IgA específicas na alergia ao látex
Specific IgE, IgG4, and IgA in latex allergy
Laila S. Garro; Marcelo V. Aun; Antônio A. Motta; Jorge Kalil; Pedro Giavina-Bianchi
Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo, FMUSP
Endereço para correspondência:
Pedro Giavina-Bianchi
E-mail: pbianchi@usp.br
Submetido em: 10/01/2017
Aceito em: 15/02/2017
Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao deste artigo
RESUMO
OBJETIVO: A alergia ao látex é considerada um problema mundial de saúde por estar associada a reaçoes potencialmente fatais. O objetivo principal deste estudo é identificar fatores clínico-laboratoriais associados à sensibilizaçao e alergia ao látex, avaliando as concentraçoes de IgE, IgG4 e IgA específicas nestas condiçoes.
MÉTODOS: Estudo observacional transversal em uma coorte de 400 crianças e adolescentes com defeito do fechamento do tubo neural. Os pacientes realizaram entrevista clínica e foram submetidos a coleta de sangue periférico para a detecçao dos níveis séricos de IgE, IgG4 e IgA específicas para látex. As prevalências de sensibilizaçao e alergia ao látex foram calculadas e as variáveis clínico-laboratoriais coletadas foram analisadas.
RESULTADOS: A prevalência de sensibilizaçao e de alergia ao látex em pacientes com defeito de fechamento do tubo neural foi de 33,2% e 12,2%, respectivamente. As manifestaçoes clínicas de alergia ao látex mais frequentes foram as cutâneas (79,6%), mas anafilaxia foi observada em 4,75% dos pacientes. Os fatores clínico-cirúrgicos associados à alergia ao látex foram identificados e um escore de sintomas para rastrear os pacientes foi desenvolvido. A concentraçao de IgE sérica específica para látex ≥ 0,77 kUA/L tem boa acurácia para diferenciar os pacientes sensibilizados assintomáticos dos alérgicos. As dosagens de IgE sérica específica para alérgenos recombinantes também apresentaram boa acurácia no diagnóstico da alergia.
CONCLUSOES: Maior concentraçao de IgE específica para látex e Hevb5, menor concentraçao de IgG4 específica para látex e escore de sintomas ≥ 40% estiveram associados com alergia ao látex.
Descritores: Látex, biomarcadores, alergia, anafilaxia, IgE, IgG4, IgA, alérgenos, anticorpos específicos, sensibilizaçao, história natural, tolerância, espinha bífida, defeito de fechamento do tubo neural.
INTRODUÇAO
A alergia ao látex é considerada um problema mundial de saúde por estar associada a reaçoes potencialmente fatais, constituindo-se a segunda causa de anafilaxia perioperatória em algumas casuísticas1. Embora a prevalência de sensibilizaçao ao látex seja estimada em 1% da populaçao geral, ela pode chegar a 72% em grupos de risco específicos2-6. Enquanto em diversos países a prevalência de alergia ao látex diminuiu abruptamente após medidas de prevençao, em outros a exposiçao ao látex ainda é rotina no meio intra e extra-hospitalar, mesmo entre os grupos de risco. O látex também está presente em diversos materiais de uso diário, como preservativos, baloes, brinquedos, chupetas, entre outros7,8.
Os principais grupos de risco para a alergia ao látex sao os pacientes submetidos a múltiplas cirurgias, como os portadores de espinha bífida (defeito de fechamento do tubo neural - DFTN); profissionais expostos ao látex, onde trabalhadores da área da saúde representam o maior grupo de risco; os operários da indústria do látex; e os trabalhadores da plantaçao da árvore da borracha2,7,8. O DFTN, com incidência na populaçao mundial de aproximadamente 1/1.000 nascidos vivos, é uma má formaçao complexa do tubo neural, onde ocorre uma falha na fusao dos elementos posteriores da coluna vertebral, causando a falta de fechamento do canal vertebral e displasia da medula espinhal2. Os estudos associam a alta prevalência de alergia ao látex no DFTN à precocidade da primeira cirurgia, número de cirurgias realizadas com frequente exposiçao aos alérgenos das luvas, exposiçao meníngea ao látex, predisposiçao genética, e mecanismos neuroimunes alterados2,7-14.
As alergias ao látex desencadeadas por mecanismo de hipersensibilidade tipo I sao mediadas pela IgE, com ativaçao de mastócitos tissulares e basófilos sanguíneos que desgranulam liberando mediadores responsáveis pela reaçao. Atualmente existem 14 alérgenos do látex identificados e caracterizados, os quais foram denominados de Hevb1 a Hevb148. Os alérgenos principais na sensibilizaçao dos pacientes com DFTN sao os Hevb1, Hevb3 e Hevb78,15,16. As manifestaçoes clínicas sao imediatas, podendo variar desde um prurido local até episódios de choque anafilático e morte.
O estudo dos pacientes com DFTN permite a análise da história natural da alergia ao látex, que pode inclusive ser utilizada como modelo para a compreensao de outros processos alérgicos. Os objetivos deste trabalho sao:
- determinar as prevalências de sensibilizaçao e alergia ao látex nos pacientes com defeito de fechamento do tubo neural;
- identificar fatores clínico-laboratoriais associados à sensibilizaçao e alergia ao látex, pesquisando níveis de IgE específica ao latex e seus alérgenos que possam discriminar sensibilizaçao e alergia ao látex;
- identificar fatores clínico-laboratoriais associados à tolerância ao desenvolvimento de alergia ao látex, analisando a participaçao da IgG4 e IgA específicas neste processo.
MÉTODOS
Estudo observacional em uma coorte de 400 crianças e adolescentes, entre zero e 18 anos, que apresentam defeito de fechamento do tubo neural (DFTN) e estao em seguimento na Associaçao de Assistência à Criança Deficiente - AACD. O projeto foi realizado no período entre 2010 e 2012 após aprovaçao da Comissao de Ética em Pesquisa.
Após assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido, os responsáveis das crianças responderam questionário específico desenvolvido para avaliar alergia ao látex, alergia alimentar e história pessoal e familiar de atopia. A história clínica também analisou as características do DFTN apresentado pelos pacientes e os procedimentos terapêuticos realizados no seu manejo. As principais variáveis analisadas no interrogatório foram: existência e idade de início de manifestaçoes clínicas relacionadas à exposiçao ao látex; existência e data de diagnóstico de alergia ao látex prévio; idade de início de cirurgias, quantidade e quais os tipos; presença de hidrocefalia e derivaçao ventrículo peritoneal; presença de bexiga neurogênica, vesicostomia e realizaçao de cateterismo intermitente; contato com objetos e produtos médico-hospitalares de látex; história pessoal e familiar de atopia; presença de alergia alimentar; classificaçao do grau e o tipo de defeito de fechamento do tubo neural.
Após a entrevista médica e a revisao do prontuário, os pacientes foram submetidos à coleta de sangue periférico para a detecçao, através da metodologia ImmunoCapr, dos níveis séricos de:
- IgE total;
- IgE específica para látex e seus alérgenos (Hevb1, Hevb3, Hevb5, Hevb6.01, Hevb6.02, Hevb8, Hevb9, Hevb11);
- IgG 4 específica para látex;
- IgE específica para Dermatophagoides pteronyssinus e Blomia tropicalis.
O ensaio quantitativo imunoenzimático "ImmunoCAPr", que foi realizado em uma máquina UniCAPr system 250 (Phadia, Suécia), tem a capacidade de medir valores de IgE total e específica a partir de 2 kU/L e 0,10 kUA/L, respectivamente. Entretanto, conforme padronizaçao internacional, os valores de IgE específica sérica para látex e/ou alérgenos do látex foram considerados positivos quando maiores que 0,35 kUA/L, e os pacientes que apresentaram estes níveis de anticorpos foram denominados sensibilizados17. Em relaçao à IgG4 específica para látex, as amostras foram diluídas na proporçao 1:2 devido a alta concentraçao deste anticorpo no soro humano e níveis maiores do que > 1,5 mgA/L puderam ser detectados. Um subgrupo de 86 pacientes dentre os 400 incluídos no estudo também realizou dosagem sérica de IgA específica para látex. Os pacientes foram classificados como atópicos quando apresentavam IgE sérica específica para Dermatophagoides pteronyssinus e/ou Blomia tropicalis ≥ 0,35 kUA/L.
De acordo com a história clínica e o valor da IgE sérica específica para látex, os pacientes foram divididos em quarto grupos: pacientes assintomáticos e nao sensibilizados (controle negativo); pacientes sintomáticos, mas sem evidência de sensibilizaçao; pacientes assintomáticos e sensibilizados (grupo sensibilizado assintomático); e pacientes sensibilizados e sintomáticos (grupo alérgico).
A partir dos dados obtidos, as prevalências de sensibilizaçao e alergia ao látex nesta populaçao foram calculadas e os fatores clínico-laboratoriais associados à doença foram identificados. Considerando-se o estudo um modelo natural de exposiçao alergênica, também foram determinados fatores clínico-laboratoriais associados à induçao de tolerância, destacando-se os níveis de IgG4 e IgA séricas específicas.
ANALISE ESTATISTICA
Os dados contínuos, semicontínuos e semicategóricos foram inicialmente comparados com a Curva Normal pelo teste de Distância K-S e de Shapiro e classificados quanto a normalidade pela aderência à Curva de Gauss. Os dados nao paramétricos foram representados por mediana de quartis inferior e superior e comparados entre si através do teste de Mann-Whitney para duas amostras. Os dados categóricos foram representados por frequência absoluta (n) e relativa (%); para a análise das matrizes de contingência utilizou-se o teste de qui-quadrado de Pearson.
Os dados contínuos, semicontínuos e semicategóricos foram categorizados obedecendo a Curva ROC. Quando havia assimetria significante para os dados, a soma da especificidade e sensibilidade foi utilizada para obter o ponto de corte para a categorizaçao dos dados. Areas sob a curva ≥ 0,7 foram consideradas indicativas de boa acurácia.
Para a Regressao Logística, utilizou-se como variáveis candidatas aquelas que apresentaram p ≤ 0,10 para Razao de Verossimilhança. As variáveis preditoras do modelo foram determinadas por decomposiçao, sendo que as variáveis de menor influência foram retiradas uma a uma, até o modelo apresentar coesao (p < 0,05).
Foi considerado para todo o estudo risco alfa menor ou igual a 5% de cometer erro tipo I ou de 1ª espécie, e risco beta menor ou igual a 20% de cometer erro tipo II ou de 2ª espécie.
RESULTADOS
Estabeleceu-se uma coorte de 400 pacientes com DFTN, a maior descrita na literatura até o momento para estudar a história natural da alergia ao látex. Duzentos e um pacientes (50,2%) eram do sexo feminino. Quanto a idade, 25 pacientes (6,25%) tinham menos de 1 ano, com mediana de 5 meses (4-7), e 375 pacientes (93,75%) tinham 1 ano ou mais, com mediana de 8,42 anos (5,5-11,42).
Noventa e um pacientes (22,7%) relataram sintomas desencadeados pelo contato com látex, incluindo 21 pacientes (5,2%) com 52 episódios de anafilaxia, distribuídos em 41 (78,8%) ocorridos em ambiente extra-hospitalar e 11 (21,1%) em ambiente intra-hospitalar.
Sessenta e nove pacientes (17,2%) afirmaram já terem recebido diagnóstico prévio de alergia ao látex por médico. Destes, apenas 43 pacientes (62,3%) já haviam sido submetidos a coleta de sangue para dosagem de IgE sérica específica para látex e/ou realizado teste epicutâneo com o alérgeno. A mediana do número cirurgias que estes pacientes realizaram antes do diagnóstico de alergia ao látex era de 4 cirurgias (3-6).
A presença de sensibilizaçao, isto é, positividade da IgE sérica específica para látex ocorreu em 133 pacientes (33,2%). Neste grupo, 49 pacientes (12,2%) apresentaram sintomas de hipersensibilidade imediata frente à exposiçao ao látex, sendo diagnosticados como alérgicos ao látex; e 84 pacientes (21,0%) eram assintomáticos quando expostos ao látex, sendo considerados apenas sensibilizados ao látex. Os 267 pacientes (66,7%) restantes, que nao apresentavam sensibilizaçao, foram divididos em outros dois grupos, o grupo controle negativo, assintomático e sem sensibilizaçao, e os pacientes apenas sintomáticos, sem sensibilizaçao, totalizando os 4 grupos (Figura 1).
No grupo alérgico, a principal manifestaçao clínica foi cutânea, sendo a urticária de contato a mais frequente (Tabela 1). Com o intuito de rastrear os pacientes de risco para o desenvolvimento de alergia ao látex, um escore de sintomas foi elaborado, onde o peso para os sintomas foram estabelecidos segundo suas sensibilidades na detecçao da doença. A avaliaçao dos sinais e sintomas no escore deve ser calculada segundo a Tabela 2. Valores ≥ 40% no escore de sintomas estao associados com diagnóstico de alergia ao látex (p = 0,002).
Na comparaçao do grupo controle negativo e alérgico, os fatores clínico-cirúrgicos associados à alergia ao látex foram: maior idade, precocidade e número de cirurgias, presença e tempo de uso de derivaçao ventrículo-peritoneal (DVP), presença e duraçao de vesicostomia, uso de cateterismo vesical intermitente e história pessoal de doenças atópicas, destacando-se rinite (p 0,003), conjuntivite (p 0,003) e alergia alimentar (p 0,038). Por outro lado, os pacientes que realizaram a primeira cirurgia com ≥ 1 ano de vida apresentaram menor prevalência de alergia ao látex (p 0,026).
Alguns fatores apresentaram boa acurácia para o diagnóstico de alergia ao látex: mediana da idade ≥ 10 anos, tempo de uso de DVP ≥ 10 anos, tempo de uso de cateterismo vesical intermitente ≥ 5 anos, número total de cirurgias ≥ 5, número de cirurgias ortopédicas e neurocirurgias ≥ 3 (Tabela 3). A presença de história de dermatite atópica (p 0,002), número total de cirurgia ≥ 4 e número de neurocirurgias ≥ 3 distinguiram os pacientes apenas sensibilizados dos alérgicos, que sao sensibilizados e sintomáticos (Tabela 4).
Enquanto a positividade da IgE sérica específica para látex ocorreu em 133 pacientes (33,2%), a positividade para os alérgenos individualizados do látex ocorreu em 94 pacientes (23,5%) para rHevb1, em 44 pacientes (11,0%) para rHevb3, em 41 pacientes (10,3%) para rHevb5, em 44 pacientes (11,0%) para rHevb6.01, em 38 pacientes (9,5%) para rHevb6.02, em 3 pacientes (0,8%) para rHevb8, em 8 pacientes (2,0%) para rHevb 9 e em 46 pacientes (11,5%) para rHevb11. A IgE específica para rHevb1 foi a que demonstrou melhor acurácia para diagnóstico de alergia ao látex de acordo com área sob a curva ROC de 0,908 (p < 0,0001), com concentraçao de corte de 0,185 kUA/L, sensibilidade 81,6% e especificidade 97,3% (Tabela 5).
Os pacientes alérgicos ao látex, além de apresentarem IgE específica para este alérgeno, apresentam níveis maiores de IgE total (p < 0,0001), de IgE específica para Dermatophagoides pteronyssinus (p = 0,011) e Blomia tropicalis (p = 0,006), e de IgG4 específica para látex (p < 0,0001), quando comparados com os pacientes nao sensibilizados e assintomáticos (controle negativo).
A concentraçao de corte da IgE sérica específica para látex em 0,77 kUA/L foi o valor com melhor acurácia na diferenciaçao entre os pacientes alérgicos e os sensibilizados assintomáticos (p < 0,0001). A concentraçao foi estabelecida pela curva ROC com a área sob a curva de 0,77, sensibilidade de 89,9% e especificidade de 52,4% (Figura 2). As concentraçoes das IgE séricas específicas para alérgenos isolados do látex foram maiores nos pacientes alérgicos do que nos sensibilizados assintomáticos, sendo a diferença entre as médias geométricas estatisticamente significantes para rHevb 5 (p 0,004), rHevb 6.01 (p 0,009), rHevb 6.02 (p 0,002), e rHevb 11 (p 0,044), embora nenhuma com acurácia para serem utilizadas isoladamente (Tabela 6 e 7).
Os pacientes alérgicos em relaçao aos sensibilizados assintomáticos apresentaram maiores concentracoes de IgE específica para o látex (p = 0.002) e maior razao IgE/IgA específicas (p = 0.0094). As concentracoes de IgG4 e IgA específicas, assim como a razao IgE/IgG4 específicas nao foram estatisticamente diferentes.
Na análise de regressao logística, as dosagens de IgE séricas específica para rHevb1 (p < 0,0001) e rHevb5 (p = 0,002) estiveram associadas à alergia ao látex em relaçao ao grupo controle negativo. Na comparaçao dos grupos alérgicos e sensibilizados assintomáticos, a dosagem de IgE sérica específica para rHevb5 e a positividade do escore clínico ≥ 40% mostraram associaçao positiva com alergia ao látex em relaçao ao grupo sensibilizado (p < 0,0001 e p = 0,035, respectivamente). Em contrapartida, a IgG4 sérica específica para látex mostrou associaçao negativa (p = 0,048).
DISCUSSAO
Apesar da prevalência de alergia ao látex ter reduzido abruptamente em diversos países após medidas de prevençao, no Brasil a doença ainda ocorre em frequência significativa, pois a exposiçao ao látex é rotina no meio intra e extra-hospitalar, mesmo entre os grupos de risco, trazendo para os pacientes a chance de reaçoes potencialmente fatais, como anafilaxia. Embora haja conscientizaçao sobre o problema na AACD, as medidas de prevençao primária ainda nao foram implementadas, existindo apenas um adequado programa de prevençao secundária que merece destaque. Por outro lado, o estudo dos pacientes na AACD permite a análise da história natural da alergia ao látex, que pode inclusive ser utilizada como modelo para a compreensao de outros processos alérgicos.
As prevalências de sensibilizaçao e de alergia ao látex observadas nos pacientes com defeito de fechamento do tubo neural foram de 33,2% e 12,2%, respectivamente. Ou seja, 21,0% dos pacientes sao apenas sensibilizados ao látex. Em relaçao aos 66,7% dos pacientes que nao se sensibilizaram, 56,2% sao assintomáticos, e 10,5% sintomáticos. A metodologia e o tamanho amostral do presente estudo contribuíram para a aferiçao adequada destas taxas, que apresentam grande variaçao em estudos nacionais e internacionais2,3,5,6,8,18.
As manifestaçoes clínicas de alergia ao látex mais frequentes foram as cutâneas (79,6%), sendo a urticária de contato a mais prevalente (67,3%). Episódios de anafilaxia associados à exposiçao ao látex foram observados em 19 pacientes (4,75%). Observamos que a grande heterogeneidade de sintomas relacionados à hipersensibilidade imediata pelo látex dificulta a avaliaçao clínica e o rastreamento da populaçao de risco. Na prática clínica, muitos sintomas sao inespecíficos e podem ser hipervalorizados ou hipovalorizados. Deste modo, muitas vezes o diagnóstico de alergia ao látex só é feito após reaçoes anafiláticas graves, potencialmente fatais.
Neste contexto, devido à grande variabilidade de manifestaçoes clínicas associadas à alergia ao látex, desenvolvemos um escore de sintomas que tem o objetivo de, a partir da entrevista clínica, diferenciar os pacientes com maior risco de apresentarem alergia ao látex. A avaliaçao clínica pelo escore de sintomas demonstrou que pontuaçao ≥ 40% da pontuaçao máxima está associada à alergia ao látex, com boa especificidade. Os pacientes apenas sintomáticos sem sensibilizaçao (10,5%) foram reavaliados utilizando-se o escore de sintomas, e nenhum deles teve pontuaçao ≥ 40%, sugerindo que seus sintomas fossem falso-positivos para alergia ao látex.
Comprovou-se associaçao de muitas das diversas variáveis clínicas e cirúrgicas pesquisadas com alergia ao látex, corroborando estudos prévios2,3,10-14,19. Estas variáveis analisaram a quantidade e via de exposiçao ao látex, a época da vida do paciente em que ela ocorre, além de fatores predisponentes. De maneira geral, quanto maior e mais precoce ocorre a exposiçao alergênica, maior a chance de sensibilizaçao. Por outro lado, observamos que embora os pacientes alérgicos sejam submetidos a cirurgias mais precocemente do que os controles negativos, eles sao operados, em média, algumas horas mais tarde do que os sensibilizados assintomáticos. Também sabe-se que uma exposiçao excessiva repetitiva pode induzir tolerância imune20.
A presença de atopia e de doenças atópicas, assim como maiores concentraçoes de IgE total, estiveram associadas à sensibilizaçao e alergia ao látex, resultado compatível com a literatura3,9,21. A dermatite atópica foi mais prevalente nos pacientes alérgicos do que nos sensibilizados assintomáticos.
A dosagem de IgE sérica específica para látex teve alta sensibilidade para detecçao de alergia ao látex, e a concentraçao de corte de melhor acurácia para diferenciar os pacientes sensibilizados assintomáticos dos alérgicos foi de 0,77 kUA/L. As dosagens de IgE sérica específica para alérgenos recombinates do látex, principalmente Hevb1, também apresentaram boa acurácia no diagnóstico de alergia ao látex. As melhores concentraçoes que discriminaram os pacientes alérgicos dos sensibilizados assintomáticos foram foram: IgE Hevb5 (18,25 kUA/L), IgE Hevb6.01 (1,055 kUA/L), IgE Hevb6.02 (0,480 kUA/L). A importância de estudos que definam níveis de IgE sérica específica que sejam preditores de doença é bem ilustrada na alergia alimentar22-25.
Associado às concentraçoes de IgE específica para látex, a dosagem de IgE específica para Hevb5 em conjunto com o escore de sintomas ≥ 40% auxiliam na avaliaçao de pacientes sensibilizados, com objetivo de determinar prognóstico e taxa de risco para alergia ao látex. A dosagem de outras IgEs específicas só tem relevância na identificaçao dos pacientes mais propensos a apresentarem manifestaçoes clínicas graves quando expostos ao látex ou a desenvolverem síndrome látex-fruta.
Apesar da exposiçao frequente ao látex desde o nascimento, nem todos os pacientes com DFTN expostos aos alérgenos desenvolverao sensibilizaçao ou alergia ao látex. O desenvolvimento de tolerância imunológica pode estar relacionado a este fato, semelhante ao que se tem observado em estudos com imunoterapia e alergia alergia alimentar e a Hymenoptera20,26. Observamos que a IgG4 específica e a razao IgE/IgA específicas estiveram associadas à ausência de sintomas nos pacientes sensibilizados, embora com baixos valores preditivos. Estes anticorpos participam dos mecanismos de tolerância, mas também marcam exposiçao antigênica e estao presentes em indivíduos alérgicos20,27-29.
O estudo atual identificou fatores clínicos, cirúrgicos e laboratoriais associados à sensibilizaçao e alergia ao látex em pacientes com DFTN. Estabeleceu concentraçoes de corte de IgE sérica específica para látex e alérgenos do látex que diferenciam os pacientes sensibilizados e alérgicos ao látex. A pesquisa também avaliou o comportamento da IgG4 e IgA específicas para látex como fator de proteçao associado à ausência de sintomas.
Os resultados obtidos neste trabalho contribuem para o conhecimento de biomarcadores humorais envolvidos com sensibilizaçao, alergia e tolerância ao látex e permite o desenvolvimento de uma rotina no rastreio de alergia ao látex baseada em dados clínicos e laboratoriais.
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Este trabalho foi agraciado com o Prêmio Oswaldo Seabra de 2013 (melhor trabalho na categoria Pesquisa em Alergia Clínica) durante o XL Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia.