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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Março-Abril 2014 - Volume 2  - Número 2


Editorial

Introdução precoce de alimentos na infância: qual a melhor recomendação?

Early introduction of foods in infancy: what is the best recommendation?

L. Karla Arruda


MD, PhD. Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto, Universidade de Sao Paulo (FMRP-USP), Ribeirao Preto, SP. Editora-Chefe do BJAI


Endereço para correspondência:

Luisa Karla Arruda
E-mail: karla@fmrp.usp.br




Alergia alimentar é uma condição comumente vista na prática clínica. Estudos epidemiológicos recentes revelam que 1 em cada 13 crianças nos Estados Unidos pode ter alergia alimentar, o que faz dessa doença importante alvo para diagnóstico apropriado, manejo correto e investigação de medidas de prevenção, tanto por médicos especialistas quanto não especialistas1.

A prevenção da alergia alimentar é assunto controverso. Considerando que dietas de eliminação cuidadosas falharam em prevenir o desenvolvimento de alergia alimentar em crianças, estudos estão focalizando agora na introdução precoce de alimentos potencialmente alergênicos na dieta de crianças pequenas para induzir tolerância oral e prevenir o desenvolvimento de alergia1.

Um número limitado de alimentos tem sido associados a reações imediatas, IgE mediadas, ou a exacerbações de sintomas crônicos, como por exemplo na dermatite atópica, incluindo de forma geral ovo, leite de vaca, amendoim, nozes, trigo, soja, peixe, frutos do mar e gergelim. A alergia a amendoim desenvolve-se cedo na vida e raramente desaparece, tendo prevalência elevada em países do mundo Ocidental. Nos Estados Unidos, a prevalência de alergia a amendoim quadruplicou nos últimos 13 anos, passando de 0,4% em 1997 para 1,4% em 2008, e para mais de 2% em 20102. A alergia a amendoim tornou-se a principal causa de anafilaxia e de morte associada a alergia alimentar nos Estados Unidos1,2.

Em 2000, considerando resultados de vários estudos realizados na Europa e nos Estados Unidos, a Academia Americana de Pediatria (AAP) recomendou que pais eliminassem o amendoim da dieta de bebês de risco para o desenvolvimento de doença alérgica até os 3 anos de idade. No entanto, o número de casos de alergia ao amendoim continuou a aumentar, e muitos pesquisadores e clínicos começaram a questionar esta recomendação. Em 2008, após a revisão da literatura publicada, a AAP retirou sua recomendação, afirmando que não havia evidência suficiente do benefício de evitar a introdução precoce de alimentos para crianças de alto risco para alergia3.

Em 2008, Du Toit e colaboradores fizeram uma importante observação: de que a prevalência de alergia ao amendoim entre crianças judias em Londres foi 10 vezes maior do que entre crianças judias em Israel, de ancestralidade semelhante4. Essa observação teve correlação com diferenças marcantes na época de introdução de amendoim na dieta nestes países: no Reino Unido, crianças tipicamente não recebem amendoim antes do primeiro ano de vida, enquanto que em Israel alimentos à base de amendoim são introduzidos quando as crianças têm aproximadamente 7 meses de idade, com consumo mensal médio de proteína de amendoim de 7,1 g.

Entretanto, faziam-se necessários estudos clínicos controlados para fornecer orientação clínica precisa em relação ao melhor tempo para a introdução de alimentos alergênicos, incluindo leite, ovo, amendoim e nozes, para lactentes de alto risco de desenvolver alergia, pertencentes a famílias atópicas.

Recentemente, Du Toit e colaboradores relataram no New England Journal of Medicine os resultados do Learning Early about Peanut Allergy ou estudo LEAP, (em português, estudo "Aprendendo Precocemente sobre Alergia a Amendoim"), considerado um estudo marco na área de prevenção de alergia alimentar5. De acordo com hipótese prévia dos autores, de que exposição precoce a amendoim através da pele levaria à sensibilização, e exposição oral precoce levaria à tolerância, no estudo LEAP os investigadores tiveram por objetivo determinar se a introdução precoce de produtos à base de amendoim, entre 4 a 11 meses de idade, levaria à prevenção primária e secundária de alergia a amendoim em crianças de alto risco.

Mais de 500 lactentes com alto risco de alergia foram aleatoriamente designados para receberem amendoim e produtos à base de amendoim (grupo consumo) ou para evitar amendoim e alimentos à base de amendoim (grupo evitar). As crianças apresentavam idade entre 4 e 11 meses, e tinham dermatite atópica grave e/ou alergia a ovo como critérios de inclusão no estudo. No início do estudo, todas as crianças foram avaliadas para sensibilização a amendoim por teste cutâneo de hipersensibilidade imediata. Aproximadamente 10% das crianças inicialmente recrutadas foram excluídas do estudo por apresentarem pápula com mais de 4 mm de diâmetro no teste cutâneo com amendoim, pela preocupação de poderem desenvolver reações graves. Dois grupos foram então estudados: um grupo com testes cutâneos completamente negativos para amendoim (542 crianças), e um grupo de crianças com testes cutâneo positivo fraco, com pápula entre 1 mm a 4 mm de diâmetro (98 crianças). Cada um dos grupos foi randomizado para evitar ou consumir amendoim. Crianças do grupo consumo realizaram testes de provocação oral aberto com 2 g a 3,9 g dose cumulativa de amendoim antes do início do estudo. Aos 5 anos de idade, todas as crianças receberam teste de provocação oral com amendoim, para determinar a prevalência alergia a amendoim, havendo uma taxa de permanência no estudo de 98,4%5.

Os resultados do estudo LEAP foram surpreendentes: a prevalência de alergia ao amendoim no grupo que evitou o alimento foi de 17,2%, em comparação com 3,2% no grupo que consumiu o alimento. Os resultados foram igualmente surpreendentes nos dois grupos: entre as crianças inicialmente com teste cutâneo negativo para amendoim, a prevalência de alergia a amendoim foi de 13,7% no grupo que evitou, e 1,9% no grupo que consumiu o alimento; entre aquelas que tiveram leve sensibilização, a prevalência foi de 35,3% no grupo que evitou versus 10,6% no grupo que consumiu amendoim3,5.

Assim, o consumo precoce, na forma de ingestão de um produto à base de manteiga de amendoim ("Bamba"), na dose de aproximadamente 2 g de amendoim (equivalente a 8 amendoins) 3 vezes por semana, regularmente por 5 anos, foi eficaz não só em crianças de alto risco que não mostravam evidência de sensibilização a amendoim no início do estudo (prevenção primária), mas também em crianças que tinham leve sensibilização a amendoim (prevenção secundária)5.

Tendo em vista os resultados deste estudo prospectivo, randomizado, que mostrou claramente que a introdução de amendoim diminuiu drasticamente o risco de desenvolvimento de alergia a amendoim (em aproximadamente 70 a 80%), quais seriam as recomendações atuais? Recomendar a introdução de amendoim para todas as crianças antes que elas atinjam 11 meses de idade? Certamente esta seria uma estratégia a ser considerada em crianças de alto risco, após a criança realizar teste cutâneo com amendoim, e apresentar teste negativo, ou teste fracamente positivo com teste de provocação oral negativo para este alimento3,5.

Neste número do BJAI, Rafael, Esteves e Yonamine discutem de forma detalhada o papel da alimentação no primeiro ano de vida sobre a prevenção de doenças alérgicas, através de extensa revisão bibliográfica6. Os resultados desta revisão revelaram que a recomendação de manter o aleitamento materno exclusivo por período de 4 a 6 meses é mantida, devido aos vários benefícios associados a esta prática. Além disso, há dados suficientes para a indicação da utilização de fórmulas parcialmente ou extensamente hidrolisadas, com alergenicidade reduzida comprovada, para aqueles com alto risco de desenvolvimento de alergia, quando a amamentação exclusiva não for possível. O início da alimentação complementar é recomendado após 4-6 meses, com atenção à variedade dos alimentos. A conclusão é que a alimentação no primeiro ano de vida parece ser importante para a modulação do desenvolvimento do sistema imunológico e prevenção de alergias.

Quais seriam as implicações do estudo LEAP em nosso meio, em que a prevalência de alergia a amendoim não é tão elevada quando comparada à de outros países como Estados Unidos e Inglaterra, e quando comparada à prevalência de alergia a outros alimentos como leite de vaca e ovo? Certamente estudos com outros alimentos serão necessários, que possam estabelecer a eficácia da estratégia utilizada no estudo LEAP para outros alimentos, bem como a dose necessária, o tempo de consumo regular e a duração do efeito após interrupção do consumo regular desses alimentos, mas o estudo LEAP deixa a perspectiva de que se pode fazer alguma coisa para prevenir o desenvolvimento de alergia alimentar.

 

REFERÊNCIAS

1. Bird JA, Lack G, Perry TT. Clinical management of food allergy. J Allergy Clin Immunol Pract. 2015;3:1-11.

2. Sicherer SH, Muñoz-Furlong A, Godbold JH, Sampson HA. US prevalence of self- reported peanut, tree nut, and sesame allergy:11-year follow-up. J Allergy Clin Immunol. 2010;125:1322-6.

3. Gruchalla RS, Sampson HA. Preventing peanut allergy through early consumption-ready for prime time? N Engl J Med. 2015;372:875-7 [Editorial].

4. Du Toit G, Katz Y, Sasieni P, Mesher D, Maleki SJ, Fisher HR, et al. Early consumption of peanuts in infancy is associated with a low prevalence of peanut allergy. J Allergy Clin Immunol. 2008;122:984-91.

5. Du Toit G, Roberts G, Sayre PH, Bahnson HT, Radulovic S, Santos AF, et al. Randomized trial of peanut consumption in infants at risk for peanut allergy. N Engl J Med. 2015;372:803-13.

6. Rafael MN, Esteves HC, Yonamine GH. Alimentação no primeiro ano de vida e prevenção de doenças alérgicas: evidências atuais. Braz J Allergy Immunol. 2014;2(2):50-5.

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