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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Outubro-Dezembro 2024 - Volume 8  - Número 3


Comunicação Clínica e Experimental

Prurigo nodular: o que o paciente e a sua pele têm a nos dizer?

Prurigo nodularis: what do patients and their skin have to tell us?

Bruno Emanuel Carvalho Oliveira


Instituto de Alergia de Natal, Alergia e Imunologia Clínica - Natal, RN, Brasil


Endereço para correspondência:

Bruno Emanuel Carvalho Oliveira
E-mail: dr.brunoimuno@yahoo.com.br


Submetido em: 10/07/2024
Aceito em: 05/08/2024.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

O Prurigo Nodular (PN) é uma doença crônica da pele caracterizada por lesões pruriginosas que afetam gravemente a qualidade de vida, com impacto em atividades diárias, sono, saúde mental e relações sociais. Sua patogênese envolve um ciclo neuroimune complexo. O caso de uma jovem paciente ilustra o sofrimento causado pelo PN, que levou ao abandono escolar, isolamento social e sintomas depressivos. Após falhas terapêuticas com corticoides e metotrexato, iniciou tratamento com dupilumabe e suporte psicológico e psiquiátrico. O manejo do PN exige cuidado humanizado e estratégias personalizadas para minimizar o impacto da doença e melhorar a qualidade de vida.

Descritores: Prurigo, qualidade de vida, doença crônica.




Introdução

O termo prurigo tem origem no latim pruire, que significa coceira, e foi nomeado por Ferdinand von Hebra ao descrever pápulas e nódulos com prurido intenso em Viena, em 1850. No entanto, outros autores atribuem a Robert Willan, há mais de 200 anos, a primeira descrição de pápulas pruriginosas sob o termo prurigo.

O prurigo é uma condição cutânea hiperplásica reativa caracterizada por pápulas, placas e/ou nódulos, isolados ou múltiplos, com prurido intenso. Alguns autores classificam o prurigo de acordo com o tipo (agudo, subagudo ou crônico), forma clínica ou agente causador/doença associada1.

Todas essas informações e conceitos estão disponíveis nos principais estudos e revisões literárias sobre prurigo. No entanto, é crucial focarmos nas particularidades de cada paciente diagnosticado com prurigo e no profundo impacto que a doença tem em suas vidas. Por isso, optamos por não apresentar um relato clínico na perspectiva do médico, mas sim na da própria paciente. Um caso repleto de singularidades, sofrimento, sentimentos e dor, que pode surgir a qualquer momento em nossa prática diária como alergistas e imunologistas. Nosso objetivo é promover uma reflexão profunda e abrangente, incentivando a busca por todas as ferramentas necessárias para auxiliar efetivamente nossos pacientes.

 

Relato do caso sob a perspectiva do paciente

"Doutor, tenho hoje 17 anos e, desde criança sofro com feridas recorrentes no meu corpo. Tratava-me com pomadas dermatológicas, mas as feridas sempre voltavam. Passei minha infância entre idas e vindas dessas feridas, embora não me prejudicassem gravemente. Em 2021, as feridas começaram a aparecer com mais frequência. Apesar do uso contínuo de pomadas, a condição piorava. Em 2023, surgiram furúnculos na minha perna e as lesões se tornaram tão graves que eu não conseguia usar sutiã devido a uma lesão nas costas. Fui a um dermatologista e recebi o diagnóstico de dermatite atópica. Iniciei o tratamento prescrito, mas, com o tempo, ele deixou de ser eficaz. As lesões começaram a afetar minha vida pessoal e social, a ponto de eu não conseguir me vestir para ir à escola. Faltava frequentemente e sofria bullying por causa das minhas lesões, sendo chamada de "sarnenta" e "perebenta". A vergonha do meu corpo fez com que eu desistisse de estudar, algo que sempre amei. Houve dias em que não conseguia lavar meu cabelo devido às feridas dolorosas no braço. Precisava da ajuda da minha tia para tarefas simples do dia a dia. Tomar banho era um sofrimento, pois meu corpo doía com a água e os sabonetes prescritos. Visitei vários médicos e usei diversos medicamentos, sem sucesso. A doença me impede de fazer coisas que gosto, pois tenho vergonha do meu corpo e medo do que as pessoas possam pensar. Não consigo usar roupas normais, então me escondo em casa. Quando saio, visto mangas compridas e calças para esconder as lesões. Gostaria de voltar a jogar vôlei e frequentar a escola normalmente. A doença também afeta meus relacionamentos amorosos. Namorei virtualmente no ano passado e adiei encontros por medo de ser julgada pela minha pele. Acabamos terminando, e acredito que minha condição contribuiu para isso. Recentemente, a doença piorou, com nódulos e lesões no rosto e couro cabeludo descamando. Estou extremamente triste com essa situação. No início do ano, pedi ajuda a um familiar e minha mãe começou a pagar por acompanhamento psicológico, no qual permaneço até hoje. Sinto que perdi metade da minha adolescência, vivendo com dor e sem ânimo. Gostaria de fazer as coisas que fazia antes, mas a doença me impede devido às dores e às dezenas de lesões. Preciso muito da sua ajuda."

O Prurigo nodular (PN) é uma doença crônica da pele presente por mais de 6 semanas, caracterizada por história e/ou sinais de prurido repetidos e presença de múltiplas lesões pruriginosas localizadas ou generalizadas do tipo nodular (vide critérios diagnósticos na Tabela 1). Um consenso japonês, de Satoh T. e cols.2, classificou os tipos de prurigo de acordo com sua causa relacionada, conforme demonstrado na Tabela 2.

 

 

 

 

 

 

O prurido, em geral, e o PN, em particular, podem ser muito debilitantes para os pacientes. Na verdade, o prurido constitui um grande fardo para a saúde pública, sendo responsável por um elevado número de anos vividos com incapacidade e é uma maior fonte de morbilidade em todo o mundo, quando comparado, até mesmo, com muitas outras doenças crônicas como transtornos de ansiedade e diabetes mellitus. O PN tem um grande impacto na saúde do indivíduo em termos de perda de sono, absenteísmo escolar e/ou laboral, saúde mental, qualidade de vida e necessidade de cuidados. Impactos substanciais na qualidade de vida já foram demonstrados em outras doenças pruriginosas da pele, como a dermatite atópica e a urticária crônica3. Contudo, existem dados conflitantes sobre o impacto do PN na qualidade de vida. Em revisão sistemática e metanálise da literatura para avaliar a carga de sintomas e qualidade de vida dos pacientes portadores de PN, Janmohamed e cols. avaliaram 13 estudos e concluíram que a qualidade de vida é impactada negativamente4. Eles recomendam que os médicos estejam cientes da carga da doença sobre seus pacientes, monitorem a qualidade de vida deles e incorporem essas informações na tomada de decisões terapêuticas5.

A patogênese do PN está associada a um círculo vicioso autossustentado de "coçar e coçar". Investigações recentes revelaram parcialmente as intrincadas interações dentro da rede neuroimune cutânea, entretanto, o mecanismo subjacente permanece indeterminado. Os mediadores da coceira, incluindo uma série de pruritogênios e receptores envolvidos na mediação do prurido, como citocinas (IL4 e IL13, IL31, oncostatina M, IL17, IL22 e TSLP), neuropeptídeos (substância P, peptídeo relacionado ao gene da calcitonina [CGRP], cortistatina), neutrofinas (fator de crescimento do nervo [NGF]), proteínas da matriz extracelular (periostina), substâncias vasculogênicas (fator de crescimento do endotélio vascular [VEFG], endotelina-1 [ET-1]), canais iônicos e vias de sinalização intracelular (membros da família Janus quinase [JAK]: JAK1, JAK2, JAK3 e TYK2), desempenham um papel fundamental na amplificação do prurido no PN. Compreender o mecanismo de ação desses mediadores certamente levará ao desenvolvimento de novos agentes antipruriginosos direcionados.

Aproximadamente metade dos pacientes com PN apresentam dermatite atópica (DA) coexistente ou possuem uma predisposição atópica. Este achado sugere uma possível sobreposição na patogênese das duas doenças. No entanto, embora ambas sejam doenças inflamatórias do tipo 2, estudos transcriptômicos recentes demonstraram claramente que o PN é distinto da DA. O PN não abriga o forte padrão de resposta tipo 2 que é tipicamente encontrado na DA, mas é caracterizado por remodelação estromal e desregulação neurovascular5,6.

 

 

A abordagem terapêutica para o PN é baseada em casuística e experiência clínica. O tratamento pode ser desafiador pela história recorrente das lesões, em virtude de doenças subjacentes ou por limitação do uso de medicamentos sistêmicos em pacientes suscetíveis a efeitos adversos. A Tabela 3 lista uma série de abordagens, farmacológicas ou não, referidas na literatura para o tratamento; no entanto, somente a correta classificação diagnóstica e identificação de condições subjacentes podem levar ao maior sucesso terapêutico7.

 

 

Como podemos observar, após ler o relato da paciente, é enorme a carga da sua doença em amplo aspecto de sua vida (atividades de vida diária, âmbito escolar, relacionamentos interpessoais, sociabilidade e lazer) e o número de anos vividos com incapacidade. Foi realizado o Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQI) e o valor foi de 30, ou seja, efeito extremo sobre sua qualidade de vida. Além do diagnóstico de PN a paciente tem diagnóstico de dermatite atópica, rinite alérgica e asma, três outras doenças que também impactam de forma negativa em sua qualidade de vida. A paciente já havia feito muitos ciclos de corticoides orais o que repercutiu de forma negativa em sua saúde e metotrexato por 3 meses, porém foi suspenso devido a efeitos adversos no trato gastrointestinal. Há um mês foi optado por início do imunobiológico dupilumabe, encaminhamento para psiquiatria devido a muitos sintomas depressivos e orientada a manter o tratamento psicológico. Foi sugerido acompanhamento mensal para verificarmos e acompanharmos os efeitos das terapias propostas.

Em conclusão, o PN repercute de forma negativa na vida pessoal, profissional e social de seus portadores. Dar voz e vez para que esses pacientes possam dizer o que sentem em relação à sua doença é a primeira etapa do processo terapêutico. Em vista disso, faz-se necessária a valorização desse tema visando à avaliação global desses indivíduos para o estabelecimento de uma terapêutica mais completa, efetiva e personalizada. Como disse o médico, professor, pesquisador e escritor mineiro Celmo Celeno Porto: "Devemos ter compaixão pelos nossos pacientes. A compaixão é compreender o sofrimento do paciente seja ele qual for, não somente a dor, e fazer tudo o que estiver ao seu alcance para eliminá-lo ou diminuí-lo".

 

Referências

1. Criado PR, Ianhez M, Criado RFJ, Nakano J, Lorenzini D, Miot HA. Prurigo: review of its pathogenesis, diagnosis, and treatment. An Bras Dermatol. 2024;99. https://doi.org/10.1016/j.abd.2023.11.003.

2. Satoh T, Yokozeki H, Murota H, Tokura Y, Kabashima K, Takamori K, et al. 2020 guidelines for the diagnosis and treatment of prurigo. The Journal of Dermatology. 2021 Jul 27;48(9).

3. Taborda ML, Weber MB, Teixeira KAM, Lisboa AP, Welter EQ. Avaliação da qualidade de vida e do sofrimento psíquico de pacientes com diferentes dermatoses em um centro de referência em dermatologia no sul do país. An Bras Dermatol. 2010;85(1):52-6.

4. Janmohamed SR, Gwillim EC, Yousaf M, Patel KR, Silverberg JI. The Impact of Prurigo Nodularis on Quality of Life: A Systematic Review and Meta-Analysis. Arch Dermatol Res. 2021;313:669-77.

5. Shao Y, Wang D, Zhu Y, Xiao Z, Jin T, Peng L, et al. Molecular mechanisms of pruritus in prurigo nodularis. Frontiers in immunology. 2023 Nov 23;14.

6. Yook HJ, Lee JH. Prurigo Nodularis: Pathogenesis and the Horizon of Potential Therapeutics. Int J Mol Sci. 2024;25:5164. https://doi.org/10.3390/ijms25105164.

7. Wong LS, Yen YT. Chronic Nodular Prurigo: An Update on the Pathogenesis and Treatment. 2022 Oct 16;23(20):12390-0.

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