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Número Atual:  Outubro-Dezembro 2018 - Volume 2  - Número 4


Artigo de Revisão

Receptor MrgprX2 nas anafilaxias não alérgicas

MRGPRX2 receptor in non-allergic anaphylaxis

Danilo Gois Gonçalves; Pedro Giavina-Bianchi


DOI: 10.5935/2526-5393.20180056

Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo (FMUSP), Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia - São Paulo, SP


Endereço para correspondência:

Pedro Giavina-Bianchi
E-mail: pbianchi@usp.br


Submetido em: 09/03/2018
Aceito em: 09/07/2018

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

A identificação e descrição das propriedades do receptor MrgprX2 possibilitou maior compreensão das funções dos mastócitos nas reações de hipersensibilidade não alérgicas, assim como em processos inflamatórios e infecciosos. Neste artigo revisamos brevemente as principais funções deste receptor, enfatizando seu papel nas reações de hipersensibilidade a medicamentos, promovendo a desgranulação direta de mastócitos.

Descritores: Receptor MrgprX2, anafilaxias não alérgicas, reações de hipersensibilidade a medicamentos.




A anafilaxia pode ser classificada como alérgica, na qual há uma resposta imune específica, quase sempre mediada por IgE e, talvez, em alguns casos por IgG; e não alérgica, com desgranulação direta de mastócitos/basófilos (Figura 1). Anafilaxia pode ocorrer após a primeira ou várias exposições a um medicamento específico. As reações sem exposição prévia geralmente não são alérgicas, pois não há tempo suficiente para sensibilização e desenvolvimento de uma resposta imune específica, a menos que o paciente esteja sensibilizado para outra substância semelhante e esteja envolvida uma reação cruzada1.

 


Figura 1 Mecanismos de ativação dos mastócitos. Adaptado de Giavina-Bianchi et al.16

 

Um novo mecanismo foi recentemente descrito, explicando algumas das reações anafiláticas não alérgicas (reações pseudoalérgicas, anteriormente denominadas anafilactoideas). Substâncias que atuam como secretagogos básicos ativam mastócitos de camundongos in vitro e in vivo através do receptor Mrgprb2, que é ortólogo do receptor humano associado a MAS e acoplado à proteína G, o MrgprX2. Mastoparano do veneno de vespas, bem como quinolonas, bloqueadores neuromusculares e icatibanto se ligam a esse receptor, ativando os mastócitos2.

MrgprX2 foi originalmente identificado como um receptor nociceptivo que é expresso nos gânglios neurológicos da raiz dorsal3. A expressão deste receptor é restrita a neurônios sensoriais humanos e mastócitos, especialmente nos mastócitos contendo triptase e quimase. Resíduos catiônicos de peptídeos antimicrobianos como a beta-defensina-3 humana, catelicidina (LL-37), retrociclinas e protegrinas interagem com resíduos carregados negativamente nos MrgprX2 para induzir a ativação e desgranulação de mastócitos e a morte de micróbios4. Além disso, substâncias catiônicas ou secretagogos básicos podem ativar essas células através do receptor MrgprX2 em alguns casos de reações de hipersensibilidade não alérgicas2. Enquanto o fator de células-tronco potencializa a estimulação de mastócitos pela via mediada pela IgE através de seu receptor de alta afinidade (FceRI), ele inibe a via de desgranulação pelo receptor MrgprX25. O papel do MrgprX2 não se limita à ativação e desgranulação de mastócitos, mas também está envolvido na produção de quimiotaxia e citocinas6.

Diversas substâncias exógenas básicas foram envolvidas na ativação de mastócitos via receptor MrgprX2. O atracúrio, o mivacúrio, tubocurare e todas as fluoroquinolonas (ciprofloxacina, levofloxacina, moxifloxacina e ofloxacina) têm um domínio tetrahidroisoquinolina (THIQ), que pode ligar e ativar o MrgprX2. O rocurônio não contém o domínio THIQ, mas possui um grupo hidrofóbico grande, que também pode ativar o MrgprX27. Não há indícios de que a succinilcolina ative o MrgprX2. O composto 48/80, complanadina A, peptídeo de desgranulação de mastócitos, mastoparano das vespas, sinomenina e icatibanto são outros exemplos de agonistas de MrgprX2, o último induzindo uma reação típica no local da injeção2. Opioides, sejam exógenos ou endógenos, podem induzir desgranulação de mastócitos pela ativação do receptor MrgprX2 através do ZINC-3573, que representa um potente agonista seletivo de MrgprX2. Isto foi identificado em estudos com morfina, hidrocodona, sinomenina, dextrometorfano e os peptídeos derivados de prodinorfina, dinorfina A, dinorfina B e α- e β-neoendorfina138.

Além dos secretagogos básicos conhecidos, várias proteínas endógenas e fragmentos de enzimas (como a chaperonina-10; 2', 3'-nucleotídeo cíclico 3'-fosfodiesterase; e fragmentos de tropomiosina) são conhecidos por induzir a ativação de mastócitos independente da IgE, via MrgprX2. Vale ressaltar que muitos secretagogos endógenos, como a substância P, a cortistatina, a somatostatina e o polipeptídeo de ativação da adenilato ciclase hipofisária, ativam MrgprX2, mas em concentrações muito mais elevadas do que as concentrações efetivas necessárias para estimular seus próprios receptores9. A identificação de tais proteínas ativadoras de mastócitos pode ser importante no estudo do papel da MgprX2 na patogênese de várias doenças inflamatórias e autoimunes. Mediadores secretados por eosinófilos, como proteína básica principal (MBP) e peroxidase eosinofílica (EPO), também podem ativar MrgprX210. Substância P está associada com inflamação, dermatite atópica e coceira, e também ativa MrgprX211.

O papel do MrgprX2 na urticária crônica, asma, dermatite atópica e hipersensibilidade não alérgica foram investigados. Na urticária crônica, a resposta mediada por mastócitos é amplificada via desgranulação mediada por MrgprX2 induzida por proteínas derivadas de eosinófilos, EPO e MBP, e pela substância P liberada de terminações nervosas. A porcentagem de mastócitos positivos para MgprX2 na pele em pacientes com urticária crônica é maior do que em indivíduos normais10,12. O número de mastócitos expressando MgprX2 e o nível de expressão do receptor são significativamente suprarregulados no pulmão de indivíduos que morreram de asma em comparação com indivíduos que morreram de outras causas. A ativação de MrgprX2 pela substância P, EPO, MBP e catepsina S, a qual é liberada pelas células apresentadoras de antígenos, pode contribuir para o desenvolvimento de asma grave. Propõe-se que defensinas b humanas (hBD) liberadas de células epiteliais ativadas por rinovírus, EPO e MBP de eosinófilos e IL-37 de neutrófilos induzam a liberação de mediadores de mastócitos pulmonares humanos via MrgprX2 e podem causar exacerbação de asma11,13. Mais de 90% dos pacientes com dermatite atópica são colonizados por Staphylococcus aureus e sua toxina pode causar ativação de MrgprX2, assim como a vancomicina na síndrome do homem vermelho14. Além de vancomicina e fluoroquinolonas, outras três classes de antimicrobianos, representadas pelo cloridrato de terbinafina, sulfato de sisomicina e sulfametoxazol, podem induzir reações não alérgicas via MrgprX215.

As quinolonas são uma classe de antibióticos frequentemente associada a reações de hipersensibilidade induzidas por medicamentos, provavelmente devido a sua estrutura química e ao aumento de seu consumo. Na Espanha, as quinolonas são a terceira principal causa de RH por medicamentos, depois dos anti-inflamatórios não esteroidais e beta-lactâmicos. As RH por quinolonas podem ser não alérgicas e alérgicas, mas dificilmente é demonstrado um mecanismo mediado pela IgE. Na verdade, o diagnóstico é desafiador, uma vez que os testes específicos com os medicamentos não estão disponíveis e os testes cutâneos apresentam sensibilidade e especificidade indeterminadas16,17. As quinolonas são uma das substâncias que podem ativar os mastócitos através do receptor MrgprX2, resultando na liberação inespecífica de mediadores, como descrito acima2. Esse mecanismo poderia explicar a reatividade do teste cutâneo e a ocorrência de RH em pacientes que não foram previamente expostos ao medicamento. Por outro lado, estudos demonstraram ativação de basófilos em alguns pacientes, embora essas células mal expressem o MrgprX2. Discrepâncias entre a expressão de CD203c e CD63 no teste de ativação de basófilos sugerem que essas células poderiam ser ativadas por uma resposta imune inata ou adaptativa, a última através do mecanismo mediado por IgE/ FcεRI18. Podem haver diferentes endotipos de RH induzidas por quinolonas que sejam fenotipicamente semelhantes.

A modulação do receptor MRGPRX2 é promissora na prevenção e tratamento de reações de hipersensibilidade não alérgicas a medicamentos, doenças inflamatórias, infecciosas e outras doenças relacionadas ao receptor.

 

REFERÊNCIAS

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