Imunoterapia com alérgenos fúngicos. Podemos considerá-la como medicina de precisão?
Immunotherapy with fungal allergens. Can we consider it precision medicine?
Maurício Domingues Ferreira1; Paulo Eduardo Silva Belluco2
1. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP, Ambulatório das Manifestações Dermatológicas das Imunodeficiências Primárias do Departamento de Dermatologia - São Paulo, SP, Brasil
2. Escola Superior de Ciências da Saúde - ESCS - Brasília, DF, Brasil
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.
Prezado Editor,
Atualmente, as ciências da saúde buscam o caminho da medicina de precisão, que se caracteriza por individualizar o tratamento para cada paciente, respeitando suas peculiaridades genotípicas, fisiopatológicas e ambientais. A imunoterapia com alérgenos é uma das terapias atuais onde a efetivação da medicina de precisão se torna mais exequível.
Com a melhoria dos extratos alergênicos, conseguimos hoje realizar o diagnóstico e a imunoterapia com maior efetividade. Sabemos que a imunoterapia com alérgenos depende de um diagnóstico preciso da hipersensibilidade mediada por IgE para assegurar a especificidade do tratamento, assim como de um extrato que contenha precisamente os alérgenos aos quais o paciente é sensível.
Portanto, depende da relevância do alérgeno utilizado na imunoterapia. Por exemplo, de que adianta realizarmos um diagnóstico preciso da hipersensibilidade a antígenos de pelos de cão e iniciarmos uma imunoterapia com extrato contendo alérgenos precisos e específicos, se o paciente não tem exposição a esses animais? A relevância é um fator fundamental para a boa prática da imunoterapia.
Assim sendo, indagamos: será que podemos falar em medicina de precisão quando indicamos imunoterapia com alérgenos de fungos?
Desta forma, discorramos sobre o extrato, a hipersensibilidade e a relevância desta terapêutica. Quando trabalhamos com culturas para o crescimento de fungos, sabemos que o tipo de proteína expressa pelo fungo está diretamente relacionado ao meio de cultura utilizado para o crescimento e ao tempo de extração do fungo1. Por exemplo, um mesmo Aspergillus spp. cultivado em meio de Fava-Neto e extraído após 30 dias de cultivo expressará proteínas diferentes das expressas pelo mesmo fungo cultivado em outro meio de cultura e extraído após 40 dias de cultivo. Como os alérgenos do fungo são de constituição proteica ou peptídica, o meio de cultura e o período de cultivo influenciarão diretamente no tipo de alérgenos presentes no extrato1. Isso se torna significativo quando utilizamos extratos não tão precisos, como extratos do gênero do fungo, por exemplo, Aspergillus spp., em vez de seus alérgenos isolados e purificados. Além disso, não apenas os esporos podem ser alergênicos, mas também fragmentos de hifas que expõem diferentes proteínas. Assim sendo, se utilizarmos extratos fúngicos para o diagnóstico, produzidos em meios de cultura ou tempos de cultivo diferentes daqueles utilizados na imunoterapia, poderemos ter uma discordância entre a hipersensibilidade diagnosticada e o extrato utilizado na imunoterapia.
Outro problema relacionado aos extratos fúngicos é a concentração endógena de enzimas proteolíticas, que diminuem a vida útil dos alérgenos. Devido a isso, os extratos fúngicos têm uma meia-vida significativamente menor do que outros extratos, como os de pólen e ácaros.
O número de diferentes espécies de fungos no planeta é estimado entre 1 e 1,5 milhões, e apenas aproximadamente 80.000 foram descritas. O número de fungos que são considerados fontes de alérgenos é de 112 espécies. Aproximadamente 80 espécies de fungos foram relacionadas à alergia respiratória. Considera-se que os gêneros Alternaria, Cladosporium, Penicillium e Aspergillus sejam os fungos hipersensibilizantes mais prevalentes2. Até 2017, o subcomitê da International Union of Immunological Societies (IUIS), que relaciona os alérgenos internacionalmente a um banco de dados, catalogou um total de 28 gêneros de fungos como fonte para 107 alérgenos2.
A padronização de extratos fúngicos é fundamental para a efetividade e eficiência da imunoterapia e do diagnóstico em alergia. A padronização de extratos para fungos é um fator limitante; o único extrato padronizado disponível é o de Alternaria alternata. Seu uso na imunoterapia com alérgenos para pacientes asmáticos ou com rinite hipersensível a esse fungo é o que tem mais estudos publicados, confirmando sua eficácia e segurança. Outros extratos de fungos, como Aspergillus fumigatus, Cladosporium herbarum e Penicillium notatum, não têm as mesmas evidências devido à baixa padronização e à escassez de estudos3.
A imunoterapia com extratos fúngicos não é recomendada para crianças pela Academia Europeia de Alergologia e Imunologia Clínica (EAACI) devido à falta de evidências sobre sua eficácia e segurança4. Por outro lado, a Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia (AAAAI) sugere que a imunoterapia com extratos fúngicos pode ser eficaz. Consensos internacionais sobre imunoterapia consideram a possibilidade de realizar imunoterapia para fungos, mas apenas com extratos padronizados5.
Sabemos que os fungos e suas micotoxinas podem estimular a formação de imunocomplexos (como em casos de pneumonites) e não podemos descartar a possibilidade de que a imunoterapia com extratos fúngicos possa desencadeá-los6.
Quando falamos de relevância, o risco de indicar uma imunoterapia que não aborde adequadamente o problema do paciente torna-se considerável. Mesmo que o diagnóstico de hipersensibilidade do tipo I seja preciso e o extrato padronizado, se a exposição ao fungo for irrelevante, a imunoterapia não deve ser indicada. Isso é muito provável de ocorrer, pois, se não tivermos certeza de qual fungo o paciente está exposto de forma relevante, a imunoterapia com extratos fúngicos torna-se imprecisa e inapropriada. O paciente pode ser exposto a diferentes fungos em ambientes externos e internos, além daqueles eventualmente positivados no teste de puntura. Dependendo da região, podemos ter exposição a fungos de gêneros e espécies diferentes daqueles utilizados nos testes de puntura, levando a uma dissociação entre o diagnóstico de hipersensibilidade e a relevância da exposição.
A imunoterapia com alérgenos fúngicos apresenta muitas variáveis significativas, relacionadas ao tipo de alérgeno expresso no extrato, que impactam tanto no diagnóstico quanto na terapêutica; à relevância da real exposição do paciente em seu ambiente; e, principalmente, à sua segurança. Acreditamos que ainda exista muita imprecisão quando se trata de imunoterapia com alérgenos fúngicos.
Referências
1. Qin Wang, Chao Zhong, Han Xiao. Genetic Engineering of Filamentous Fungi for Efficient Protein Expression and Secretion. Front Bioeng Biotechnol. 2020;8:8:293.
2. Pineda F. The future of immunotherapy with individual allergens: Immunotherapy with fungi. Allergol Immunopathol. 2017;45(Suppl 1):36-8.
3. Nelson HS. Allergy immunotherapy for allergic fungal respiratory diseases. Review Allergy Asthma Proc. 2023 Nov 1;44(6):395-401.
4. Jutel M, Agache I, Bonini S, Burks AW, Calderon M, Canonica W, et al. International consensus on allergy immunotherapy. J Allergy Clin Immunol. 2015 Sep;136(3):556-68.
5. Calderon MA, Demoly P, Casale T, Akdis CA, Bachert C, Bewick M, et al. Allergy immunotherapy across the life cycle to promote active and healthy ageing: from research to policies: An AIRWAYS Integrated Care Pathways (ICPs) programme item (Action Plan B3 of the European Innovation Partnership on active and healthy ageing) and the Global Alliance against Chronic Respiratory Diseases (GARD), a World Health Organization GARD research demonstration project. Clin Transl Allergy. 2016;6:41.
6. Greenhaw B, deShazo RD, Arnold J, Wright L. Fungal immunotherapy in patients with allergic fungal sinusitis. Ann Allergy Asthma Immunol. 2011 Nov;107(5):432-6.