Dessensibilização com aspirina na doença coronariana
Aspirin desensitization in coronary artery disease
Mario Geller, MD, MACP, FAAAAI, FACAAI
Clínica Geller de Alergia e Imunologia, Rio de Janeiro, RJ E-mail: drmariogeller@gmail.com
Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao desta carta.
Prezada Editora,
As reaçoes de hipersensibilidade medicamentosa requerem cuidadosa avaliaçao diagnóstica e conduta individualizada1. Os parâmetros de conduta na alergia medicamentosa, incluindo a dessensibilizaçao com a aspirina, foram delineados em consensos2. A Scripps Clinic, La Jolla - Califórnia, tem protocolos de dessensibilizaçao estabelecidos, que foram utilizados em mais de 1.500 pacientes com doença respiratória exacerbada por aspirina. Estes protocolos sao eficazes e seguros, uma vez que ocorreram sintomas sistêmicos em apenas 0,002% dos casos, que responderam bem à administraçao intramuscular de epinefrina, nao necessitando de hospitalizaçao3. As experiências multicêntricas compartilham a necessidade de oferecer dessensibilizaçao medicamentosa na vigência de hipersensibilidade a fármacos imprescindíveis4. Em pacientes que necessitam cardioproteçao preventiva com aspirina, após a dessensibilizaçao bem sucedida, a dose diária de 81 mg é preconizada5. Descreveremos um caso bem sucedido de dessensibilizaçao com aspirina em um cardiopata, que necessitava deste fármaco para prevençao antitrombótica, como agente antiagregante plaquetário em combinaçao com o clopidogrel. Trata-se de um paciente do sexo masculino, caucasiano, 86 anos de idade, portador de doença cardíaca arterioesclerótica difusa, e com 93% de obstruçao em coronária descendente anterior esquerda. Tinha, portanto, risco de morte súbita, e assim nao era candidato à cirurgia revascularizadora de bypass, necessitando, entao, de stents coronarianos. Apresentava também asma e rinite desde a infância, porém sem história de sinusites. Demonstrava hipersensibilidade à aspirina, a anti-inflamatórios nao-esteroidais e a dipirona, com reaçoes caracterizadas por angioedema periorbital bilateral, e nao relatava exacerbaçao da asma ou da rinite com aspirina. No exame clínico, a rinoscopia anterior revelou polipose nasal bilateral, e havia também sibilos bilaterais na ausculta pulmonar. A espirometria mostrou obstruçao de 29% no VEF1 em relaçao ao valor predito, sem resposta após broncodilatador. Combinou-se a dessensibilizaçao hospitalar com aspirina, após 2 semanas da seguinte prescriçao: fexofenadina 180 mg/dia, ciclesonida 2 sprays de 50 mcg/narina/dia, combinaçao formoterol/budesonida 6/200 mcg 2 sprays a cada 12 horas, prednisona 40 mg/dia por 1 semana, reduzida para 20 mg/dia por mais 1 semana, e montelucaste 10 mg/dia, sendo que 2 dias antes e no dia da dessensibilizaçao o montelucaste foi dobrado para 20 mg/dia.
A dessensibilizaçao com a aspirina foi realizada na Emergência de um Hospital de grande porte, que contava com UTI e Unidade Coronária de excelência. Houve monitoramento contínuo e com disponibilidade, à beira do leito, de medicaçoes e equipamentos para uma potencial anafilaxia ou parada cardíaca (Figura 1). Foi administrado um protocolo de dessensibilizaçao oral, de minha elaboraçao, com a duraçao de 9 horas (Figura 2). Ao ser iniciada a administraçao escalonada da aspirina, o paciente estava assintomático, e sua ausculta pulmonar era normal, sinais vitais também normais, oximetria de 97%, e pico de fluxo expiratório (PFE) de 150 L/min (previsto normal de 384 L/min). Cerca de 3 horas após ingerir 25 mg de aspirina, embora continuando assintomático, apresentou discretos sibilos bilaterais, que desapareceram prontamente com a administraçao de 3 sprays de 100 mcg de salbutamol. O PFE que caíra para 130 L/min, reverteu posteriormente para 210 L/min. O protocolo foi mantido sem interrupçoes, nao havendo quaisquer outras intercorrências. O paciente teve alta hospitalar, assintomático e sem angiodema facial, com a prescriçao de aspirina 100 mg/dia associada ao montelucaste 10 mg/dia. Foi dessensibilizado com sucesso, mantendo diariamente esta dose de aspirina, assim preconizada pelo seu cardiologista. Continua assintomático até o presente, 10 meses após a dessensibilizaçao.
A dessensibilizaçao oral com a aspirina deve ser, portanto, disponibilizada aos pacientes com hipersensibilidade que necessitam cardioproteçao, preferencialmente em ambiente hospitalar protegido.
AGRADECIMENTO
A Mariana Castells, MD, PhD, Director, Drug Hypersensitivity and Desensitization Center, Brigham and Women's Hospital, Harvard Medical School, pela orientaçao no preparo anterior à dessensibilizaçao com aspirina.
REFERENCIAS
1. Unsworth DJ, Tsiougkos N. Improving detection and management of drug allergy. Practitioner. 2015;259:25-7.
2. Solensky R, Khan DA. Drug allergy: an updated practice parameter. Ann Allergy Asthma Immunol. 2010;105:273.e1-78.
3. Woessner KM, White AA. Evidence-based approach to aspirin desensitization in aspirin-exacerbated respiratory disease. J Allergy Clin Immunol. 2013;133:286-7.
4. Romano A, Torres MJ, Castells M, Sanz ML, Blanca M. Diagnosis and management of drug hypersensitivity reactions. J Allergy Clin Immunol. 2011;127:S67-73.
5. Macy E, Bernstein JA, Castells MC, Gawchik SM, Lee TH, Settipane RA, et al. Aspirin Desensitization Joint Task Force. Aspirin challenge and desensitization for aspirin-exacerbated respiratory disease: a practice paper. Ann Allergy Asthma Immunol. 2007;98:172-4.