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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Maio-Junho 2013 - Volume 1  - Número 3


CARTA AO EDITOR

Prednisolona na sibilância induzida por vírus

Nelson Augusto Rosario Filho


DOI: 10.5935/2318-5015.20130020

MD, PhD. Professor Titular de Pediatria, Universidade Federal do Paraná, UFPR


Endereço para correspondência:

E-mail: nelson.rosario@ufpr.br


Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao desta carta.




Prezado Editor,

Os corticosteroides sao amplamente empregados por via oral no tratamento de doenças alérgicas cutâneas e respiratórias. Por tempo prolongado podem ter efeitos secundários sérios, limitando sua utilizaçao especialmente em crianças e idosos. A identificaçao precoce de crianças com alto risco de asma é baseada em características atópicas, especialmente sensibilizaçao a aeroalérgenos. Sibilância associada ao rinovírus humano (HRV) é um fator de risco precoce e significativo para sibilância recorrente e asma.

A suscetibilidade a infecçoes graves por HRV está relacionada à presença de atopia, baixos níveis de interferon in vivo e lesao epitelial in vitro.

O tratamento de sibilância recorrente e exacerbaçoes de asma consiste em corticosteroides sistêmicos e inalatórios, porém estas drogas nao foram eficazes no tratamento do primeiro episódio de sibilância na maioria dos estudos1. O objetivo do estudo de Lukkarinen et al. ora apresentado foi avaliar os fatores de risco para sibilância recorrente e o efeito da prednisolona no desenvolvimento de sibilância recorrente e em subgrupos relacionados com a infecçao viral e a presença de eczema1.Cento e onze crianças hospitalizadas por sibilância com idade média de 12 meses foram incluídas em estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo e acompanhadas por 7 anos. Os fatores de risco para sibilância recorrente foram analisados e, a partir daí, a eficácia da prednisolona foi avaliada na prevençao de sibilância recorrente. O fator de risco independente mais forte para sibilância recorrente foi a detecçao de HRV, seguido por sensibilizaçao alérgica, idade menor que 1 ano e eczema. Prednisolona estava associada a menos sibilância recorrente nas crianças infectadas por HRV (ajustado para sensibilizaçao, idade, etiologia viral e pais com asma) e/ou com eczema.

Este é o primeiro estudo que avalia prognóstico até a idade escolar, do primeiro episódio de sibilância com a inclusao de características atópicas e virais, e estimou a eficácia a longo prazo da prednisolona por via oral. Demonstrou-se que sensibilizaçao a aeroalérgenos e infecçoes por HRV sao fatores preditivos importantes de sibilância recorrente no primeiro episódio de sibilância. O tratamento com prednisolona reduziu o risco de sibilância recorrente em crianças com infecçao por HRV e/ou eczema, e que o efeito persistiu por todo o período de acompanhamento (7 anos)1. O risco associado a infecçoes por HRV foi explicado pela maior suscetibilidade a infecçoes do trato respiratório inferior em indivíduos com características atópicas, lesao do epitélio das vias aéreas e resposta diminuída de interferon α, β, κ e IL-10. As crianças com infecçao por HRV em comparaçao aos outros vírus eram mais sensibilizadas (29% vs. 7-9%). Sibilância induzida por HRV foi associada ao declínio precoce da funçao pulmonar e doença mais grave quando comparada a RSV. Os dados analisados sugerem que o risco de asma precoce aumenta com infecçoes por HRV.

A eficácia da prednisolona em crianças afetadas por HRV e/ou eczema sugerem que sibilância induzida por HRV e eczema estao relacionados com inflamaçao pré-existente pela atopia, e que a prednisolona reduz essa inflamaçao quando administrada precocemente. Os glicocorticoides preservam a barreira epitelial, protegendo contra infecçoes por vírus respiratórios, reprimem a transcriçao de muitos genes inflamatórios e induzem a expressao de vários genes anti-inflamatórios. Além disso, os corticoides inibem a up-regulation induzida por HRV do seu próprio receptor ICAM-1 na mucosa pulmonar2. Reduçao de sibilância recorrente pelo uso da prednisolona em crianças com HRV e/ou eczema sugere que a inflamaçao pré-existente das vias aéreas, relacionada à atopia, aumenta a suscetibilidade à sibilância por HRV. A administraçao precoce de corticoide no primeiro episódio de sibilância e no curso inicial da doença aguda pode ser um fator relevante para a eficácia clínica a longo prazo1.

O rótulo de asma para sibilância induzida exclusivamente por infecçao viral respiratória é excessivo e leva, por sua vez, ao inadequado emprego de corticosteroides3,4. O reverso também é verdadeiro: crianças com asma clinicamente estabelecida nao sao diagnosticadas como tal, e, consequentemente, o tratamento nao é adequado5. A asma se inicia antes dos três anos de idade na maioria dos casos, e sibilância recorrente no primeiro ano de vida é comum. Os fenótipos se sobrepoem nesta faixa etária e o pediatra prescreve medicaçao para controle da asma sem considerar se os sintomas sao frequentes e intensos, ou se há resposta clara ao tratamento6,5. Além disso, crianças de 2-3 anos de idade com sibilância recorrente e tratadas com corticoide inalatório por 2 anos em doses baixas (176 µg fluticasona/dia) embora nao tivessem retardo no crescimento linear, quando separadas em subgrupos em análise post hoc, as de baixo peso e idade menor de 2 anos no início do tratamento tiveram menor crescimento linear que as demais7.

Corticosteroides sao o tratamento mais efetivo, apesar de controverso, para pré-escolares com asma e sibilância recorrente. Budesonida inalatória após o primeiro episódio de sibilância nao foi capaz de evitar a progressao da sibilância intermitente para persistente, e nao apresentou benefícios em curto prazo nos episódios de sibilância nos primeiros três anos de vida8. Comparando-se o uso episódico de corticosteroide inalatório , antileucotrieno e placebo em pré-escolares com sibilância intermitente moderada a grave, nao houve diferença nas proporçoes de dias livres de sintomas e necessidade de corticosteroide oral durante doze meses de seguimento, mas ocorreu reduçao nos indicadores de gravidade da doença, particularmente naqueles com índice preditivo para asma positivo8. Em crianças de dois a três anos com risco para asma, fluticasona reduziu significativamente sintomas e exacerbaçoes, mas nao houve alteraçao no desenvolvimento da asma ou da funçao pulmonar no terceiro ano livre de tratamento7-9. Há evidências de que os primeiros episódios de sibilância em lactentes, mesmo quando atópicos, e induzidos por vírus respiratório sincicial (VRS), nao respondem ao uso de corticosteroides sistêmicos10.

O seguimento de lactentes por um ano após o primeiro episódio de sibilância mostrou que 37% deles apresentaram sibilância recorrente mesmo quando foram tratados com prednisolona por curto período11. O risco para sibilância recorrente entre os que utilizaram placebo foi cinco vezes maior naqueles que apresentavam infecçao por rinovírus do que naqueles com infecçao por VRS. Entre os que tiveram infecçao por rinovírus e usaram prednisolona houve reduçao da sibilância recorrente, fato nao observado naqueles que tinham infecçao por VRS. A resposta ao tratamento foi melhor naqueles que apresentavam eczema11,12. Isso mostra que se há benefícios no uso de corticosteroides sistêmicos em lactentes com sibilância associada a infecçao respiratória viral, devem estar relacionados a concomitância de doença alérgica13. Em pré-escolares com sibilância leve a moderada induzida por vírus, que procuraram serviços de emergência, prednisolona administrada por cinco dias nao modificou o tempo de hospitalizaçao e a persistência de sintomas, nem mesmo para os que apresentaram índice preditivo para asma14. Esse estudo, porém, teve a limitaçao de nao realizar a identificaçao laboratorial dos vírus respiratórios14.

Além da atopia, outro fator imunológico de importância é a produçao de interferon. Os interferons sao mecanismos nao específicos de defesa contra agentes virais. Dados clínicos e experimentais demonstram que respostas deficientes de interferon estao inversamente relacionadas com a gravidade da infecçao viral, frequência e presença de sibilância. Coincidentemente, respostas reduzidas de IFN-γ sao observadas nas crianças com atopia, o que explica em parte porque atopia é um fator de risco para sibilância induzida por rinovírus e a posterior progressao para asma15,16.

Portanto, prednisolona por via oral diminuiu o risco de sibilância recorrente em crianças com infecçao pelo rinovírus humano e/ou eczema. Glicocorticoides inibem a expressao aumentada pelo rinovírus de ICAM-1 (intercellular adhesion molecule-1), o seu próprio receptor nas células epiteliais da mucosa respiratória. A administraçao precoce de prednisolona, ou seja, no primeiro episódio e no início dos sintomas da doença aguda pelo rinovírus, pode ser relevante para sua eficácia clínica a longo prazo. Sibilância induzida por rinovírus comparada ao vírus respiratório sincicial está associada à diminuiçao da funçao pulmonar precocemente, doença mais grave e coortes de alto risco para asma. A indicaçao de prednisolona no tratamento da sibilância ou asma induzida por infecçao viral seria mais racional e efetiva se o agente viral (rinovírus) fosse detectado nas secreçoes, com início rápido da administraçao da medicaçao e nos pacientes com eczema. Isto poderia evitar o uso desnecessário de corticosteroide oral nas infecçoes respiratórias virais, e, especialmente, quando nao há sibilância associada.

 

REFERENCIAS

1. Lukkarinen M, Lukkarinen H, Lehtinen P, Vuorinen T, Ruuskanen O, Jartti T. Prednisolone reduces recurrent wheezing after first Rhinovirus wheeze: a 7-year follow-up. Pediatr Allergy Immunol. 2013:24:237-43.

2. de Benedictis FM, Bush A. Corticosteroids in respiratory diseases in children. Am J Respir Crit Care Med. 2012:185:12-23.

3. Chong Neto HJ, Rosário NA. Are oral corticosteroids been used excessively in the treatment of wheezing in infants? J Bras Pneumol. 2011;37:133-4.

4. Rosario NA, Chong Neto HJ. Are we overtreating recurrent wheezing in infancy? Allergol Immunopathol. 2009;37:276-8.

5. Chong Neto HJ, Rosario NA, Grasselli EA, et al. Fármacos para asma na sibilância recorrente em lactentes: "primum non nocere"? Rev bras alergia imunopatol. 2011;34:263-4.

6. Bisgaard H, Hermansen MN, Loland L, Halkjaer LB, Buchvald F. Intermittent inhaled corticosteroids in infants with episodic wheezing. N Engl J Med. 2006;354:1998-2005.

7. Guilbert TW, MD, Mauger DT, Allen DB, et al. Growth of preschool children at high risk for asthma 2 years after discontinuation of fluticasone. J Allergy Clin Immunol. 2011;128:956-63.

8. Bacharier LB, Phillips BR, Zeiger RS, Szefler SJ, Martinez FD, Lemanske RF, et al. Episodic use of an inhaled corticosteroid or leukotriene receptor antagonist in preschool children with moderate-to-severe intermittent wheezing. J Allergy Clin Immunol. 2008;122:1127-35.

9. Guilbert TW, Morgan WJ, Zeiger RS, Mauger DT, Bohemer SJ, Szefler SJ, et al. Long-term inhaled corticosteroids in preschool children at high risk for asthma. N Engl J Med. 2006;354:1985-97.

10. Jartti T, Lehtinen P, Vanto T, et al. Evaluation of the efficacy of prednisolone in early wheezing induced by rhinovirus or respiratory syncytial virus. Pediatr Infect Dis J. 2006:25:482-8.

11. Lemanske RF Jr, Jackson DJ, Gangnon RE, Evans MD, Li Z, Shult PA, et al. Rhinovirus illnesses during infancy predict subsequent childhood wheezing. J Allergy Clin Immunol. 2005;116:571-7.

12. Lehtinen P, Ruohola A, Vanto T, Vuorinen T, Ruuskanen O, Jartti T. Prednisolone reduces recurrent wheezing after a first wheezing episode associated with rhinovirus infection or eczema. J Allergy Clin Immunol. 2007;119:570-5.

13. Jartti T, Lee WM, Pappas T, Evans M,Lemanske RF Jr, Gern JE. Serial viral infections in infants with recurrent respiratory illnesses. Eur Respir J. 2008:32:314-20.

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15. Jartti T, Kuusipalo H, Vuorinen T, et al. Allergic sensitization is associated with rhinovirus-,but not other virus-, induced wheezing in children. Pediatr Allergy Immunol. 2010:21:1008-14.

16. Jartti T, Korppi M. Rhinovirus-induced bronchiolitis and asthma development. Pediatr Allergy Immunol. 2011;22:350-5.

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