Testes de provocação com medicamentos e alimentos: uma necessidade ao alcance dos alergistas do Brasil
Drug and food provocation testing: a need within reach for Brazilian allergists
Marcelo Vivolo Aun1; Renata Rodrigues Cocco2; Yara Mello3
1. Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, Disciplina Agente Hospedeiro. Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia, Universidade de São Paulo. Coordenador do Departamento Científico de Alergia a Drogas da ASBAI, São Paulo, SP, Brasil
2. Professora Assistente de Pediatria da Faculdade Israelita de Ciências Médicas Albert Einstein. Pesquisadora Associada à Disciplina de Alergia e Imunologia da Universidade Federal de São Paulo. Coordenadora do Departamento Científico de Alergia Alimentar da ASBAI, São Paulo, SP, Brasil
3. Diretora do Serviço de Alergologia e Imunologia Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos. Diretora da ABRA/SP. Coordenadora da Comissão de Ética e Defesa Profissional ASBAI, São Paulo, SP, Brasil
As reações adversas a medicamentos e/ou alimentos destacam-se entre algumas das principais causas de procura por especialistas em alergologia e imunologia. Independentemente da apresentação clínica, o termo “alergia” é comumente utilizado por médicos de outras áreas e pacientes, referindo-se muitas vezes a reações sem o envolvimento do sistema imunológico (intolerâncias), reações tóxicas, idiossincrásicas ou relacionadas a superdosagem.
Apesar da diferente etiologia, as reações a medicamentos e a alimentos apresentam uma série de semelhanças entre si. Em ambos os casos é notória a vasta gama de manifestações clínicas, a quantidade de fenótipos envolvidos e a dificuldade no diagnóstico. A anamnese detalhada é fundamental para direcionar as hipóteses da síndrome clínica relatada, mas não é suficiente para confirmar o diagnóstico1,2.
No caso da alergia alimentar, alguns testes laboratoriais podem corroborar a história clínica na elucidação diagnóstica. Nos pacientes nos quais a manifestação clínica foi decorrente de reação imunológica do tipo I de Gell e Coombs, a mensuração da IgE específica para o alimento suspeito pode ser realizada in vivo (teste cutâneo de hipersensibilidade imediata - prick test ) ou in vitro (mensuração de IgE sérica específica por fluorescência imunoenzimática). A presença de anticorpos, no entanto, não significa reatividade clínica. Em outras palavras, teste positivo não implica na retirada do alimento da dieta do paciente, se não houver história clínica convincente. Os testes laboratoriais devem servir como mais um instrumento para se estabelecer o diagnóstico, mas o teste de provocação oral ainda é considerado a única forma eficaz de se confirmar a presença de alergia2-4.
Já no âmbito da hipersensibilidade a medicamentos, até há pouco tempo só estava disponível no Brasil a dosagem sérica de IgE específica, de baixa sensibilidade e apenas aplicável mediante suspeita de reações IgE-mediadas. Os testes disponíveis comercialmente são restritos a um pequeno número de substâncias, como penicilina, amoxicilina, ampicilina, insulina e látex. Assim, os testes cutâneos com fármacos e, principalmente, os testes de provocação, são fundamentais para diagnóstico e correta orientação dos pacientes5.
Embora vários serviços acadêmicos utilizem os testes cutâneos e de provocação com medicamentos e alimentos há décadas, sua utilização na prática não universitária, particularmente na medicina privada, era muito restrita, principalmente, pelo fato desses procedimentos não estarem incluídos na lista de procedimentos aprovados pela Associação Médica Brasileira (AMB), no Rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tampouco no Sistema Único de Saúde (SUS). A experiência nacional acadêmica com testes de provocação com drogas e alimentos é reconhecida nacional e internacionalmente, com publicações sobre o tema, notificando sua importância, efetividade e segurança quando realizados adequadamente, em condições controladas6,7.
Há alguns anos, a ASBAI, em particular o Departamento de Ética e Defesa Profissional, vem lutando pela ampliação da atuação dos especialistas em Alergologia e Imunologia no que tange à atualização de procedimentos e tecnologias inerentes à nossa prática. A partir de 2016, a ASBAI conseguiu ampliar o uso dos testes de contato, com ampliação do número de baterias incluídas, tanto na Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), capitaneada pela AMB, quanto no Rol da ANS, permitindo aos profissionais receber mais adequadamente os honorários referentes a esses testes. Os testes de contato com medicamentos, utilizados na investigação das reações tardias, já estão contemplados na CBHPM/AMB e no Rol/ANS desde então.
Em 2018, juntamente com o apoio dos Departamentos Científicos de Alergia a Drogas e de Alergia Alimentar, o Departamento de Ética e Defesa Profissional conseguiu aprovação pela Câmara Técnica da AMB e consequente inclusão na CBHPM dos testes de punctura (prick test ) e intradérmico com medicamentos, bem como dos testes de provocação com fármacos e com alimentos (Tabela 1). Esse fato é um grande avanço, pois oferece maior respaldo técnico à realização desses procedimentos por nossos colegas da especialidade, categoriza e uniformiza uma sugestão pela AMB de pagamento mínimo de honorários médicos por tais tecnologias. Por fim, visando manter os associados atualizados quanto à correta abordagem dos pacientes com suspeita de hipersensibilidade alimentar ou a fármacos, os departamentos científicos envolvidos publicaram a atualização do Consenso Brasileiro de Alergia Alimentar e duas revisões sobre testes in vivo com medicamentos3,8,9.
Entretanto, o caminho ainda é longo para que esses procedimentos tenham o merecido alcance na prática nacional, pública ou privada. Como ainda não estão incluídos no Rol da ANS e na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), esta última pelo SUS, a negativa de aceite ou mesmo de pagamento pelas operadoras de saúde e pelo sistema público dificultam a aplicação desses testes. De qualquer forma, a inclusão na CBHPM servirá como parâmetro técnico e justificativa para a inclusão desses procedimentos no Rol da ANS 2020, processo pelo qual os três departamentos da ASBAI já estão debruçados ativamente. Esperamos que o processo todo seja de sucesso, permitindo aos pacientes o acesso aos testes diagnósticos necessários para seu correto manejo.
REFERÊNCIAS
1. Demoly P, Adkinson NF, Brockow K, Castells M, Chiriac AM, Greenberger PA, et al. International Consensus on Drug Allergy. Allergy. 2014;69(4):420-37.
2. Waserman S, Bégin P, Watson W. IgE-mediated food allergy. Allergy Asthma Clin Immunol. 2018;14(Suppl 2):55.
3. Solé D, Silva LR, Cocco RR, Ferreira CT, Sarni RO, Oliveira LC, et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 – Parte 1 – Etiopatogenia, clínica e diagnóstico. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):7-38.
4. Sicherer SH, Sampson HA. Food allergy: a review and update on epidemiology, pathogenesis, diagnosis, prevention, and management. J Allergy Clin Immunol. 2018;141:41-58.
5. Motta AA, Aun MV. Reações adversas a fármacos. In: Kalil J, Motta AA, Agondi RC. Alergia e Imunologia – Aplicação Clínica. São Paulo; Editora Atheneu; 2015. p. 227-42.
6. Aun MV, Bisaccioni C, Garro LS, Rodrigues AT, Tanno LK, Ensina LF, et al. Outcomes and safety of drug provocation tests. Allergy Asthma Proc. 2011;32:301-6.
7. Mendonça RB, Franco JM, Cocco RR, de Souza FI, de Oliveira LC, Sarni RO, et al. Open oral food challenge in the confirmation of cow's milk allergy mediated by immunoglobulin E. Allergol Immunopathol (Madr). 2012;40(1):25-30.
8. Aun MV, Malaman MF, Felix MMR, Menezes UP, Queiroz GRS, Rodrigues AT, et al. Testes in vivo nas reações de hipersensibilidade a medicamentos - Parte I: testes cutâneos. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(4):390-8.
9. Aun MV, Malaman MF, Felix MMR, Menezes UP, Queiroz G, Rodrigues AT, et al. Testes in vivo nas reações de hipersensibilidade a medicamentos - Parte II: testes de provocação. Arq Asma Alerg Imunol. 2019;3(1):7-12.