Logo ASBAI

Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Novembro-Dezembro 2014 - Volume 2  - Número 6


CARTA AO EDITOR

Diagnóstico molecular por componentes e polinose por gramíneas no trópico brasileiro: "uma nova mira no alvo"

Component-resolved molecular diagnosis and grass pollinosis in the Brazilian tropic: "a new target"

Francisco M. Vieira


MD. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS


Endereço para correspondência:

E-mail: famvieira@hotmail.com


Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao desta carta.




Prezada Editora,

O pólen de gramíneas (família Poaceae) representa uma causa de morbidade por alergia em todo o mundo, principalmente em regioes de clima temperado. O mesmo nao se pode generalizar para a grande área tropical do Brasil, distinta em geografia e clima daquela encontrada no Sul do País.

Nas últimas décadas, em várias regioes do trópico brasileiro ocorre o desmatamento de espécies nativas, o domínio da terra com novas técnicas de agricultura e pecuária em larga escala, a propagaçao de gramíneas invasoras com potencial alergênico nas cidades e no campo, e mudanças climáticas, incluindo o possível aumento da biomassa de polens pelo aquecimento global. Esse conjunto de eventos permite a alergistas revisarem uma possível doença polínica atual, especialmente afastada do litoral e sem influência marítima.

No meio ambiente tropical brasileiro, a maioria dos pacientes com rinoconjuntivite e/ou asma estao sensibilizados aos alérgenos perenes, principalmente aos ácaros do pó domiciliar. Entretanto, de modo eventual, poderao estar sensibilizados a múltiplos antígenos polínicos de gramíneas, como em Uberlândia, MG1.

Uma interrogaçao torna-se pertinente: estarao os polens influenciando nos sintomas? No trópico nao existe uma estaçao polínica longa e bem definida, como ocorre nos climas temperado e mesmo subtropical, em que um inverno de baixas temperaturas é seguido por uma primavera característica, sendo fácil identificar os sintomas que se repetem anualmente.

A introduçao do diagnóstico molecular por componentes, com elevado número de antígenos recombinantes ou purificados, constitui uma nova ferramenta com biomarcadores para o desenvolvimento de diagnóstico clínico de excelência em doenças alérgicas e para guiar imunoterapia específica2.

O ImmunoCAP-ISAC (Immuno Solid Phase Allergen Chip) é um teste de alergia molecular in vitro, que analisa anticorpos específicos da classe IgE no soro ou plasma de pacientes para 103 a 112 alérgenos diferentes, originados de moléculas naturais e recombinantes. Os resultados sao expressos em uma faixa de 0,3 a 100 ISAC Standartized Units (ISU). Afora os inúmeros componentes alergênicos do painel (muitos nao presentes no Brasil), pode-se observar a presença daqueles com reatividade cruzada.

O método inclui a gramínea Phleum pratense (subfamília Pooideae), nao encontrada no Brasil, entretanto com extensa reatividade cruzada com o Lolium multiflorum (azevém), nosso principal antígeno polínico no Sul do País3,4. Um grupo de 78 pacientes com polinose por gramíneas (100% sensibilizados ao Lolium multiflorum), na área de Caxias do Sul, RS, obteve através do diagnóstico molecular por componentes, positividade de IgE para: Phl p 1 (95%), Phl p 5 (82%), Phl p 2 (76%), seguidos por Phl p 4 (64%), Phl p 11 (18%), Phl p 12(18%) e Cyn d 1(85%)3.

Anticorpos IgE para alérgenos recombinantes Phl p 1, Phl p 2, Phl p 5, e Phl p 6 sao biomarcadores de uma verdadeira sensibilizaçao para a família Poaceae5. Cyn d 1 é o alérgeno principal do pólen da gramínea Cynodon dactylon, denominada "grama bermuda", que pertence à subfamília Chloridoideae. Esta gramínea é considerada uma excelente pastagem, afora o fato de também ser usada em áreas de paisagismo, adaptada ao clima tropical, de rápido crescimento e propagaçao, podendo, outrossim, ser considerada como uma invasora ou infestante.

Nao estao incluídos no painel alérgenos de Paspalum notatum ou "grama Bahia" da subfamília Panicoideae, assim como alérgenos da espécie congênere Sorghum halepense (capim-massambará), denominada "Johnson grass" pelos americanos. Esta gramínea é adaptada a climas quentes, é resistente ao estresse hídrico, possui elevado potencial alergênico e é citada pela literatura agronômica como uma infestante em lavouras anuais e perenes, principalmente em regioes onde predomina o calor. Nao se deve confundi-la com o Sorghum bicolor (sorgo granífero), um híbrido, largamente cultivado para produçao de sementes ou forragem, adaptado ao calor. Possui pequena polinizaçao anemófila e elevada autopolinizaçao.

No ambiente tropical, as gramíneas sao abundantes, em alguns casos com epitopos originários de carboidratos, nao expressando sintomas de alergia clinicamente relevantes, como em casos de resposta IgE a Phl p 4 e, em parte a Cyn d 1 (beta expansina). Entretanto, quando nao há resposta IgE a Phl p 5 (ribonuclease), e estiver presente IgE a Cyn d 1 associada a IgE a Phl p 1 e for superior à mesma, ou aparecer de forma isolada, indicaria sensibilizaçao primária com doença2,5.

A monossensibilizaçao para Phl p 1 está relacionada à identificaçao de baixos níveis de IgE para Lolium, quando realizados testes com extratos polínicos. Porém, IgE específica anti Phl p 5 seria um verdadeiro biomarcador de alergia para a subfamília Pooideae, encontrada raramente como único sensibilizante2. Resumindo, quando houver positividade IgE para a associaçao de Phl p 1 + Phl p 5, definidos por suas potências e frequências, considera-se a subfamília Pooideae como causa de alergia polínica.

O grupo 5 de alérgenos está restrito à subfamília Pooideae, existindo uma limitada reatividade cruzada com as gramíneas tropicais e subtropicais, Cynodon e Paspalum5. Em avaliaçoes no trópico, sugere-se complementar a afirmativa de alergia clínica à subfamília Pooideae se houver prick test positivo (pápula > 5 mm em relaçao ao controle negativo) para Lolium, associado a um teste de provocaçao nasal controlado com placebo positivo. Poderiam anteceder ao ISAC na seleçao de pacientes, destinados a comparaçoes particulares "par a par" nos resultados. O Lolium existe em climas temperados e subtropicais, entretanto por sua elevada alergenicidade e reatividade cruzada, pode servir como um marcador biológico para as gramíneas da grande subfamília Pooideae3,4.

O diagnóstico de alergia por componentes em 51 pacientes com asma e/ou rinite, alérgicos a ácaros e baratas em Ribeirao Preto, SP, revelou 6 (12%) pacientes com IgE positiva para Cyn d 1 e ausência de positividade a Phl p 56. Coincidentemente, "olhando-se a outra face da moeda", isso indicaria uma sensibilizaçao primária a Cynodon. Considera-se, basicamente quando houver ausência de IgE para Phl p 1. Por outro lado, a positividade para IgE anti Phl p 5, caso houvesse, demonstraria uma dupla sensibilizaçao (Pooideae + Chloridoideae)5.

Nao é intençao no momento saber quais seriam as moléculas para uma futura imunoterapia específica. Isso particularmente aplica-se onde existem estaçoes polínicas sucessivas, e os pacientes encontram-se polissensibilizados, sendo difícil, portanto, de se estabelecer o diagnóstico etiológico principal para os alérgenos. O ISAC viria, em parte, substituir a aerobiologia pela falta de conhecimento das espécies e as concentraçoes polínicas (por m3 de ar) acessíveis à inalaçao por pacientes em nosso ambiente tropical. Estima-se que em um raio de aproximadamente 20 km os polens repetem-se em relaçao ao local de coleta, e o mesmo poderia se aplicar aos pacientes.

O ISAC é uma metodologia relativamente dispendiosa, e requer algum grau de conhecimento para sua interpretaçao. Estudos multicêntricos, envolvendo diversas regioes brasileiras no trópico, sao um desafio de logística, devendo ser avaliados e direcionados especialmente no ambiente universitário, de maneira a produzirem resultados práticos e multiplicadores para os alergistas. "Espera-se!". Por outro lado, individual ou coletivamente, "estudos piloto" seriam bem-vindos, a fim de viabilizar um melhor entendimento de uma "desconhecida" e possível doença polínica.

 

REFERENCIAS

1. Sopelete MC, José Vaz LA, Taketomi EA. Sensitization to Cynodon dactylon and Paspalum notatum grass pollens in pollinosis patients in Uberlandia, Minas Gerais. Abstracts of WAO International Scientific Conference; 2014 December 6-9; Rio de Janeiro, Brazil.

2. Panzner P, Vachová M, Vitovcová P,Bradská P, Vlas T. A comprehensive analysis of middle-European molecular sensitization profiles to pollen allergens. Int Arch Allergy Immunolol. 2014;164:74-82.

3. Moreira PF, Gangl K, Vieira F de A, Ynoue LH, Linhart B, Flicker S, et al. (2015) Allergen Microarray Indicates Pooideae Sensitization in Brazilian Grass Pollen Allergic Patients. PloS One. 2015;10(6):e0128402.

4. Bernardes CT, Moreira PF, Sopelete MC, Vieira FA, Sung SS, Silva DA, et al. IgE cross-reactivity between Lolium multiflorum and commercial grass pollen allergen extracts in Brazilian patients with pollinosis. Braz J Med Biol Res. 2010;43:166-75.

5. Popescu FD. Molecular biomarkers to grass pollen immunotherapy. World J Methodol. 2014;4:26-45.

6. Bardini Alves G. Diagnóstico de alergia por componentes em pacientes com asma e/ou rinite alérgicos a ácaros e barata: relevância clinica. [dissertaçao de mestrado]. Ribeirao Preto(SP): Universidade de Sao Paulo,2013.

2024 Associação Brasileira de Alergia e Imunologia

Rua Domingos de Morais, 2187 - 3° andar - Salas 315-317 - Vila Mariana - CEP 04035-000 - São Paulo, SP - Brasil - Fone: (11) 5575.6888

GN1 - Sistemas e Publicações