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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2024 - Volume 8  - Número 2


CARTA AO EDITOR

Atualização para o tratamento do angioedema hereditário no Brasil

An update on the treatment of hereditary angioedema in Brazil

Eli Mansour1; Fernanda Marcelino2; Luisa Karla Arruda3; Régis de Albuquerque Campos4; Herberto Jose Chong-Neto5; Pedro Giavina-Bianchi6; Anete Sevciovic Grumach7; Faradiba Sarquis8; Jane da Silva9; Eliana Toledo10; Solange Oliveira Rodrigues Valle11; Fernanda Gontijo Minafra12


1. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia. Departamento de Clínica Médica - Ribeirão Preto, SP, Brasil
2. Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), Serviço de Alergia e Imunologia - Brasília, DF, Brasil
3. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Alergia e Imunologia, Departamento de Clínica Médica - Campinas, SP, Brasil
4. Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Departamento de Medicina Interna e Apoio Diagnóstico, Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde - Salvador, BA, Brasil
5. Universidade Federal do Paraná, Serviço de Alergia e Imunologia, Departamento de Pediatria - Curitiba, PR, Brasil
6. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia - São Paulo, SP, Brasil
7. Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC, Disciplina de Imunologia Clínica - Santo André, SP, Brasil
8. Serpa Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Serviço de Referência em Asma, Alergia e Imunologia - Vitória, ES, Brasil
9. Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago, Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Clinica Médica - Florianópolis, SC, Brasil
10. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Disciplina de Alergia e Imunologia Clínica do Departamento de Pediatria e Cirurgia Pediátrica - São José do Rio Preto, SP, Brasil
11. Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Serviço de Imunologia - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
12 Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Pediatria - Belo Horizonte, MG, Brasil


Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.




Prezado editor,

Diante das recentes mudanças no cenário dos tratamentos para o angioedema hereditário (AEH) no Brasil, entendemos que é de extrema importância atualizar as informações da última Diretriz Brasileira de Angioedema Hereditário publicada em 20221.

O AEH é caracterizado por edema recorrente do subcutâneo e submucosa que afeta a face, extremidades, genitais e os tratos gastrointestinal e respiratório, inclusive podendo levar ao óbito ao acometer as vias aéreas superiores2. O angioedema decorre de uma liberação descontrolada de bradicinina, que se liga ao seu receptor (BKR2) no endotélio vascular, resultando no extravasamento de plasma. O crescente conhecimento acerca dos mecanismos envolvidos na patogênese do AEH vem possibilitando o desenvolvimento de novas terapias3.

O manejo medicamentoso do AEH é dividido em tratamento das crises, profilaxias de curto prazo (PCP) e de longo prazo (PLP). A PLP deve ter como objetivo o controle completo da doença e a normalização da qualidade de vida do paciente. Atualmente, vários medicamentos estão aprovados para PLP do AEH e as diretrizes nacional e internacional os classificam como terapias de primeira ou de segunda linha, de acordo com as evidências de eficácia e perfil de segurança. A diretriz brasileira e a internacional (WAO/EAACI), ambas atualizadas e publicadas em 2022, colocam o inibidor de C1 derivado de plasma (C1INHdp), tanto endovenoso quanto subcutâneo e o lanadelumabe como terapias de primeira linha para PLP. Além dessas opções, a diretriz internacional também inclui o berotralstate como uma das principais terapias para PLP, o que não ocorreu na diretriz brasileira, pois, na época de sua publicação este medicamento não havia sido aprovado pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)1,3.

O berotralstate é uma pequena molécula sintética que inibe de forma altamente específica a calicreína plasmática, com perfil farmacocinético que permite seu uso em uma dose única diária, por via oral4. Foi licenciado em dezembro de 2020 pela FDA (U.S Food and Drug Administration), em abril de 2021 pela EMA (European Medicines Agency), e em abril de 2024 foi aprovado no Brasil. É indicado seu uso na dose de 150 mg ao dia, em pacientes com AEH com deficiência do C1INH (AEH-C1INH), a partir dos 12 anos. O berotralstate demonstrou ação já no primeiro mês de tratamento; houve redução significativa na frequência mensal dos ataques de AEH quando comparado ao placebo, após um período de 6 meses (1,31 versus 2,65; p < 0.001). Os escores de qualidade de vida (AE-QoL) apesar de mostrarem melhora, não tiveram diferença estatística em relação ao placebo. No estudo de fase 3 do berotralstate os eventos gastrointestinais, incluindo dor abdominal, vômitos e diarreia, estiveram entre os efeitos adversos mais frequentemente notificados, no entanto, na sua maioria, os sintomas foram leves e transitórios. Durante a gestação e a amamentação o medicamento não é recomendado5.

Diferente das demais opções de tratamento disponíveis até o momento, o berotralstate é para uso oral, o que pode contribuir para superar os desafios relacionados aos medicamentos parenterais e melhorar a qualidade de vida dos pacientes com AEH. Um fato relevante da PLP com o berotralstate é que existem relatos de eficiência na prevenção de crises para paciente com AEH e C1INH normal (AEH-nC1INH), como no caso do AEH por variantes no F12 (AEH-FXII)4.

Apesar de disponíveis, o acesso aos medicamentos de primeira linha para a PLP no Brasil continua sendo um enorme desafio. A maioria dos pacientes com AEH são atendidos nos centros de referência ligados ao SUS e menos de 25% dos brasileiros têm acesso à saúde suplementar, tornando este cenário ainda mais desafiador. Todos os medicamentos de primeira linha para PLP do AEH são de altíssimo custo e no Sistema Único de Saúde (SUS) nenhuma destas opções está incorporada, restando apenas as terapias de segunda linha e com poucas expectativas de mudança em curto prazo. Recentemente, os pacientes com acesso à saúde suplementar obtiveram uma vitória com a incorporação do lanadelumabe ao rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sendo sua cobertura obrigatória para pacientes com AEH-C1INH adultos e adolescentes (+12 anos), e a possibilidade da cobertura do C1INHdp, como um produto hemoderivado.

Em relação ao acesso ao tratamento das crises, dois grandes avanços ocorreram: a recomendação da CONITEC para incorporação do icatibanto e do C1INHdp endovenoso. Essa recomendação é reservada para o tratamento de crises de AEH-C1INH tipos I e II, conforme protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde (ainda não publicado).

Apesar das recentes melhorias, ainda há grupos de pacientes carentes de opções de tratamento para AEH. Na PLP, mulheres gestantes e lactantes têm somente a opção de C1INHdp (classificado como categoria C pela FDA). Este pode ser também utilizado para PCP e tratamento de crises nessa população. O icatibanto não está aprovado para o tratamento de crises em gestantes e lactantes, apesar de ter mostrado um bom perfil de segurança6. Crianças menores de 12 anos de idade têm apenas o C1INHdp EV para PLP como terapia específica do AEH, exceto pelo C1INHdp SC que pode ser usado a partir dos 8 anos de idade. Para crises nessa faixa etária, pode-se utilizar o C1INHdp EV e o icatibanto. Gestantes, lactantes e crianças podem fazer uso de ácido tranexâmico, mas observa-se menor eficiência na profilaxia das crises e o potencial risco de trombose principalmente em gestantes. Ainda não há terapia aprovada para o manejo do AEH-nC1INH1.

Conforme colocado na última Diretriz Brasileira de Angioedema Hereditário, diversos medicamentos foram desenvolvidos nas últimas décadas, e vários outros encontram-se em desenvolvimento e em testes clínicos1. Os autores esperam que, com aumento das possibilidades de tratamento, haja também uma melhoria no acesso a esses recursos pelos pacientes.

 

Referências

1. Campos RA, Serpa FS, Mansour E, Alonso MLO, Arruda LK, Aun MV, et al. Diretrizes brasileiras de angioedema hereditário 2022 - Parte 2: terapêutica. Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia. 2022;6(2):170-96.

2. Minafra FG, Cunha LAO, Mariano RG de S, Goebel GA, de Lima LS, Pinto JA. Investigation of Mortality of Hereditary Angioedema in a Reference Center in Brazil. J Allergy Clin Immunol Pract. 2022;10:1805-12.

3. Maurer M, Magerl M, Betschel S, Aberer W, Ansotegui IJ, Aygören-Pürsün E, et al. The international WAO/EAACI guideline for the management of hereditary angioedema-The 2021 revision and update. Allergy. 2022;77:1961-90.

4. Johnson F, Stenzl A, Hofauer B, Heppt H, Ebert E-V, Wollenberg B, et al. A Retrospective Analysis of Long-Term Prophylaxis with Berotralstat in Patients with Hereditary Angioedema and Acquired C1-Inhibitor Deficiency-Real-World Data. Clin Rev Allergy Immunol. 2023;65:354-64.

5. Zuraw B, Lumry WR, Johnston DT, Aygören-Pürsün E, Banerji A, Bernstein JA, et al. Oral once-daily berotralstat for the prevention of hereditary angioedema attacks: A randomized, double-blind, placebo-controlled phase 3 trial. J Allergy Clin Immunol. 2021;148:164-172.e9.

6. Šimac DV, Štimac T, Novak S. Is Icatibant Safe for the Treatment of Hereditary Angioedema During Pregnancy? Curr Allergy Asthma Rep. 2022;22:135-40.

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