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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2017 - Volume 1  - Número 2


Comunicação Clínica e Experimental

Persistência de teste cutâneo positivo 25 anos após anafilaxia por penicilina

Persistence of positive skin test 25 years after penicillin-induced anaphylaxis

Ana Carolina D'Onofrio-Silva; Eduardo Longen; Antonio Abílio Motta; Jorge Kalil; Pedro Giavina-Bianchi; Marcelo Vivolo Aun


DOI: 10.5935/2526-5393.20170029

Serviço de Imunologia Clínica e Alergia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, Brasil


Endereço para correspondência:

Marcelo Vivolo Aun
E-mail: marcelovivoloaun@gmail.com


Submetido em: 12/04/2017
Aceito em: 26/04/2017.
Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao deste artigo.

RESUMO

Os testes cutâneos sao importantes na investigaçao das reaçoes de hipersensibilidade a betalactâmicos, mas a sensibilidade diminui com o tempo, ficando negativos, em geral, em até 5 anos após a reaçao índice. Descrevemos um caso de persistência do teste cutâneo positivo 25 anos após uma reaçao anafilática induzida por penicilina. Mulher de 39 anos encaminhada ao serviço de alergia por quadro de sífilis gestacional e antecedente de anafilaxia induzida por penicilina, de modo a avaliar a possibilidade de realizar dessensibilizaçao. A paciente havia apresentado duas reaçoes de hipersensibilidade há 25 anos, sendo a primeira uma urticária imediata após penicilina benzatina, e uma reaçao anafilática na semana seguinte após receber outra dose da medicaçao. Nao voltou a tomar antibióticos betalactâmicos, mas referia urticária de contato ao preparar medicaçao de uso oral para os filhos (amoxicilina). Realizado teste cutâneo com benzilpenicilina 10.000 UI/mL. O prick test foi negativo, mas o teste intradérmico foi positivo, confirmando a presença de IgE específica. Foi submetida à dessensibilizaçao, com sucesso, mas apresentou reaçao de hipersensibilidade grau I (urticária) durante procedimento. Ao final, recebeu penicilina benzatina 2.400.000 UI em 3 doses semanais, sem intercorrências. Os testes cutâneos devem ser realizados na investigaçao da alergia à penicilina, mesmo em longo período após a reaçao índice, pois permite predizer o risco de recidiva da reaçao em uma reexposiçao.

Descritores: Alergia, anafilaxia, reaçao a droga, penicilina, teste cutâneo, dessensibilizaçao.




INTRODUÇAO

Os antibióticos betalactâmicos (BL) sao indicados para o tratamento de infecçoes há mais de 60 anos, e seu uso aumentou ao longo das últimas décadas devido ao seu baixo custo e elevada eficácia1. Em algumas infecçoes, ainda sao os únicos com efetividade e segurança comprovadas, como ocorre com a penicilina para o tratamento de gestantes portadoras de sífilis.

Os BL sao causas frequentes de reaçoes a fármacos mediadas por mecanismos imunológicos. Sao fármacos com estrutura química variada que podem ser reconhecidos pelo sistema imunológico. Apresentam como estrutura principal um anel BL e suas cadeias laterais2-4. Porém, sao moléculas de baixo peso molecular e costumam funcionar como haptenos antes de ativar os linfócitos. Os haptenos podem ser tanto o anel BL como as cadeias laterais5,6. A reaçoes de hipersensibilidade sao classificadas em imediata e nao imediata. As reaçoes imediatas aos BL geralmente ocorrem dentro de 1 hora da exposiçao ao fármaco, e sao mediadas por IgE.

Para a confirmaçao diagnóstica, podem ser feitos testes in vitro, como a dosagem sérica de IgE específica, ou in vivo, que sao os testes cutâneos (TC) de punctura e intradérmico, que possuem uma maior sensibilidade do que os ensaios laboratoriais. Em caso de testes negativos, a confirmaçao da hipersensibilidade é feita com o teste de provocaçao, no qual o paciente é reexposto ao fármaco, com risco de reaçoes graves. Nesses casos, nao é demonstrado o mecanismo envolvido na reaçao3. Em casos selecionados, em que o paciente necessita novo tratamento com aquela medicaçao e nao há opçao custo-efetiva, pode ser optada pela dessensibilizaçao, que é a induçao de um estado de tolerância transitória àquele fármaco para permitir o tratamento otimizado3.

Em países onde os BL sao a principal causa de anafilaxia por drogas, há estudos mostrando que os pacientes, mesmo os que apresentavam TC inicialmente positivos, perdem a reatividade cutânea numa média de 5 anos após a reaçao ao fármaco, e poucos sao aqueles que persistem com testes positivos após esse período8. Apresentamos um caso de uma paciente com sífilis latente tardia gestacional e antecedente de alergia a penicilina (anafilaxia) há 25 anos, que persistiu com TC positivo e apresentou reaçao durante a dessensibilizaçao.

 

DESCRIÇAO DO CASO

Mulher, 39 anos, referia que aos 14 anos fez uso de penicilina benzatina para tratamento de faringite e apresentou urticária nos braços menos de uma hora após aplicaçao da medicaçao. Após uma semana, foi realizada nova aplicaçao da droga. Vinte minutos após administraçao, ainda no hospital, apresentou urticária, angioedema, sensaçao de sufocamento e dispneia. Foi transferida para sala de emergência, suplementado oxigênio e feita inalaçao com β-2 agonista. Paciente nao recordava se recebera adrenalina, corticosteroide ou anti-histamínico.

Desde a referida reaçao, negava ter recebido penicilina ou qualquer outro BL. Entretanto, reportava que ao preparar soluçao oral de amoxicilina para os filhos, apresentava urticária imediata nas maos.

Foi encaminhada ao nosso serviço com diagnóstico de sífilis gestacional latente tardia, com indicaçao obstétrica de penicilina benzatina para tratamento da mae e do feto. Realizamos TC de punctura com benzilpenicilina potássica 10.000 U/mL9 que foi negativo, mas o intradérmico foi positivo (Figura 1).

 


Figura 1 Teste intradérmico positivo com benzilpenicilina potássica a 10.000 UI/mL

 

Indicamos dessensibilizaçao com Pen V Oral10, sem reaçoes até dose de 1.296.000 UI. Na sequência, feita aplicaçao de penicilina benzatina 2.400.000 UI via intramuscular. Após 1h30min, apresentou coriza, prurido palmo-plantar e eritema auricular. Foi medicada com anti-histamínicos e apresentou melhora total dentro de uma hora. Ficou hospitalizada por 24 horas, em uso de Prednisona. As aplicaçoes subsequentes foram realizadas sob nossa supervisao, em ambiente hospitalar, sob regime de pré-medicaçao com corticosteroide e anti-histamínico oral, sem novas reaçoes.

 

DISCUSSAO

A investigaçao da alergia à penicilina é essencial, mesmo após longo prazo da reaçao inicial. É bem descrito na literatura que o nível de IgE específica para determinado fármaco diminui com o passar dos anos. Foi demonstrado que a positividade dos TC cai substancialmente após 5 anos, e é praticamente inexistente 10 anos após a reaçao alérgica8. Mesmo a reprodutibilidade clínica diminui ao longo do tempo. Foi mostrado que em pacientes com história de anafilaxia (reaçao IgE mediada), o risco de reaçao com nova exposiçao após 10 anos de reaçao varia entre 1 e 2%7.

No caso descrito, a paciente permaneceu sensibilizada ao fármaco mesmo após 25 anos sem o uso da medicaçao. Especulamos se a paciente manteve a sensibilizaçao devido ao contato cutâneo com a amoxicilina para o tratamento dos filhos. Na literatura, manutençao da sensibilizaçao por contato com aminopenicilina ainda nao havia sido descrita.

Caso os TC de leitura imediata sejam positivos, confirma-se a persistência da produçao da IgE específica, aumentando muito a chance de reaçao durante uma nova exposiçao à droga. Nesses casos, assim como em nossa paciente, quando nao há outra alternativa terapêutica, está indicada a dessensibilizaçao11. As modificaçoes do tratamento com base nos resultados de TC podem reduzir a incidência de anafilaxia em pacientes que necessitam do uso da medicaçao12. Outro fator importante a pontuar é que a nao investigaçao dos casos de reaçao alérgica a medicamentos, principalmente os BL, leva ao aumento dos custos do tratamento em até quatro vezes. Na maioria das vezes a hipersensibilidade pode ser descartada, evitando uso de antibióticos de mais alto custo e que requerem internaçao prolongada13.

No caso aqui reportado, além do antecedente de alergia à penicilina, a paciente tinha sífilis gestacional, que ainda é muito prevalente, notadamente no Brasil14. A gestaçao por si só é uma contraindicaçao relativa à realizaçao de TC devido ao risco de reaçoes durante o procedimento. Porém, existem algumas exceçoes, como a falta de alternativa medicamentosa a uma doença que pode colocar em risco a vida do paciente e/ou feto15. Para o tratamento completo da paciente com sífilis gestacional, o único medicamento que atravessa a barreira placentária para tratar também o feto é a penicilina16. Nos casos de suspeita de reaçao de hipersensibilidade ao fármaco é obrigatória entao a investigaçao e, se necessária, a dessensibilizaçao, para que o binômio mae-feto possam ser tratados17.

De acordo com a experiência do nosso serviço, após a dessensibilizaçao, as doses subsequentes da penicilina benzatina para sífilis tardia podem ser aplicadas, sem nova dessensibilizaçao, desde que nao ultrapasse o intervalo de 7 dias da dose anterior18. Isso se deve ao fato de que essa droga mantém nível sérico terapêutico por até 28 dias, mantendo o paciente em "estado hiporreativo". No caso presente, as doses da penicilina benzatina foram aplicadas a cada 7 dias, sem novas dessensibilizaçoes, com sucesso ao final do tratamento. Após o término do tratamento, a paciente ainda deve ser considerada alérgica ao fármaco e, sendo assim, em caso de nova indicaçao futura para uso da droga, nova dessensibilizaçao está indicada18. Por outro lado, quando a história pregressa nao é sugestiva de hipersensibilidade, o medicamento poderá ser aplicado diretamente sem a realizaçao de investigaçao completa, apenas sob supervisao18.

O caso reportado ilustra bem a importância, primeiramente, da história clinica, que era muito sugestiva de hipersensibilidade, seguida pela necessidade de realizar TC mesmo após longo tempo da reaçao inicial. Por fim, quando história e/ou testes sao positivos, devemos estar preparados para uma reaçao durante a reexposiçao à medicaçao, mesmo em regime de dessensibilizaçao. A investigaçao diagnóstica e o procedimento terapêutico permitiram o tratamento do binômio mae-feto com sucesso e o nascimento da criança totalmente saudável.

 

REFERENCIAS

1. Ariza A, Mayorga C, Salas M, et al. The influence of the carrier molecule on amoxicillin recognition by specific IgE in patients with immediate hypersensitivity reactions to betalactams. Sci Rep. 2016;6:35113.

2. Gruchalla RS. Drug allergy. J Allergy Clin Immunol. 2003;111(2 Suppl):S548-59.

3. Blanca M, Romano A, Torres MJ, Férnandez J, Mayorga C, Rodriguez J, et al. Update on the evaluation of hypersensitivity reactions to betalactams. Allergy. 2009;64(2):183-93.

4. Romano A, Torres MJ, Castells M, Sanz ML, Blanca M. Diagnosis and management of drug hypersensitivity reactions. J Allergy Clin Immunol. 2011;127:S67-73.

5. Malaman MF, Adkinson NF. Beta lactams in handbook of drugs. 1ª ed. 2004. p. 1-11.

6. Ariza A, Mayorga C, Fernández TD, Barbero N, Martín-Serrano A, Pérez-Sala D, Hypersensitivity Reactions to ß-lactams: relevance of hapten-protein conjugates. J Investig Allergol Clin Immunol 2015;25(1):12-25.

7. Macy E, Romano A, Khan D. Practical Management of Antibiotic Hypersensitivity. J Allergy Clin Immunol Pract. 2017;5(3):577-86.

8. Blanca M, Torres M J, García J J, et all. Natural evolution of skin test sensitivity in patients allergic to β-lactam antibiotics, J Allergy Clin Immunol.1999;103(5 Pt 1):918-24.

9. Malaman MF, Rodrigues AT, Felix MM, Menezes UP, Tanno LK, Camelo-Nunes I, et al. Recomendaçoes para o diagnóstico das reaçoes de hipersensibilidade imediatas aos antibióticos betalactâmicos. Rev bras alerg imunopatol. 2011;34(6):257-62.

10. Wendel GD Jr, Stark BJ, Jamison RB, Molina RD, Sullivan TJ. Penicillin allergy and desensitization in serious infections during pregnancy. N Engl J Med.1985;312(19):1229-32.

11. Ministério da Saúde. Testes de Sensibilidade à Penicilina - Manual. Brasília: Coordenação Nacional de DST/AIDS, Secretaria de Políticas de Saúde, Ministério da Saúde;1999.

12. Zanotti KM, Rybicki LA, Kennedy AW, Belinson JL, Webster KD, Kulp B, et al. Carboplatin skin testing: a skin testing protocol for predicting hypersensitivity to carboplatin chemotherapy. J Clin Oncol. 2001;19(12):3126-9.

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16. Berman, Stuart M. "Maternal Syphilis: Pathophysiology and Treatment." Bulletin of the World Health Organization. 2004;82(6):433-8.

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18. Giavina-Bianchi P, Aun MV, Galvao VR, Castells M. Rapid desensitization in immediate hypersensitivity reaction to drugs. Curr Treat Options Allergy. 2015;2:268-85.

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