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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Outubro-Dezembro 2018 - Volume 2  - Número 4


Artigo de Revisão

O tratamento da asma hoje e amanhã

Asthma treatment, today and tomorrow

Hisbello S. Campos


DOI: 10.5935/2526-5393.20180055

Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz, Serviço de Alergia e Imunologia Clínica - Rio de Janeiro, RJ


Endereço para correspondência:

Hisbello da Silva Campos
E-mail: hisbello@globo.com


Submetido em: 09/03/2018
Aceito em: 09/07/2018

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

A incorporação progressiva de novos conhecimentos na etiopatogenia da asma vem sendo útil para compreender os fundamentos da grande diversidade observada nas apresentações clínicas e desfechos terapêuticos. A compreensão crescente dos diferentes mecanismos envolvidos na alteração do comportamento celular no trato respiratório deixa claro que a abordagem atual, com padronização diagnóstica e terapêutica, é inadequada. Os complexos e imbricados mecanismos genéticos e ambientais envolvidos fazem de cada asmático um paciente único. Gradativamente, o modelo clássico de atenção médica vem sendo substituído pela Medicina de Precisão, na qual dados genéticos, ambientais e de estilo de vida são empregados no diagnóstico e definição terapêutica. No campo da asma, possivelmente, essa transição significará a incorporação de novos elementos diagnósticos capazes de diferenciar o endotipo vigente e o(s) alvo(s) terapêutico(s) necessário(s) em cada momento, assim como permitirá colocar o agente terapêutico diretamente sobre seu alvo. As Ciências Ômicas serão fundamentais na identificação dos biomarcadores efetivos. Possivelmente, usaremos biomarcadores que identifiquem a variação genética, o mecanismo determinante e o alvo terapêutico. No tratamento, usaremos biológicos, antagonizando ações moleculares prejudiciais, microRNAs para reverter a disfunção celular presente, e suplementos alimentares que corrijam a disbiose corresponsável pela disfunção presente. Com a ajuda da teranóstica, desenvolveremos microvesículas capazes de inserir o agente terapêutico diretamente no seu alvo. Aí, então, poderemos ser capazes de curar a asma.

Descritores: Asma, genética, biológicos, microRNA, ciências ômicas, microbioma.




INTRODUÇÃO

A asma é permeada por grande diversidade e flutuação temporal nas interações genéticas e ambientais que modulam as variações intra e interindividuais observadas, resultantes de processos patogênicos distintos que podem se somar ou alternar ao longo do tempo. O cenário etiopatogênico da asma vem recebendo novos personagens capazes de alterar o enredo a cada dia. Apesar de reconhecermos esse fato, ainda seguimos padrões diagnósticos e terapêuticos como se os asmáticos constituíssem um grupo único. Consequentemente, os resultados alcançados com o tratamento ainda estão distantes do ideal. A proposta atual de tratamento praticamente segue o princípio “um serve para todos”, recomendando corticosteroides e broncodilatadores inalatórios como o grande pilar terapêutico para todos os asmáticos. A introdução da corticoterapia inalatória no tratamento regular do asmático representou um marco, constituindo um instrumento capaz de mudar o prognóstico da doença. Certamente, a incorporação dos novos conhecimentos sobre a variedade dos imbricados processos patogênicos envolvidos apontará novos alvos terapêuticos que direcionarão o desenvolvimento de novos agentes farmacológicos e biológicos. A partir daí, migraremos da “Medicina Padronizada” para a “Medicina de Precisão”. Nesse último modelo de atenção médica, os fundamentos diagnóstico e terapêutico serão guiados por biomarcadores que permitam precisar o mecanismo patogênico e as alterações moleculares e genéticas responsáveis pelas disfunções em cada momento; os alvos do tratamento serão mais precisos, assim como os instrumentos para levar o agente terapêutico ao ponto onde ele é realmente necessário. Nessa etapa futura, mais do que medicamentos “genéricos”, como anti-inflamatórios e broncodilatadores, provavelmente, os esquemas terapêuticos incluirão agentes biológicos capazes de antagonizar ou inibir a formação de citocinas, e modular a carga genética, procurando reverter o comportamento anormal das células do trato respiratório. Ao mesmo tempo, disporemos de tecnologias que tornarão possível levar o agente terapêutico direta e exclusivamente ao seu alvo, reduzindo os efeitos indesejáveis do tratamento.

Estamos vivendo um período de transição no que se refere ao tratamento do asmático. Hoje, sabemos que os medicamentos atualmente empregados não são suficientes para alcançar o controle em parte significativa dos pacientes. Por essa razão, a indústria farmacêutica vem ampliando o arsenal terapêutico com outras classes de medicamentos, como os biológicos, que antagonizam citocinas elencadas como importantes nos processos patogênicos da asma. Como estamos vivenciando perspectivas de mudança na abordagem terapêutica do asmático, urge conhecermos os mecanismos de ação dos potenciais futuros componentes dos esquemas de tratamento e saber quais os alvos terapêuticos importantes.

No presente texto, serão apresentadas a abordagem terapêutica atual e as novas tecnologias que podem vir a ser incluídas no controle da asma. O papel das Ciências Ômicas no desenvolvimento de biomarcadores diagnósticos e preditivos e no direcionamento do desenvolvimento novos agentes terapêuticos, bem como o papel do microbioma na gênese da asma, a introdução de biológicos no arsenal terapêutico, novas tecnologias nos sistemas de administração do tratamento e a modulação genética serão comentados.

 

FUNDAMENTOS GENÉTICOS DA ASMA RESPONSÁVEIS PELA MULTIPLICIDADE DE APRESENTAÇÕES CLÍNICAS

As bases genéticas de uma doença são determinadas pela herança de genes contendo sequências específicas de ácido desoxirribonucleico (DNA). A expressão fenotípica desses genes se dá através da transcrição do ácido ribonucleico (RNA) e do RNA mensageiro (mRNA) e da tradução, que levam à síntese de proteínas específicas. Cerca de 3 a 5% dos genes estão ativos em determinada célula, embora todas tenham a mesma informação guardada em seu DNA. A repressão da maior parte do genoma, “selecionando” os genes ativos, define a função de cada célula. A ativação pode ser dar por sinais ambientais sobre determinados genes que, como resposta à “perturbação” celular, geram mudanças que resultam na expressão de grande número de produtos genéticos e na supressão de outros. Tal heterogeneidade celular pode afetar quando e como uma doença se apresenta clinicamente e como ela responderá ao tratamento específico. Assim, análises da expressão genética podem ser úteis na classificação de uma doença, como também em seu diagnóstico e prognóstico. Mais ainda, pode ser usada como guia terapêutico e na previsão da resposta ao tratamento1.

A asma é uma doença heterogênea que resulta de interações complexas entre fatores genéticos e não genéticos. Entre esses últimos, provavelmente exposição ambiental e desequilíbrios no microbioma (disbiose)2 sejam os principais responsáveis. O componente ambiental sempre foi reconhecido como um agente importante para as variações regionais da asma, sendo aceito que exposições no início da vida determinam o risco de asma mais tarde3. É justamente nos dias iniciais de vida que o microbioma tem papel relevante no grupo de fatores envolvidos com a etiopatogenia da doença, como veremos mais adiante. No estudo dos genes associados à asma, foram identificados polimorfismos de nucleotídeos únicos (SNPs) ressaltando a importância das variações genéticas em genes já implicados com a asma ou outras doenças alérgicas (TSLP, IL33, SMAD3, p. ex.), ou em genes próximos, como também foram descobertas novas regiões cromossômicas potencialmente associadas à asma, como a 17q12-214. Como os estudos de associação com todo o genoma (genome-wide association studies - GWAS) conseguem demonstrar apenas uma fração limitada da variação fenotípica na asma5, mecanismos epigenéticos* passaram a ser investigados e também parecem estar associados ao risco de asma6. Se conseguirmos identificar as variações genéticas que contribuem para a patogênese da asma, teremos dado um grande passo na identificação de alvos terapêuticos potenciais. Como será comentado adiante, instrumentos desenvolvidos para modular essas variações podem vir a ser agentes capazes de curar a asma.

 

TRATAMENTO ATUAL DO ASMÁTICO

Atualmente, o pilar terapêutico da asma é composto pelos corticosteroides e broncodilatadores inalatórios. Em determinadas situações, outros componentes, como imunoalergoterapia específica, anti-inflamatórios não esteroidais (cromoglicato), antialérgicos, inibidores de fosfodiesterases e anti-IgE, podem ser acrescentados ao esquema terapêutico. Diretrizes internacionais7,8, ou geradas por sociedades médicas9,10, orientam, de forma padronizada, como as estratégias diagnósticas e de tratamento devem ser utilizadas. Uma das maneiras vigentes de classificar os asmáticos divide-os em quatro grupos segundo a celularidade do escarro, de acordo com os tipos de inflamação das vias aéreas:

a) Inflamação eosinofílica – padrão habitual na asma alérgica. Boa resposta aos corticosteroides.

b) Inflamação neutrofílica – frequentemente associada às formas mais graves da asma; sem relação com alergia. Menor resposta à corticoterapia; necessita doses elevadas. Costuma estar associada à asma ocupacional.

c) Inflamação mista (eosinofílica e neutrofílica) – associada a formas graves da asma e maior grau de disfunção ventilatória. Necessita de esquemas terapêuticos mais complexos.

d) Inflamação paucigranulocítica – Forma menos frequente de asma, comumente associada a níveis normais de eosinófilos e neutrófilos. Resposta variável aos corticosteroides.

A celularidade do escarro costuma servir de guia para a escolha medicamentosa. Entretanto, deve-se ter em mente que os padrões celulares são mutáveis ao longo do tempo num mesmo asmático. Dessa forma, guiar o tratamento pelo tipo de granulócito predominante no escarro sem coletas e exames periódicos da secreção brônquica, vai de encontro aos conhecimentos atuais sobre a variabilidade temporal dos mecanismos patogenéticos da asma. Recentemente, uma nova proposta para classificar a asma visando orientar a abordagem terapêutica utiliza dois fenótipos moleculares distintos, baseados no grau da inflamação Th2:“Th2 intensa”(T2 high) e “não Th2 intensa” (T2 low). Esses dois grupos diferem significativamente na expressão de IL-5, IL-13, eosinofilia (periférica e nas vias aéreas), fibrose subepitelial e na expressão do gene da mucina. Aparentemente, a resposta aos corticosteroides é menor no segundo grupo (não Th2 intensa)11,12. Essa classificação simplista pode ser usada na definição do esquema terapêutico, basicamente sobre o emprego ou não de corticosteroides inalatórios. Entretanto, já está demonstrado que diferentes subgrupos de linfócitos T helper (Th) - Th1, Th9, Th17, Th22, entre outros – bem como linfócitos CD8 e B, macrófagos e outras células, podem regular os processos patogenéticos presentes no conjunto de formas clínicas da asma e definir as diferenças entre as respostas terapêuticas13. Dessa forma, identificar as características moleculares do mecanismo patogênico vigente deveria ser uma etapa inicial fundamental na seleção do esquema terapêutico mais adequado.

Hoje se reconhece: (1) a multiplicidade de redes genéticas e o polimorfismo genético envolvidos na gênese da asma; (2) a participação do microbioma em sua determinação; e (3) a complexidade do emaranhado de processos, inflamatórios ou não, como responsáveis pela diversidade de apresentações clínicas e respostas terapêuticas, intra e interindividualmente, bem como temporalmente. A incorporação desses conhecimentos é recente e progressiva. Não houve, ainda, tempo suficiente para que eles se traduzam em novos biomarcadores que apontem o mecanismo responsável pela disfunção em cada momento (endotipo), nem em produtos e estratégias terapêuticas efetivas sobre os alvos identificados. Até que biomarcadores úteis e novos agentes terapêuticos com mecanismos de ação distintos daqueles dos atuais medicamentos estejam disponíveis, continuaremos tratando o asmático de forma incompleta, reduzindo a chance de sucesso.

 

PANORAMA FUTURO DO TRATAMENTO DO ASMÁTICO

Vivemos uma época de mudanças de modelos na arte médica. Gradativamente, a prática médica vem deixando de lado o modelo da Medicina Clássica, orientada pelos ensinamentos de médicos de notório saber, para buscar alcançar os preceitos da Medicina Baseada em Evidências, na qual a prática clínica resulta da aplicação racional da informação científica baseada em experimentos metodologicamente perfeitos e com validade interna e externa. A partir daí, é possível que o modelo da prática médica passe a ser aquele proposto pela Medicina de Precisão. Nesse último, a abordagem médica, seja preventiva ou terapêutica, leva em consideração a variação genética individual, o ambiente e o estilo de vida de cada indivíduo. Dado o volume enorme de dados que devem ser analisados nessa perspectiva, a bioinformática é uma ferramenta essencial. Com a projeção de evolução na prática médica, poderá ser possível prever mais acuradamente qual estratégia preventiva ou terapêutica para uma doença em particular funcionará num grupo de indivíduos. Esse conceito moderno vai de encontro com o da Medicina Clássica, que propõe o modelo “um serve para todos”, no qual as recomendações preventivas e terapêuticas são desenvolvidas para o indivíduo médio, não dando as devidas considerações para as diferenças entre as pessoas. Na Medicina de Precisão, inclui-se a farmacogenômica (estudo de como os genes afetam a resposta do indivíduo a um fármaco em particular), que permite desenvolver medicamentos seguros e efetivos, bem como ajustar a dose às variações genéticas do indivíduo.

As diretrizes e consensos atuais para o tratamento do asmático seguem o modelo da Medicina Clássica, propondo ações terapêuticas padronizadas, respeitando, quando muito, diferenças grosseiras, como faixa etária e fenótipos (asma alérgica, asma induzida por exercício, asma grave, p. ex.). Certamente, esses documentos vêm, cada vez mais, procurando fundamentar suas recomendações em evidências experimentais. Entretanto, ainda não podem incorporar descobertas recentes e ainda superficiais sobre os imbricados mecanismos responsáveis pela diversidade de apresentações da asma, que conjugam fatores genéticos, ambientais e microbianos, nas recomendações terapêuticas. Ainda não identificamos biomarcadores relevantes e independentes, capazes de identificar e separar alvos terapêuticos fundamentais, independentemente de fatores externos à asma, como comorbidades e determinados hábitos de vida. Apenas quando esses biomarcadores forem identificados e os mecanismos patogenéticos desvendados integralmente, saberemos quais os alvos importantes do tratamento, permitindo delinear as características necessárias aos agentes terapêuticos. A partir daí, indústrias farmacêuticas e academia trabalharão em conjunto para desenvolver tratamentos efetivos para os diversos “modelos” de asmáticos e as diretrizes poderão ser reformuladas.

A seguir, serão apresentados novos elementos que poderão vir a ser importantes no desenho do tratamento dos asmáticos.

Ciências Ômicas

Recentemente, passaram a ser desenvolvidas novas tecnologias com o objetivo de compreender o comportamento de células, tecidos, órgãos e o próprio organismo no nível molecular. Reunidas sob o rótulo de Ciências Ômicas, elas estudam o genoma, os mecanismos de transcrição genética, a produção proteica e os metabólitos resultantes dos processos biológicos na saúde e na doença. Acrescidas do sufixo “ômica”, as diferentes tecnologias foram identificadas como genômica, ao estudarem os genes e suas funções; proteômica, ao estudarem as proteínas codificadas pelos RNA mensageiros (RNAm); transcriptômica, ao estudar a transcrição do DNA no RNAm; metabolômica, ao estudar as moléculas envolvidas no metabolismo celular; glicômica ao estudar os carbohidratos celulares; lipidômica, ao estudar o lipídeos celulares. Certamente, o progresso do conhecimento incorporará novas tecnologias ômicas a esse grupo. O enorme volume de dados biológicos gerados pelas ciências ômicas tornou necessário o desenvolvimento de tecnologia computacional específica, a Bioinformática. A integração dos dados biológicos oriundos de todos os níveis de complexidade alcançados pelas Ciências Ômicas usando métodos computacionais para estudar como as redes interativas dos componentes determinam as propriedades e atividades dos sistemas vivos foi rotulada como Biologia dos Sistemas. O objetivo final é criar modelos computacionais do funcionamento celular, dos sistemas multicelulares e, finalmente, do organismo.

Certamente, diferentes arranjos genéticos, o polimorfismo genético e alterações epigenéticas estão na base da variabilidade de uma doença como a asma. Se isso for verdadeiro, identificar as alterações genéticas responsáveis pela geração do comportamento celular alterado no trato respiratório é um passo fundamental para identificar estratégias que permitam restaurar o funcionamento normal do tecido. Nesse ponto, tecnologias ômicas podem fornecer as informações necessárias, identificando as variações genômicas. Essas tecnologias também poderão vir a identificar biomarcadores efetivos e apontar alvos terapêuticos14. Outra aliada potencial, a nanotecnologia, pode vir a auxiliar o tratamento desenvolvendo tecnologias para inserir microvesículas extracelulares (MVE) carregadas de material genético dentro do citoplasma de células alvos, promovendo a função celular normal no trato respiratório.

Biomarcadores

A heterogeneidade dos processos patogenéticos da asma e sua evolução diferenciada em cada paciente, influenciada por uma combinação única de exposições endógenas e exógenas, e permeada por interações entre células normais e disfuncionais, tornam a asma uma doença única em cada asmático. Num cenário como esse, é fundamental dispor de biomarcadores que permitam diferenciar o processo patogênico, o alvo e o agente terapêutico, bem como prever o desfecho. Obviamente, para uso prático, o biomarcador tem que ser facilmente obtido e ter custo adequado. Com referência ao custo, deve estar claro para os administradores de sistemas de saúde que o emprego de biomarcadores apura a seleção terapêutica e potencializa as chances de sucesso do tratamento. Isso significa não apenas menor risco de efeitos indesejáveis ou tóxicos, como menor uso de medicamentos; em outras palavras, menor custo humano e financeiro do tratamento. Atualmente, a maior parte dos biomarcadores em análise visa identificar o envolvimento de mastócitos, basófilos e eosinófilos nos processos patogênicos da asma15. Certamente, isso ainda é pouco perto das necessidades para apontar o alvo terapêutico e a abordagem de tratamento mais efetiva. Por isso, as pesquisas continuam em diversas áreas da patogenia da asma.

Biológicos

Tanto as células estruturais como as funcionais do trato respiratório, incluindo as imuno-inflamatórias, liberam um grande número de citocinas associadas aos fenótipos da asma16, fazendo com que diversas delas passassem a ser apontadas como alvos potenciais do tratamento17. O racional para o emprego de biológicos, anticorpos monoclonais e inibidores de pequenas moléculas no tratamento da asma está baseado no papel desses produtos como moduladores das ações das citocinas elencadas, antagonizando suas ações pró-inflamatórias e alérgicas. Os biológicos que vêm sendo desenvolvidos e empregados atualmente são direcionados contra alvos moleculares relevantes em cada endotipo da asma. Possivelmente, com o aprofundamento do conhecimento sobre os mecanismos patogenéticos envolvidos, outros biológicos, com mecanismos de ação opostos aos dos atuais, estimulando o comportamento celular desejado possam vir a ser incorporados aos esquemas terapêuticos.

MicroRNA

MicroRNAs (miRNAs) são personagens importantes na biologia molecular, regulando processos celulares e moleculares complexos na saúde e na doença. miRNAs são pequenas moléculas de RNA não-codificadoras que, aparentemente, controlam a expressão de “genes alvos” modulando sua tradução em proteínas. Entretanto, estudos recentes vêm indicando que, talvez, sua ação também seja parecida com a de hormônios, já que são capazes de se ligar a receptores proteicos (miReceptors), desencadeando um processo sequencial de sinalização. Mais ainda, parece que também funcionam como mediadores dos processos de comunicação intracelular, quando inseridos em exossomos18.

Quando comparados com outras classes de ácidos nucleicos circulantes, os miRNAs são mais estáveis. Daí, estudos estão sendo realizados avaliando seu potencial como biomarcadores diagnósticos e indicativos da opção terapêutica, bem como preditivos do desfecho. Por enquanto, foram identificadas maiores ou menores concentrações de diversos miRNAs em diferentes doenças, mas o mecanismo usado para direcionar o comportamento celular ainda não está claro. Certamente, o aprimoramento das Ciências Ômicas e sua incorporação nas investigações sobre os mecanismos celulares induzidos pelos miRNA trará luz para essa área, fazendo com que eles possam vir a ser agentes importantes no tratamento dos asmáticos19,20. Pode-se imaginá-los como agentes que fariam as células do trato respiratória voltar a ter comportamento normal. Ou seja, curariam a asma.

Vesículas extracelulares

São micropartículas derivadas das células, que contêm DNA, RNA e miRNA em seu interior. Denominadas microvesículas extracelulares (MVE), constituem um canal de comunicação intracelular importante tanto na homeostasia como na patogênese de doenças. Após produzidas e liberadas por determinada célula, são incorporadas à célula alvo, e o material genético inoculado passa a modular o comportamento da última21. Estudos atuais visam desenvolver tecnologia capaz de produzir e administrar estruturas equivalentes às MVE contendo miRNAs específicos às células alvo (Nanotecnologia)22. A partir daí, poderá vir a ser possível promover o retorno de células importantes na patogenia da asma, como de outras doenças, à função normal. Esse poderia ser o instrumento para, realmente, curar a asma!

Microbioma

A partir de 2010, contrariando a crença que havia até então, estudos demonstraram que os pulmões não eram estéreis em condições naturais23,24. A população de microrganismos (bactérias, vírus e fungos) que habita todas as áreas do nosso corpo em condições naturais é cerca de 10 vezes maior que o nosso número total de células, e é chamada Microbioma (ou Microbiota, segundo alguns autores). A maior parte dessa população ocupa o trato gastrointestinal e é responsável pelo desenvolvimento do nosso sistema imune, pela regulação de atividades neurológicas e digestivas, entre outras funções. Fatores que gerem desequilíbrio nas proporções das diferentes espécies microbianas (disbiose) participam da gênese de muitas das doenças. Há evidências de que a asma, assim como outras alterações imunes, estão incluídas nesse grupo25. A diversidade regional das taxas de prevalência da asma é um indício importante de que as diferenças nas exposições ambientais têm peso na etiologia. Possivelmente, exposições no início da vida alteram a composição da microbiota pulmonar e geram desregulação imune que se expressa sob a forma da asma. Sendo assim, saber em que período da vida a disbiose pode desencadear alterações patogênicas no pulmão é importante para iniciar a terapêutica adequada visando manter as proporções corretas das diferentes espécies de microrganismos. Estudos visando identificar o momento ideal para usar produtos microbiológicos (probióticos, prebióticos e simbióticos)** visando corrigir a disbiose e prevenir/ tratar a asma, apontam para os primeiros cem dias de vida26,27.

Finalizando, na época em que tratávamos os asmáticos seguindo os preceitos da Medicina Clássica, nos quais a diferenciação entre os subgrupos de doentes era superficial e pouco interferia com a abordagem terapêutica, os resultados alcançados eram desapontadores. Com a introdução da Medicina Baseada em Evidências, passamos a reconhecer a importância de testar estratégias terapêuticas específicas aqueles subgrupos antes de sugerir seu emprego nos pacientes. Essa mudança de atitude, aliada a novos medicamentos, permitiu melhores desfechos terapêuticos. Na Medicina de Precisão, temos clareza de que o rótulo ASMA é utilizado para agrupar populações distintas de pacientes, nos quais os mecanismos patogenéticos e respostas terapêuticas são diferentes. A transição da prática médica baseada em evidências para a Medicina de Precisão se dará em paralelo com a incorporação de novos conhecimentos na área das Ciências Ômicas, biomarcadores, manipulação genética e microbioma. No tratamento do asmático, pode-se imaginar que a identificação de biomarcadores capazes de (1) identificar o mecanismo determinante da disfunção (endotipo) e diferenciar subgrupos de pacientes; (2) predizer o(s) alvo(s) e o(s) agente(s) terapêutico(s) adequado(s); (3) indicar o(s) agente(s) mais adequados a ser(em) empregado(s) no tratamento e sua efetividade potencial; e (4) prever o prognóstico; servirá como fio condutor da abordagem terapêutica. A introdução da corticoterapia inalatória, reduzindo o impacto sintomático e a mortalidade da asma, representou um marco na história do seu tratamento. Com o avanço da ciência, a identificação de alvos fundamentais da terapia guiará o desenvolvimento de agentes biológicos e farmacológicos que serão levados aos alvos específicos pela nanoterapia, amplificando o efeito terapêutico e reduzindo o risco de efeitos indesejáveis. Mais à frente, quando os imbricados mecanismos genéticos forem desvendados, pode ser que o emprego de microvesículas carregando miRNA para dentro das células alvo torne possível modificar a história natural da asma, restabelecendo o comportamento normal nas células do trato respiratório.

 

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* Mecanismos epigenéticos: mudanças herdáveis na atividade genética independentes de alterações na sequência do DNA.

** Probiótico: microrganismos vivos e estritamente selecionados que, nas quantidades adequadas, podem conferir benefícios à saúde. Prebiótico: componentes alimentares não digeríveis que conferem benefício à saúde, associado à modulação da microbiota. Simbiótico: produto com componente prebiótico que seletivamente favorece microrganismos probióticos.

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