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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Setembro-Outubro 2013 - Volume 1  - Número 5


Artigo Original

Prevalência de asma em escolares de 6 e 7 anos de idade na cidade de Fortaleza, Brasil

Prevalence of asthma among 6-7 year-old schoolchildren in the city of Fortaleza, Brazil

Maria de Fátima G. de Luna1; Gilberto B. Fisher2; Joao Rafael G. de Luna3; Marcelo Gurgel Carlos da Silva4; Paulo César de Almeida5; Daniela Chiesa6


DOI: 10.5935/2318-5015.20130039

1. MD, MSc. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
2. MD, PhD. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
3. Estudante de Medicina, Universidade Federal do Ceará (UFC)
4. MD, PhD. Universidade Estadual do Ceará (UECE)
5. PhD. Universidade Estadual do Ceará (UECE)
6. MD, PhD. Universidade de Fortaleza (UNIFOR)


Endereço para correspondência:

Maria de Fátima G. de Luna
E-mail: fatimaluna@terra.com.br


Submetido em 29/04/2013.
Aceito em 20/05/2014.
Este trabalho recebeu suporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - Edital MCT/CNPq/CT-Saúde nº 54/2009 - Doenças Respiratórias na Infância.
Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao deste artigo.

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a prevalência de asma e de sintomas relacionados em escolares de 6 e 7 anos de Fortaleza, Brasil.
MÉTODOS: Neste estudo transversal, o questionário do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) foi aplicado a 2.020 crianças de escolas públicas e privadas, em 2010.
RESULTADOS: A prevalência de "sibilos cumulativos" (sibilos na vida) foi 52,6% e a de "sibilos nos últimos 12 meses" (asma ativa), 28,3%, enquanto a taxa de "asma diagnosticada" foi 12,4%. Para os sintomas associados à gravidade da asma, como "sibilos com limite da fala", "quatro ou mais crises de sibilos no último ano" e "sono interrompido por sibilos uma ou mais noites por semana", as prevalências foram, respectivamente, 4,1, 3,9 e 6,7%. A taxa de "sibilos pós-exercícios" foi 7,2%, e a de "tosse seca noturna" foi de 39,7%. Houve predomínio no gênero masculino, com significância estatística, de "sibilos cumulativos" (p < 0,001) e asma ativa (p = 0,04). "Sibilos com limite da fala", "sono interrompido por sibilos uma ou mais noites por semana" e "sibilos pós-exercícios" predominaram no grupo das escolas públicas, comparado ao das escolas privadas (p = 0,002; p = 0,002; e p = 0,003, respectivamente).
CONCLUSOES: A prevalência de asma e de sintomas relacionados em escolares de 6 e 7 anos morando em Fortaleza mostrou-se elevada e acima da média nacional, com predomínio dos sintomas no gênero masculino e entre o grupo das escolas públicas, onde a asma também foi mais grave. Observou-se, ainda, que a asma é subdiagnosticada entre as crianças de 6 e 7 anos de Fortaleza.

Descritores: Asma, sibilos, escolares, epidemiologia, prevalência, ISAAC.




INTRODUÇAO

A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas que afeta grande parte da populaçao geral. Sua prevalência vem aumentando em várias partes do mundo nas últimas décadas, especialmente entre crianças1-5. Os fatores genéticos, embora sejam importantes, provavelmente nao explicam esse aumento, que vem sendo atribuído à interaçao entre fatores genéticos e ambientais. Estes últimos parecem ter maior relevân-cia na determinaçao das manifestaçoes dessa doença, cuja etiologia ainda permanece pouco compreendida, a despeito de um considerável número de pesquisas na área6,7.

A asma é uma afecçao cuja definiçao ainda é vaga e de pouca acurácia - dado que a sua patogênese ainda nao está muito clara - o que pode dificultar a identificaçao dos casos em estudos epidemiológicos2. Os questionários têm sido os instrumentos mais amplamente utilizados para inquéritos epidemiológicos, devido às facilidades operacionais, ao baixo custo e à boa aceitabilidade, além de serem autoaplicáveis e considerados relativamente independentes de fatores climáticos. Nesse sentido, em 1991, foi desenvolvido o protocolo ISAAC - International Study of Asthma and Allergies in Childhood - buscando-se maximizar o valor das pesquisas em asma, rinite e eczema, em crianças e adolescentes, ao se promover uma metodologia padronizada para facilitar os estudos colaborativos internacionais8.

O ISAAC teve como objetivos, na sua primeira fase, descrever a prevalência e a gravidade de asma, rinite e eczema em crianças e adolescentes habitando em diferentes localidades do mundo e realizar comparaçoes dentro e entre os vários países e regioes, além de obter medidas basais para a avaliaçao de futuras tendências na prevalência e gravidade dessas doenças e prover estrutura para posteriores estudos etiológicos em genética, estilo de vida, cuidados médicos e fatores ambientais a elas relacionados. Em sua segunda fase, procurou analisar medidas objetivas de asma e aler-gias, comparando essas medidas entre os diferentes centros envolvidos, além de explorar novas hipóteses relacionadas ao desenvolvimento dessas doenças. Na sua terceira fase, buscou avaliar as tendências da preva-lência de asma, rinite e eczema nos centros participantes da fase I, inserir novos centros que nao participaram dessa fase e identificar possíveis fatores relacionados a essas tendências8.

Os resultados do ISAAC fase I, demonstraram ampla variaçao de asma e sintomas associados entre os dife-rentes países e entre regioes de um mesmo país3. Essa tendência foi confirmada pelos resultados da fase III, a qual evidenciou prevalência de asma ativa em crianças de 6 e 7 anos variando entre 2,4% (Jodhpur, India) e 37,6% (Costa Rica)4,5. Na América do Sul, a prevalência de asma ativa nesse grupo variou entre 10% (Bogotá, Colômbia) e 31,2% (Sao Paulo)9.

No Brasil, os estudos ISAAC fase I evidenciaram que a asma é muito prevalente entre crianças e adolescentes, além de ser subdiagnosticada, e colocaram o país no oitavo lugar entre aqueles com os maiores índices, com notável variaçao entre as regioes3. Mais recentemente, os resultados referentes à participaçao de várias cidades no estudo ISAAC fase III têm confirmado as altas prevalências de asma entre crianças e adolescentes brasileiros, tendo as primeiras apresentado taxas que estiveram entre 16,5% (Aracajú) e 31,2% (Sao Paulo - Oeste)10.

Em Fortaleza, estudo populacional realizado com o método ISAAC evidenciou elevada prevalência de asma entre adolescentes de 13 e 14 anos11. Entretanto, estudos populacionais de prevalência de asma realizados com esse método e envolvendo crianças escolares de 6 e 7 anos ainda nao estao disponíveis no Ceará. Buscou-se avaliar as prevalências de asma e sintomas relacionados em uma amostra representativa de escolares desta faixa etária, em Fortaleza, utilizando-se o protocolo padronizado ISAAC.

 

MÉTODOS

Trata-se de estudo de delineamento transversal, descritivo, de base populacional, envolvendo crianças de 6 e 7 anos de escolas públicas e particulares de Fortaleza, Ceará, realizado durante o período de abril a novembro de 2010.

Fortaleza situa-se numa planície litorânea, logo abaixo da linha do Equador, entre 3º 30' e 4º 30' de latitude e a 15,49 m de altitude. Sua extensao é de 4.667,8 Km2 e tem uma populaçao de 2.452.185 habitantes12. A temperatura média anual oscila entre 26 e 27 ºC, e a umidade relativa do ar situa-se em torno de 82%13. A qualidade do ar vem sendo monitorada pela medida dos níveis de dióxido de enxofre, material particulado e fumaça, sendo classificada, atualmente, como regular14. Segundo o Censo Demográfico 2010, 72,9% da populaçao ganhava até dois salários mínimos12.

A cidade é dividida em seis regionais administrativas e as escolas sao agregadas por regionais. Em 2009, a Secretaria de Educaçao do Estado do Ceará registrava 52.346 alunos na faixa etária de 6 e 7 anos, com uma pro-porçao entre estudantes de escolas públicas e privadas de aproximadamente 1:115. Essa relaçao foi mantida no estudo. Dentre as escolas que apresentavam em seus registros número igual ou superior a 50 alunos na faixa etária do estudo, 25 foram selecionadas, aleatoriamente, distribuídas entre as seis regionais administrativas.

Os dados foram coletados com a aplicaçao do questionário escrito do protocolo ISAAC, que é composto de três módulos - asma, rinite e eczema. Ele contempla as faixas etárias de 6 a 7 anos e de 13 a 14 anos, por refletirem, respectivamente, a de maior prevalência e a de maior mortalidade por asma, e sugere que a amostra seja de 3.000 sujeitos para cada faixa etária escolhida8. Utilizou-se o módulo asma, validado no Brasil por Solé et al.16. Em relaçao à traduçao do termo wheezing - chiado (sibilo, piado) - acrescentou-se a palavra "cansaço", em adiçao a "sibilo" e "piado", entre parênteses, por se tratar, assim como ocorre também em Recife17, de um termo frequentemente utilizado pela populaçao em nosso meio, para se referir às crises de asma. Ao longo deste trabalho, porém, a palavra "sibilo" será usada como traduçao de wheezing. Foram distribuídos 3.346 questionários a crianças de 6 e 7 anos, que os levaram para casa para serem respondidos pelos pais ou responsáveis e serem posteriormente devolvidos aos professores e recolhidos pelos pesquisadores e/ou os auxiliares de pesquisa. Os questionários foram acompanhados de carta com explicaçoes sobre o objetivo do estudo, além do termo de consentimento, e foram enviados até três vezes para aqueles pais que nao os retornavam no prazo de uma semana.

O questionário escrito contém quatro questoes referentes à ocorrência de sintomas da doença8: sibilos algum vez na vida (sibilos cumulativos); sibilos nos últimos 12 meses (asma ativa); sibilos desencadeados pelos exercícios; e tosse seca noturna na ausência de resfriado ou infecçao respiratória, nos últimos 12 meses. Além disso, esse módulo contém três questoes sobre a gravidade desses sintomas: número de crises de sibilos; sono interrompido por sibilos; e sibilos limitando a fala, nos últimos 12 meses. Ainda há uma questao sobre o diagnóstico médico de asma (asma alguma vez na vida). A maioria dessas questoes limita a investigaçao ao último ano para reduzir erros de memória e nao interferir com o mês de realizaçao do estudo8.

A prevalência de asma foi estimada pelo percentual de respostas positivas à pergunta sobre sibilos nos últimos 12 meses (asma ativa). A diferença entre as respostas positivas para "sibilos nos últimos 12 meses" e as respostas positivas para "asma alguma vez na vida" foi considerada como sendo subdiagnóstico de asma8,18. Consideraram-se como portadores de asma grave as crianças que apresentaram, nos últimos 12 meses, "quatro ou mais crises de sibilos", e/ou "sono interrompido por sibilos uma ou mais noites/semana", e/ou "sibilos limitando a fala". Essa última questao se refere aos episódios de asma aguda grave5,8.

As frequências das respostas positivas às questoes foram obtidas considerando-se o porcentual de respostas positivas para cada questao em relaçao ao número total de questionários válidos. Analisou-se a prevalência de asma e de sintomas associados por meio do teste z para proporçoes. Foram considerados estatisticamente significantes os resultados dos testes com p < 0,05. Os dados foram processados no software SPSS - Statistical Package for the Social Sciences, versao 15.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (Processo nº 09554007-5, FR 31889).

 

RESULTADOS

Foram distribuídos 3.346 questionários aos pais de estudantes de 6 e 7 anos (1.663 de escolas públicas e 1.683 de escolas particulares), obtendo-se taxa de retorno de 61,8% e de resposta, 60,4%, sendo obtidos 2.020 questionários válidos. Desses, 49,4% foram oriundos das escolas públicas e 50,6% das particulares. As características dos 2.020 escolares cujos questionários foram corretamente preenchidos encontram-se na Tabela 1, onde se observa que foi mantida a relaçao entre estudantes de escolas públicas e privadas de aproximadamente 1:1.

 

 

Nota-se na Tabela 2 que houve predomínio de sibilos cumulativos e de asma ativa entre escolares do gênero masculino, sem diferenças entre os gêneros para os demais sintomas pesquisados. Nota-se também que houve uma diferença entre a prevalência de "asma ativa" e a de "asma diagnosticada".

 

 

Verifica-se, na Tabela 3, que, à medida em que se aumenta o grau de morbidade, há aumento das taxas de asma diagnosticada.

 

 

Na Tabela 4 verifica-se que nao houve diferença estatisticamente significante de asma ativa entre os estudantes de escolas públicas e o grupo das escolas privadas. No entanto, dois sintomas relacionados à gravidade da asma - "sono interrompido por sibilos uma ou mais noites por semana" (p = 0,002) e "sibilos com limite da fala" (p = 0,002) - predominaram entre os estudantes de escolas públicas. Além disso, esse grupo também apresentou maiores taxas de "sibilos pós-exercícios" (p = 0,003) e "asma diagnosticada" (p = 0,015). Apenas a prevalência de "tosse seca noturna" (p = 0,002) foi maior no grupo das escolas privadas.

 

 

DISCUSSAO

A prevalência de asma situou-se dentro dos limi-tes observados no Brasil e no mundo para esta faixa etária.10,19 A taxa de sintomas cumulativos (52,6%) foi superior àquela encontrada em Salvador (43,1%) e Maceió (48,4%), mas semelhante à registrada em Sao Paulo (53,6%), que, ao lado de Havana, Cuba (52,5%), apresentaram as mais elevadas taxas de sibilos cumulativos da América Latina para esta faixa etária na fase III do ISAAC10,19. A taxa de sibilos cumulativos observada no presente estudo pode sugerir que, no nosso meio, existe um elevado índice de doenças respiratórias que cursam com sibilância.

A prevalência de asma ativa observada entre esses escolares (28,3%) esteve acima da média nacional registrada na fase III do ISAAC (24,3%)10. Ela foi superior à observada em Manaus (24,4%), que tem latitude semelhante à de Fortaleza e, embora tenha sido semelhante à taxa encontrada em Natal (29%), que tem valor de latitude próximo ao de Fortaleza, esteve também próxima da média observada para a regiao Sudeste (26,7%), apesar das diferenças de latitude10. Padrao semelhante foi observado entre adolescentes de 13 e 14 anos de Fortaleza12. Em relaçao aos centros inter-nacionais, a prevalência de asma ativa esteve abaixo daquelas observadas em Costa Rica (37,6%) e Havana, Cuba (31,6%)19.

Os estudos ISAAC revelaram que existem marcantes variaçoes nas prevalências de sintomas de asma entre diferentes áreas geográficas e populaçoes, mesmo em grupos geneticamente semelhantes, sugerindo que fatores ambientais estejam determinando essas variaçoes3-5,19. Embora esses fatores nao estejam totalmente esclarecidos, aspectos ambientais associados ao estilo de vida de populaçoes e famílias, tais como exposiçao a alérgenos, densidade familiar, sedentarismo, obesidade, status socioeconômico, hábitos alimentares e exposiçao precoce a infecçoes, entre outros, vêm sendo apontados como de grande relevância na explicaçao dessas diferenças e podem oferecer inte-ressantes oportunidades de prevençao6,7,20.

A morbidade/gravidade da asma apresentou-se relativamente baixa nessa populaçao, considerando-se a elevada prevalência de sibilos. A taxa de "4 ou mais crises de sibilos nos últimos 12 meses" (3,9%) foi inferior àquelas encontradas nas cidades de Sao Paulo (6,6%), Maceió (5,7%), e um pouco menor que a média nacional (4,5%)19. "Sono interrompido por sibilos uma ou mais noites por semana" (6,7%) apresentou taxa próxima à média brasileira (7,0%)19.

A questao sobre "sibilos com limite da fala" aponta para a asma aguda grave, sendo de relevância direta em comparaçoes internacionais sobre admissoes hospitalares e estatísticas de mortalidade. A média mundial desse sintoma foi de 4,9%, variando de 3,2% (Asia-Pacífico e Europa Oriental) a 9,5% (Oceania)5. No presente estudo, a taxa desse sintoma (4,1%) foi menor que a média encontrada nos estudos brasileiros da fase III do ISAAC (6,1%)10. Em estudo anterior realizado com a mesma metodologia, na faixa etária de 13 e 14 anos, observou-se padrao semelhante de distribuiçao dos sintomas de gravidade em relaçao às médias nacionais. A proporçao da taxa de sibilos com limite da fala com a de asma ativa (14,5%), no presente estudo, é considerada baixa (< 30%)5, assim como ocorreu em estudo comparativo recente entre adolescentes de 13 e 14 anos em Fortaleza (14,9%), cujos dados sugerem que esteja havendo melhor reconhecimento da doença na referida populaçao e que mais casos possam estar sendo tratados21.

No presente estudo, os sintomas relacionados à morbidade/gravidade da asma predominaram entre as crianças das escolas públicas (onde, supostamente, concentram-se os menos favorecidos economicamente), corroborando o encontro de maior taxa de asma diagnosticada nesse grupo em relaçao ao grupo das escolas particulares. Nesse sentido, verificou-se que, à medida em que se aumentava o grau de morbidade, o mesmo ocorria com as taxas de asma diagnosticada, assim como ocorreu em estudo anterior em outra faixa etária11. Outros estudos têm evidenciado maior gravidade da asma entre crianças de mais baixo nível socioeconômico22.

A taxa de tosse seca noturna (39,7%) esteve próxima daquelas registradas em Sao Paulo-Oeste (37,9%) e Nova Iguaçu (40%); e a de sibilos pós-exercícios (7,2%) foi semelhante àquelas encontradas em Manaus (8,5%), Maceió (8,6%), Sao Paulo-Oeste (8,6%) e Itajaí (7,7), estando próxima da média nacional (8,2%)10,19. Acredita-se que até 90% dos asmáticos apresentem algum grau de resposta brônquica aos exercícios. No entanto, a remissao espontânea, sem a necessidade de terapia broncodilatadora na maioria dos casos, além de uma história clínica nem sempre presente, resultam, geral-mente, no subdiagnóstico e subtratamento23.

O subdiagnóstico da asma tem sido observado também em outros estudos12,18,24,25. A questao "você já teve asma alguma vez na vida?" nao é um dado de alta sensibilidade para identificar os casos de asma. Além da percepçao do paciente ou de seus familiares e da percepçao e concepçao do médico assistente, outros fatores como incluindo a aceitaçao da doença e o uso de sinônimos para o termo "asma", interferem na resposta, que, como discutido acima, também sofre influência do grau de morbidade12,18.

O predomínio dos sintomas de asma no gênero masculino nessa faixa etária tem sido documentado também por outros autores24,25. A prevalência de sibilância geralmente é mais elevada no sexo masculino na primeira década de vida, quando o calibre das suas vias aéreas é menor que o das meninas, ocorrendo reversao a partir da puberdade26.

Estudos baseados em questionários podem ter limitaçoes relacionadas com a habilidade da populaçao estudada para compreender as questoes e fornecer respostas adequadas. Facilitando esse processo, porém, o questionário ISAAC apresenta-se com questoes objetivas, definidas e de fácil compreensao. Ele foi validado em vários países e também no Brasil, e vem sendo mundialmente aplicado, permitindo comparaçoes válidas de prevalência de asma e alergias entre diferentes cidades e países3,8,16.

No presente estudo, a avaliaçao da gravidade dos sintomas de asma pode ter sofrido interferência do tamanho amostral. Segundo os critérios do ISAAC, para se verificar apenas a prevalência dos sintomas, uma amostra de 1.000 crianças já seria suficiente, mas um tamanho amostral de 3.000 crianças seria o ideal para se avaliar também a gravidade dos mesmos.

Outra limitaçao diz respeito à dificuldade que se tem quanto ao retorno dos questionários, o que tem sido observado também em outros estudos25,27,28. Na fase I do ISAAC, a taxa de devoluçao dos questionários distribuídos variou de 60 a 100%, sendo os índices mais altos entre os adolescentes18. Supoe-se que a relutância dos pais para fornecer informaçoes pessoais, o possível medo de assinar o termo de consentimento ou desconfiança em relaçao às implicaçoes do estudo (observados pelos vários telefonemas recebidos dos pais pelos pesquisadores), o baixo índice de alfabetizaçao entre os pais (frequentemente relatado pelos professores), entre outros fatores, possam ter contribuído para a taxa de nao retorno. No entanto, as diferenças entre respondentes e nao respondentes em pesquisas sobre saúde respiratória podem ser mínimas e até nao causar vieses nos resultados finais das prevalências29,30. Nesse sentido, como discutido anteriormente, os dados obtidos no presente estudo estiveram dentro dos limites observados no Brasil e no mundo para a faixa etária estudada, e guardam coerência com observaçoes registradas em estudos anteriores na faixa etária de 13 e 14 anos11,21.

Em conclusao, o estudo evidencia que as prevalências de asma e sintomas entre os escolares de 6 e 7 anos morando em Fortaleza encontram-se acima das médias nacionais, com predomínio no gênero masculino e no grupo das escolas públicas, onde a asma também é mais grave. O estudo sugere também que a asma é subdiagnosticada na populaçao estudada.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às escolas e aos estudantes que participaram do estudo, bem como ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - que deu suporte financeiro para a realizaçao dessa pesquisa.

Agradecemos também aos enfermeiros Francisco Chagas Gomes, Ana Lúcia Barbosa de Luna e Anaslena Bastos de Souza pela expressiva contribuiçao prestada no trabalho de campo.

 

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