Sensibilização polínica associada à polinose no trópico brasileiro: um desafio atual para o diagnóstico clínico
Francisco M. Vieira
MD. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS E-mail: famvieira@hotmail.com
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.
Prezada Editora,
A maioria do território brasileiro está situada em área tropical, sofrendo enormes modificações atuais do meio ambiente, quer pelas novas fronteiras agropastoris, quer pelo aumento da população nas cidades, em suas periferias, entre outras.
As gramíneas, devido à sua distribuição mundial e à profusa produção de pólen, representam a principal fonte de aeroaérgenos provenientes do meio externo para pacientes atópicos1. No Sul do Brasil, temos uma estação polínica característica de polens de gramíneas durante o período da primavera, sendo o mês de novembro o de maior concentração2. Esse fato pode ser considerado raro ou mesmo desconhecido na região tropical de nosso país. Particularmente, existe uma divisão marcante de duas estações climáticas bem-definidas durante o ano: um verão úmido (dezembro a março) e um inverno seco. Diferentemente, na região Sul encontramos um inverno rigoroso de baixas temperaturas, seguido por uma primavera exuberante. Isso possibilita a dispersão polínica pelo ar, sensibilizando indivíduos atópicos e produzindo sintomas característicos de rinoconjuntivite, com elevada prevalência de polinose3. É comum, inclusive, pacientes chegarem ao médico com o diagnóstico correto, pela repetição, ano após ano, dos mesmos sintomas.
Polens de algumas espécies de gramíneas são considerados potentes produtores de IgE, mediando reações de hipersensibilidade do tipo I. É bem conhecido que Cynodon dactylon (grama bermuda) e Paspalum notatum (grama Bahia) possuem elevado potencial alergênico, e são adaptadas ao clima tropical, podendo ser usadas como pastagens, importante recurso forrageiro e com grande aceitação por pecuaristas.
Em particular, Cynodon dactylon é considerada uma gramínea ruderal, ou seja, acompanha o homem, podendo estar fixada na beira das estradas, em leitos de ferrovias, nas encostas de difícil acesso, em parques públicos, terrenos baldios, entre outros. Afora isso, pode comportar-se como uma invasora e é indesejável "como uma verdadeira praga" em lavouras permanentes4. Nessa dualidade devemos segui-la!
A revisão da literatura especializada propiciou que se encontrasse "Precipitação Polínica no Cerrado" (1965-66) nos meses de abril e maio e, especialmente neste último, um pico de pólen de gramíneas muito elevado (97% do espectro total mensal), no Município de Aparecida (GO), localizado próximo de Goiânia5. Embora a pesquisa tenha sido desenvolvida usando uma metodologia antiga (coleta por gravidade, "chuva polínica"), proporciona a nós, médicos, um marco e uma surpresa desconhecida.
Coincidentemente, um estudo realizado em Goiânia (GO) com 211 pacientes portadores de rinite, usando testes de puntura, revelou elevado percentual de sensibilização polínica, havendo cossensibilização de 50% para Cynodon dactylon + Paspalum notatum, 8% para Paspalum e 19% para Cynodon, associada ou não a polens de gramíneas mix (38,8% do total). Estavam todas vinculadas a sensibilização a um ou mais alérgenos perenes (Chavarria ML. Informação pessoal, dados não publicados, 2013).
Em Uberlândia (MG), uma pesquisa envolvendo 50 indivíduos com rinite alérgica usando prick test, encontrou a seguinte frequência de positividade: Dermatophagoides pteronyssinus (86%), D.farinae (74%), Blomia tropicalis (12%), Mistura de polens de gramíneas (12%), Lolium multiflorum (34%), C. dactylon (16%) e P. notatum (14%)6.
O fato de não se dispor de dados de aerobiologia, baseados em concentrações polínicas (polens m3/ar), em locais onde os antígenos perenes encontram-se associados aos polínicos, é uma situação peculiar e atual no trópico brasileiro. Portanto, supõe-se que deverão surgir dois questionamentos: existe doença polínica, ou somente sensibilização? Seria viável instituir imunoterapia específica?
Alguns critérios práticos poderiam ser adotados e, se somados, auxiliariam no diagnóstico clínico:
1- Qual é o local em que vive o paciente e sua idade? Reside no Interior, em área de agricultura, planalto ou em cidade à beira-mar? Nesse último caso, a probabilidade de polinose é menor pela natural diminuição da concentração polínica devido à brisa do mar; o inverso poderia acontecer no planalto em elevadas altitudes. Por outro lado, em nosso meio, a frequência de polinose como doença é menor em crianças.
2 - Há dados acerca de poluição ambiental na cidade? Existe um potencial risco de aumento de sensibilização e doença polínica naquelas cidades com poluição ambiental, ou mesmo em áreas restritas poluídas.
3 - A conjuntivite é uma característica particularmente muito importante na polinose. Pacientes que anteriormente realizaram imunoterapia específica exclusivamente com alérgenos perenes por dois ou mais anos consecutivos, mantêm quadro de conjuntivite exacerbada em algum mês do ano? Caso a resposta seja positiva, seria recomendado testar para alérgenos polínicos.
4 - Realizar testes de provocação nasal (TPN) controlados com placebo, usando extratos polínicos nas concentrações de 1/100 e 1/10 (0,05 a 0,1 mL), liberados através de spray, com o mesmo extrato usado para o teste de puntura. Selecionar, preferentemente, grupos que apresentem dosagem de IgE específica elevada, ou possuam diâmetros médios de pápulas > 5 mm, em relação ao controle negativo. Observar, afora a presença de sintomas nasais, outros sintomas como hiperemia conjuntival, prurido ocular e lacrimejamento, no lado homólogo usado no TPN.
5 - As maiores concentrações polínicas no ar ocorrem no período da manhã, diminuindo no decorrer do dia, e aumentando posteriormente no período vespertino. Existe ausência de sintomas nos dias de chuva.
6 - Os sintomas dos pacientes com sensibilização polínica associada a sensibilização a alérgenos perenes teriam um aumento da frequência de sintomas naso-oculares nos meses de abril e maio no trópico brasileiro? Especula-se, portanto sobre a referência "Precipitação polínica no Cerrado", pois demonstra um expressivo pico polínico de gramíneas no mês de maio5. Deveria atualmente ser confirmado por outros!
7 - Consultar botânicos, biólogos ou agrônomos, para inteirar-se acerca da fenologia local das gramíneas, se a sua floração coincide (ou não) com período imediato (primeiro mês) posterior às chuvas, quando se inicia período de insolação, calor, diminuição da umidade do ar, e regime dos ventos.
Existe um "buraco-negro" entre o conhecimento dos médicos e aqueles relacionados à aerobiologia no trópico do Brasil. Afora naturalmente os polens, haveria a oportunidade de avaliar os esporos de fungos, usando sistemas volumétricos (p. ex Rotorod-Sampler ou Burkard) que permitem a quantificação de diferentes espécies de polens e esporos de fungos por m3/ar.
Alergologistas ligados especialmente às universidades, a entidades associativas, ou mesmo membros de regionais da ASBAI poderiam tentar desatar esse "nó górdio" que nos separa das Ciências Ambientais. Se não conseguirmos, ao menos que tentemos seguir critérios práticos para um diagnóstico clínico mais preciso de polinose como doença, "evitando a sedução de vacinar os testes".
REFERÊNCIAS
1. Prescott RA, Potter PC. Immunochemical characterisation of grass pollen allergens in South Africa. Curr Allergy Clin Immunol. 2007;20:189-93.
2. Vergamini SM, Zoppas BCDA, Valencia-Barrera RM, Fernandéz González D. Dinâmica aeropalinológica de Gramineae na cidade de Caxias do Sul, RS. Rev bras alerg imunopatol. 2006;29:14-7.
3. Vieira FM, Braga GL, Oliveira Filho PF. Prevalência de polinose em soldados do Exército no Sul do Brasil. Rev bras Alergia Imunopatol. 2009;32:221-6.
4. Vieira FM. Gramineas tropicais alergênicas: Cynodon dactylon e Paspalum notatum - uma visão para o trópico brasileiro. Rev bras alergia imunopatol. 2012;35:40-1.
5. Laboriau MLS. Precipitação polínica no Cerrado. In: Laboriau MSL Contribuição à palinologia dos Cerrados. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências; 1971. p.209-55.
6. Sopelete MC, José Vaz LA, Taketomi EA. Sensitization to Cynodon dactylon and Paspalum notatum grass pollens in pollinosis patients in Uberlândia, Minas Gerais. Abstracts of WAO International Scientific Conference; 2014 December 6-9; Rio de Janeiro, Brazil.