Associação entre sensibilização cutânea e presença de pets no domicílio
Zamir Calamita
MD, PhD. Faculdade de Medicina Estadual de Marília (FAMEMA)
Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao desta carta.
Prezado Editor,
Apresento os resultados de um estudo retrospectivo brasileiro, coordenado pela Disciplina de Alergia e Imunopatologia Clínica da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) em que foi avaliada a sensibilizaçao cutânea para epitélio de cao e gato, assim como a presença destes animais nos domicílios. Foram avaliados 412 indivíduos adultos com alergia respiratória por meio do skin prick testing (SPT), utilizando-se extratos padronizados. Pesquisou-se a associaçao entre a presença do cao ou gato nos domicílios e a prevalência da sensibilizaçao cutânea aos mesmos. O cálculo estatístico utilizado para as possíveis associaçoes foi o odds ratio (OR) para um intervalo de confiança de 95% (95% CI). O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica em Pesquisa da FAMEMA e o estudo foi conduzido de acordo com as recomendaçoes da Declaraçao de Helsinki.
Encontrou-se a presença do cao em 85 (20,6%) dos domicílios e a sensibilizaçao para cao em 67 (16,2%) dos 412 pacientes estudados. Entre os 85 indivíduos com cachorro em casa, 25 (29,4%) apresentaram SPT positivo aos mesmos, e entre os 327 que nao possuíam cachorro em casa, 42 (12,8%) tinham positividade para cao ao teste de punctura. Para a associaçao entre a presença do cao no domicílio e o teste cutâneo positivo encontramos um OR de 2,83 (95% CI: 1,60-4,99). Quanto aos gatos, encontramo-los em 15 (3,6%) domicílios e a sensibilizaçao cutânea em 70 (16,9%) dos 412 pacientes avaliados. Entre os 15 indivíduos com gato, 7 (46,6%) mostraram-se sensibilizados aos mesmos, e entre os 397 que nao tinham gato em casa, 63 (15,8%) tinham positividade ao teste cutâneo para gato. Encontramos para a associaçao entre a presença do gato no domicílio e a positividade do teste cutâneo ao mesmo um OR de 4,64 (95% CI: 1,62-13,25).
A alergia respiratória relacionada ao cao e ao gato, assim como a sensibilizaçao aos seus alérgenos sao problemas comuns em nível mundial1-5. Extratos comerciais de epitélio de cao e gato sao rotineiramente disponíveis para investigaçao dos quadros alérgicos suspeitos. A utilizaçao de extratos padronizados é importante para a confiabilidade na avaliaçao de sensibilizaçao dos pacientes. As principais fontes alergênicas dos animais domésticos sao as secreçoes das glândulas sebáceas e perianais, urina e saliva. O principal alérgeno do gato (Felis domesticus), Fel d 1, é encontrado na lagrima, pele e proteína salivar tornando-se dispersa no ar em pequenas partículas. O principal alérgeno do cao (Canis familiaris), Can f 1, é detectado no pelo e na saliva, e em menor quantidade na urina e nas fezes. A saliva do cao tem se mostrado atualmente uma importante fonte de alérgenos6. Esses alérgenos sao transportados em roupas e objetos pessoais, facilitando sua dispersao para diferentes ambientes, o que justifica a alergia mesmo sem a exposiçao direta ao animal. Alérgenos desses animais tendem a permanecer em suspensao por longos períodos, o que facilita a ampla dispersao ambiental.
Aqui se demonstrou a associaçao positiva com significância estatística tanto para o cao quanto para o gato, sendo esta associaçao mais forte para o último. Os resultados de outros estudos demonstrando a associaçao positiva entre a presença do pet e a sensibilizaçao alérgica nao sao unânimes7. A crítica em relaçao a este trabalho seria o fato do mesmo ser um estudo retrospectivo, com a falta de um maior detalhamento quanto à existência ou nao do animal no domicílio em momentos anteriores ao do inquérito. Outro aspecto é o fato da análise ter sido feita apenas em funçao da sensibilizaçao cutânea, nao se documentando os aspectos clínicos relacionados aos sintomas que de fato os pacientes poderiam manifestar. A presença do animal de estimaçao está relacionada ao apego sentimental e às possíveis repercussoes que poderiam advir de uma possível retirada do mesmo do convívio familiar; esta situaçao poderia trazer um impacto emocional maior ainda ao paciente, traduzindo-se até na possibilidade de exacerbaçao dos sintomas alérgicos.
Conclui-se que a presença do pet no domicílio favorece a sensibilizaçao aos mesmos, aumentando a chance em 2,83 vezes para o cao e em 4,64 vezes para o gato em relaçao aos nao expostos. Entretanto, estudos prospectivos mais detalhados envolvendo também a avaliaçao dos sintomas clínicos do indivíduo, e considerando os aspectos biopsicossociais, seriam importantes para se correlacionar melhor tais sensibilizaçoes com o impacto real na vida destes pacientes.
REFERENCIAS
1. Heinzerling L, Frew AJ, Bindslev-Jensen C, Bonini S, Bousquet J, Bresciani M, et al. Standard skin prick testing and sensitization to inhalant allergens across Europe - a survey from the GA2LEN network. Allergy. 2005;60:1287-300.
2. Feld L, Lima BC, Costa E. Sensibilizaçao a alérgenos inaláveis em pacientes com alergia respiratória na cidade do Rio de Janeiro: comparaçao entre asma brônquica e rinite isolada. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2001;24:54-64.
3. Soares FAA, Segundo GRS, Alves R, Ynoue LH, Resende RO, Sopelete MC, et al. Perfil de sensibilizaçao a alérgenos domiciliares em pacientes ambulatoriais. Rev Assoc Med Bras. 2007;53:25-8.
4. Souza CCT, Rosário NA. Perfil de aeroalérgenos intradomiciliares comuns no Brasil: revisao dos últimos 20 anos. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2012;35:47-52.
5. Gulbahar O, Sin A, Mete N, Kokuludag A, Kirmaz C, Sebik F. Sensitization to cat allergens in non cat owner patients with respiratory allergy. Ann Allergy Asthma Immunol. 2003;90:635-9.
6. Polovic N, Wadén K, Binnmyr J, Hamsten C, Grönnegerg R, Palmberg C, et al. Dog saliva - an important source of dog allergens. Allergy. 2013;68:585-92.
7. Linneberg A, Nielsen NH, Madsen F, Frolund L, Dirksen A, Jorgensen T. Pets in the home and the development of pet allergy in adulthood. The Copenhagen Allergy Study. Allergy. 2003;58:21-6.