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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
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Número Atual:  Abril-Junho 2017 - Volume 1  - Número 2


Artigo Original

Urticária crônica espontânea refratária aos anti-histamínicos: opção por ciclosporina

Antihistamine-refractory chronic spontaneous urticaria: opting for cyclosporine

Rosana Câmara Agondi; Lorena Crispim; Franciane B. Almonfrey; Jorge Kalil; Antônio Abilio Motta


DOI: 10.5935/2526-5393.20170026

Serviço de Imunologia Clínica e Alergia do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, SP


Endereço para correspondência:

Rosana Câmara Agondi
E-mail: ragondi@gmail.com


Submetido em: 18/04/2017
Aceito em: 04/05/2017.
Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao deste artigo.

RESUMO

INTRODUÇAO: Anti-histamínico de segunda geraçao (AH1 2ªG) é o tratamento de escolha para pacientes com urticária crônica espontânea (UCE). Porém, cerca de 50% dos pacientes nao responde a este tratamento. A ciclosporina é uma opçao para os quadros mais graves. A ciclosporina tem propriedades imunossupressoras potentes, mas, apesar de sua eficácia, seu uso é limitado devido a diversos efeitos colaterais importantes.
OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar a resposta à ciclosporina em pacientes com UCE refratária aos anti-histamínicos.
MÉTODO: Estudo retrospectivo baseado no prontuário eletrônico de pacientes com UCE refratária aos AH1 2ªG e que nao responderam à introduçao de outros medicamentos para controle da urticária. A ciclosporina foi indicada para todos os pacientes. A dosagem de D-dímero foi realizada em alguns pacientes.
RESULTADOS: Trinta pacientes participaram do estudo. Desses pacientes, 80% eram do sexo feminino, e a média de idade era de 42,8 anos. Previamente à introduçao da ciclosporina, todos estavam em uso de AH1, 60% de AH2, 67% de montelucaste, 33,3% de hidroxicloroquina, e 56,7% de corticoide oral. A mediana de tempo de uso da ciclosporina foi de 11,5 meses. Em relaçao à eficácia, 40% dos pacientes apresentaram melhora dos sintomas, 40% nao responderam ao tratamento, e em 20% dos pacientes a resposta nao foi avaliada por suspensao da ciclosporina devido a efeitos colaterais, ou nao foi introduzida devido a alteraçoes clínicas ou laboratoriais prévias. Houve aumento dos níveis pressóricos em 9 pacientes (30%), e nefrotoxicidade em 5 pacientes (16,7%).
CONCLUSOES: Embora a ciclosporina seja uma boa opçao terapêutica para pacientes com UCE refratária aos AH1, os efeitos colaterais sao frequentes e devem ser monitorados.

Descritores: Urticária, urticária crônica espontânea, urticária refratária aos anti-histamínicos, ciclosporina.




INTRODUÇAO

A urticária crônica espontânea (UCE) se caracteriza pela presença de urticas ou placas eritemato-pruriginosas disseminadas, fugazes, que desaparecem sem lesoes residuais, ocorrendo na maioria dos dias da semana por 6 ou mais semanas1. A UCE está associada a uma má qualidade de vida (QV), comparável a outras doenças dermatológicas graves, como dermatite atópica e psoríase2. Estudo mostrou que a QV de pacientes com urticária crônica atendidos em centros terciários seriam comparáveis a de um grupo de paciente idosos coronariopatas graves3. Muitos fatores estao associados a esta QV ruim, dentre elas a imprevisibilidade das manifestaçoes clínicas, como o aparecimento do angioedema, e a presença de prurido intenso que interfere com a qualidade do sono e, portanto, se reflete em fadiga durante o dia4. O objetivo do tratamento dos pacientes com UCE é o controle completo dos sintomas. O tratamento de primeira linha para os pacientes com urticária crônica recomendado pelas diretrizes internacionais é o anti-histamínico (AH1) de segunda geraçao ou nao sedante, em doses licenciadas. Para aqueles pacientes que nao responderem a esta dose licenciada, as diretrizes recomendam aumentar a dose do AH1 de segunda geraçao em até 4 vezes1.

Entretanto, os anti-histamínicos sao eficazes para controle dos sintomas dos pacientes com UCE em 45 a 50% das vezes1. Vários medicamentos foram estudados para controle dos sintomas dos pacientes com UCE refratária aos anti-histamínicos. Os estudos atuais mostram que o omalizumabe, que está licenciado para tratamento de pacientes com urticária crônica desde dezembro de 2015, é a opçao terapêutica mais eficaz para pacientes com UCE refratária aos anti-histamínicos, porém o seu custo pode limitar a utilizaçao deste medicamento. Dentre outras opçoes, o montelucaste e a ciclosporina estao entre as recomendadas pelos consensos internacionais1.

A ciclosporina A é um imunossupressor potente que bloqueia a transcriçao de genes de citocinas, incluindo IL-2 e IL-4, em linfócitos T (LT) ativados. A ciclosporina inibe a atividade da calcineurina que regula a ativaçao de fatores de transcriçao e açao destes no núcleo do LT. Portanto, a ciclosporina A é um inibidor altamente específico da ativaçao do LT5.

A ciclosporina parece ser um medicamento seguro quando utilizado em doses baixas (3 mg/kg por dia) para pacientes com UCE refratária aos anti-histamínicos. Entretanto, os pacientes devem ser avaliados, previamente à introduçao da ciclosporina, quanto às contraindicaçoes, como hipertensao arterial, doença renal, gravidez, amamentaçao e história prévia de neoplasia6.

O consenso EAACI (European Academy of Allergy and Clinical Immunology), em 2014, recomenda o uso de ciclosporina associada ao anti-histamínico de segunda geraçao para aqueles pacientes refratários a altas doses de anti-histamínicos; porém, salienta a alta incidência de efeitos adversos relacionados a esta droga1.

 

OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi avaliar a resposta terapêutica da adiçao de ciclosporina ao tratamento da UCE nos pacientes refratários aos antihistamínicos.

 

MÉTODO

Estudo clínico aberto retrospectivo baseado em prontuário eletrônico de pacientes com UCE refratária aos anti-histamínicos, em acompanhamento em um serviço terciário, no período de agosto/2010 a abril/2017.

Todos os pacientes estavam em uso de outros medicamentos associados aos AH1 2ªG, como AH1 1ªG, anti-H2 (AH2), montelucaste, hidroxicloroquina, com o objetivo de controlar os sintomas da urticária. Muitos eram corticodependentes. A ciclosporina foi indicada para todos os pacientes que se mantiveram sintomáticos, apesar do uso destes medicamentos.

Foram avaliadas a resposta terapêutica à introduçao de ciclosporina e a necessidade de continuidade ou nao dos outros medicamentos para controle da UCE (anti-H2, montelucaste, dapsona, hidroxicloroquina e/ou corticoide). Os pacientes que apresentaram reaçoes adversas à ciclosporina com um mês ou menos do seu uso foram considerados como "avaliaçao nao possível". Todos os pacientes foram monitorados quanto à presença de efeitos colaterais relacionados à ciclosporina, através de história clínica, exame físico (incluindo controle de níveis pressóricos regularmente) e exames laboratoriais (incluindo glicemia, ureia e creatinina). Alguns pacientes foram submetidos à dosagem do D-dímero para avaliaçao da gravidade da doença.

Os pacientes foram classificados em três grupos: pacientes que responderam à ciclosporina; pacientes que nao responderam à ciclosporina; pacientes em que a avaliaçao nao foi possível por contraindicaçao à introduçao de ciclosporina, ou pacientes que apresentaram efeitos colaterais até um mês após a introduçao do medicamento.

 

ANALISE ESTATISTICA

Os resultados formam coletados e incluídos em um banco de dados, submetidos a análise estatística, através de teste exato de Fisher. Foi considerado significante um p < 0,05.

 

RESULTADOS

Trinta pacientes com UCE refratária aos antihistamínicos e com indicaçao de introduçao da ciclosporina foram incluídos no estudo. Desses pacientes, 80% eram do sexo feminino. A média de idade era de 42,8 anos (DP 15 anos), a da idade de início da urticária era de 31,9 anos (DP 14,6 anos), e a do tempo de doença de 10,9 anos (DP 5 anos). Previamente à indicaçao da ciclosporina, vários outros medicamentos foram utilizados para controle da urticária: AH1 de 1ª geraçao (80%), AH2 (60%), montelucaste (66,7%), hidroxicloroquina (33,3%) e/ou corticoide oral (56,7%). Nenhum paciente estava em uso de dapsona no período de estudo.

Neste estudo, a dose de ciclosporina utilizada pelos pacientes variou de 2,5 a 3 mg/kg/dia. A ciclosporina foi utilizada por 24 pacientes, por um período que variou de 2 a 59 meses (mediana de 13,5 meses); 12 pacientes (40%) apresentaram controle da urticária, e 12 (40%) nao responderam à adiçao de ciclosporina. A avaliaçao de resposta ou nao à ciclosporina nao foi possível em seis pacientes (20%). Três pacientes utilizaram a ciclosporina por até 1 mês, sendo suspenso o medicamento devido a efeitos colaterais, e 3 pacientes por contraindicaçao devido a alteraçoes basais: 1 paciente hipertenso, e 2 pacientes nefropatas (Tabela 1).

 

 

Após a introduçao da ciclosporina, o grupo de pacientes que apresentou boa resposta ou controle dos sintomas reduziu a necessidade de outros medicamentos associados, como AH1 1ªG, ranitidina, hidroxicloroquina e corticoide. Previamente à introduçao da ciclosporina, 7 pacientes (58,3%) estavam em uso de corticoide oral cronicamente; após a introduçao de ciclosporina, apenas 2 pacientes (16,7%) mantiveram o uso do corticoide. Esta reduçao nao apresentou significância estatística (p = 0,08). Em relaçao ao grupo que nao respondeu à introduçao da ciclosporina, houve necessidade de aumento na dose de AH1 de 1ªG e montelucaste, e uma menor reduçao na retirada de corticoide oral (Tabela 2).

 

 

Os efeitos colaterais foram frequentes em ambos os grupos que utilizaram ciclosporina e estavam presentes em 41,7% dos pacientes que responderam à medicaçao, e em 58,3% dos pacientes que nao apresentaram controle da doença após a introduçao da mesma. As reaçoes adversas foram: hipertrofia gengival, hipertensao arterial, nefrotoxicidade, neutropenia, úlceras orais, lombalgia, alteraçao de sensibilidade, hipertricose, hiperemia e parestesia nos quirodáctilos e febre.

O grupo de pacientes em que a "avaliaçao nao foi possível" apresentava idade mais avançada (média de 63,8 anos) e início da urticária mais tardio (52 anos). Os três pacientes que interromperam o tratamento antes do primeiro mês de uso da ciclosporina apresentaram aumento dos níveis pressóricos (100%), nefrotoxicidade (33,3%) e hemorragia conjuntival (33,3%). A frequência de manifestaçoes clínicas e/ou laboratoriais que impediram ou levaram à suspensao da ciclosporina precocemente estao na Figura 1.

 


Figura 1 Frequência de manifestaçoes clínicas e/ou laboratoriais que impediram ou levaram à suspensao da ciclosporina nos pacientes com urticária crônica espontânea refratária aos anti-histamínicos

 

A dosagem do D-dímero foi realizada em 21 pacientes, e os níveis séricos encontravam-se elevados nos três grupos estudados, com mediana de 1020 ng/mL (normal = até 500 ng/mL), sendo maior no grupo onde nao foi possível a avaliaçao da resposta à ciclosporina, sem diferença estatística significante entre eles.

 

DISCUSSAO

Este estudo retrospectivo analisou 30 pacientes com UCE refratária aos anti-histamínicos e com indicaçao para introduçao de ciclosporina. Todos os pacientes mantinham-se nao controlados, apesar do uso de outras opçoes terapêuticas associadas aos anti-histamínicos, como ranitidina, montelucaste, hidroxicloroquina e corticoide. A dosagem do D-dímero encontrava-se elevada com mediana de 1.020 ng/mL. Por tratar-se de um centro terciário de atendimento para pacientes com urticária crônica, muitos deles (56,7%) eram cortico-dependentes quando chegaram ao serviço.

Vena et al. avaliaram a resposta adicional de ciclosporina comparada ao placebo nos pacientes com UCE refratária ao tratamento com cetirizina. Os autores demonstraram que os pacientes que receberam a ciclosporina apresentaram melhor resposta (estatisticamente significante) em relaçao ao grupo placebo (63% de melhora no grupo "ciclosporina+cetirizina" contra nenhuma melhora no grupo "apenas cetirizina", na 8ª semana de tratamento). Neste estudo, a ciclosporina foi bem tolerada e houve necessidade de suspensao do tratamento em 6% dos pacientes com associaçao ciclosporina+cetirizina7.

No presente estudo, apenas 12 pacientes (40%) apresentaram boa resposta terapêutica à ciclosporina, outros 12 pacientes (40%) nao responderam ao tratamento e em 6 pacientes (20%) nao foi possível a avaliaçao, pois, 3 pacientes apresentavam alteraçoes renais ou hipertensao arterial previamente à introduçao do medicamento e outros 3 apresentaram efeitos colaterais logo após a introduçao da medicaçao (antes de 30 dias).

Um estudo de revisao avaliou o uso de inibidores da calcineurina nos pacientes com urticária crônica. Nesta revisao, a dose utilizada pela maioria dos estudos estava entre 2,5 e 5 mg/kg/dia, e o tempo de uso foi de 4 a 20 semanas. A resposta ao tratamento variou de 40 a 100%, e aqueles estudos com uso de ciclosporina por períodos curtos foram os que apresentaram menores taxas de resposta e maior recorrência da urticária. Nos estudos com pacientes que responderam à terapia com ciclosporina, 37% apresentaram remissao da doença6.

No nosso estudo, o tempo de uso da ciclosporina variou de 2 meses a 59 meses (mediana de 11,5 meses). Toubi e Blant estudaram o uso de ciclosporina em dose baixa (3 mg/kg/dia) nos pacientes com UCE grave e compararam com grupo controle (sem ciclosporina)8. Os autores observaram que, em três meses, os pacientes em uso de ciclosporina descontinuaram gradualmente o tratamento prévio, incluindo a prednisona, e nao apresentaram efeitos colaterais durante o acompanhamento. Os autores também observaram que os pacientes que necessitavam de corticoide em doses altas e com história clínica prolongada respondiam menos à adiçao de ciclosporina.

Grattan CEH et al. avaliaram o efeito da ciclosporina em relaçao às manifestaçoes clínicas e à atividade de liberaçao de histamina (HRA) de basófilos em pacientes com urticária crônica idiopática9. Os autores demonstraram que a ciclosporina era mais eficaz nos pacientes com UC idiopática e teste do autossoro positivo; também observaram que os pacientes respondedores à ciclosporina apresentaram reduçao no HRA.

No nosso estudo, o grupo de pacientes que respondeu à ciclosporina apresentava um tempo maior de doença, entretanto, a frequência de uso do corticoide era maior no grupo que nao respondeu à ciclosporina. Excluindo-se os três pacientes com contraindicaçao para a introduçao da ciclosporina, 15 dentre 27 pacientes (55,6%) desenvolveram algum efeito colateral, sendo os mais frequentes o aumento da pressao arterial, a alteraçao de funçao renal, e a hipertrofia gengival. A ciclosporina foi suspensa em 14 destes pacientes, e reduzida em 1 paciente.

Em resumo, o presente estudo observou uma boa resposta à ciclosporina em 40% dos pacientes com UCE refratários a AH1 e a outros medicamentos. Embora a ciclosporina seja uma boa opçao terapêutica para muitos destes pacientes, os efeitos colaterais sao frequentes e devem ser monitorados.

 

REFERENCIAS

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7. Vena GA, Cassano N, Colombo D, Peruzzi E, Pigatto P and the NEO-I-30 Study Group. Cyclosporine in chronic idiopathic urticaria: a double-blind, randomized, placebo-controlled trial. J Am Acad Dermatol. 2006;55:705-9.

8. Toubi E, Blant A, Kessel A, Golan TD. Low-dose cyclosporine A in the treatment of severe chronic idiopathic urticaria. Allergy. 1997;52:312-6.

9. Grattan CEH, O'Donell BFO, Francis DM, NIimi N, Barlow RJ, Seed PT, et al. Randomized double-blind study of cyclosporine in chronic 'idiopathic' urticaria. Br J Dermatol. 2000;143:365-72.

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