A evolução visual da dermatite atópica: de ilustrações históricas dos séculos XVIII e XIX à fotografia e imagens geradas por inteligência artificial
The visual evolution of atopic dermatitis: from 18th- and 19th-century historical illustrations to photography and AI-generated images
Bruno Emanuel Carvalho Oliveira
Instituto de Alergia de Natal, Alergia e Imunologia Clínica Natal, RN, Brasil
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.
Caro editor,
O historiador romano Suetônio (nascido por volta de 69 d.C.) deixou um importante registro histórico sobre o imperador romano Augusto (63 a.C. - 14 d.C.), no qual descreve não apenas sinais de dermatite atópica, mas também condições como asma e rinite. Seu relato inclui as seguintes observações: "Diz-se que seu corpo era marcado por uma série de manchas duras e secas sugerindo tínea, causadas por coceira na pele e pelo uso excessivo do raspador nos banhos".Mais adiante, o autor acrescenta que Augusto era sujeito a "certos distúrbios sazonais:no início da primavera, uma sensação de aperto no diafragma; e quando soprava o siroco, coriza". Parece não haver dúvidas de que a combinação de lesões cutâneas liquenificadas, sintomas asmáticos e rinite indica uma predisposição atópica.
Os registros de ilustrações de dermatite atópica podem ser observados a partir do século XVIII.Temos disponíveis inúmeras imagens históricas, como as de Robert Willan, em seu livro "On cutaneous diseases" publicado em 1798, as ilustrações fotográficas contidas no livro "Photographic Illustrations of Skin Diseases", de George Henry Fox, e as imagens da primeira enciclopédia de dermatologia, "Pratique Dermatologique", publicada em 1900.Esta obra, coautoria dos renomados médicos franceses Ernest Henri Besnier, Louis-Anne-Jean Brocq e Lucien Jacquet, é um marco na história da dermatologia pelo rigor científico e pela riqueza visual que trazia. Com uma coleção abrangente de descrições clínicas detalhadas e ilustrações meticulosas das doenças de pele, o tratado consolidou-se por sua abordagem interdisciplinar, tratando a dermatologia com precisão clínica e estética. As ilustrações de alta qualidade capturavam as características das lesões dermatológicas com impressionante fidelidade, tornandoseum recurso indispensável para médicos, pesquisadores e estudantes. A obra influenciou significativamente os padrões de diagnóstico e o entendimento das doenças cutâneas ao longo do século XX.
Muitas descrições clínicas de doenças que poderiam ser o que hoje chamamos de dermatite atópica já haviam sido meticulosamente documentadas em tratados anteriores, como o publicado por Thomas Carrere, em 1740. Desde então, figuras notáveis como Alibert e Rayer, na França;Hebra e Neumann, em Viena;e Duhring e Fox, nos EUA, enriqueceram a dermatologia com atlas ilustrados contendo imagens espetaculares de adultos e crianças com dermatite atópica e outras condições que, na época, poderiam ser vistas como manifestações do "eczema infantil".Estes atlas visuais influenciaram profundamente a prática médica, oferecendo aos profissionais de saúde uma referência visual essencial para o diagnóstico e compreensão da dermatologia.
Robert Willan (1754-1812) foi um médico britânico pioneiro no campo da dermatologia, amplamente reconhecido por sua abordagem inovadora e sistemática ao estudo das doenças de pele. Ele foi o primeiro a classificar as condições dermatológicas de forma organizada, baseando-se nas características visuais das lesões cutâneas. Seu trabalho continha ilustrações coloridas detalhadas, sendo uma das primeiras obras a incluir representações visuais de doenças de pele. Embora a dermatite atópica não seja mencionada explicitamente, propomos a avaliação de uma imagem nomeada por Willan como "Strophulus confertus" (Figura 1) onde podemos observar lesões que sugerem dermatite atópica infantil. Existem poucas imagens de dermatologia pediátrica no século XVIII, e esta, em particular, é muito valorizada, apresentando uma similaridade significativa com a dermatite atópica.
Louis Duhring(1845-1913) foi um renomado dermatologista norte-americano, considerado um dos fundadores da dermatologia nos EUA. Ex-professor na Universidade da Pensilvânia, ele é amplamente lembrado por suas contribuições ao estudo das doenças de pele.Seu livro "Atlas of Skin Diseases", publicado em 1876, oferece pranchas magníficas, tanto do ponto de vista artístico quanto em precisão semiológica. Uma das imagens é a de um bebê, e é, sem dúvida, uma das mais belas representações artísticas médicas do século XIX no que diz respeito ao eczema infantil, pois o artista representa com grande exatidão as lesões elementares da doença, em um retrato impressionante pela sua beleza estética (Figura 2). A doença foi denominada por ele como "Eczema rubrum" e é acompanhada pela seguinte descrição:"Menino de um ano de idade. A criança estava perfeitamente saudável ao nascer.A doença cutânea apareceu no segundo mês, começando nas bochechas com manchas vermelhas, que ficaram progressivamente mais intensas. A doença atualmente afeta a testa, na forma de manchas avermelhadas.Inicialmente, houve edema, espessamento da pele e uma discreta descamação com prurido considerável. Após algumas semanas, as lesões tornaram-se úmidas e exsudativas, com a aparição de um líquido da cor de mel formando crostas amarelas. Este caso é representativo de muitos eczemas infantis. A doença tende a se tornar crônica, com o processo se repetindo de tempos em tempos, às vezes com surtos mais graves. Pode persistir por meses ou anos. O rosto pode ser a única região afetada ou, como acontece frequentemente, outras partes do corpo podem ser atingidas ao mesmo tempo. As causas do eczema infantil costumam ser obscuras. Muitas vezes, há uma dieta inadequada. Contudo, na maioria dos casos, nenhuma causa pode ser identificada, exceto a existência de uma predisposição ao eczema, que pode ser hereditária ou adquirida". Em outra prancha do livro, ele retrata o eczema em um adulto, capturando a expressão do homem e seu olhar, carregados de simbolismo, refletindo os profundos impactos da doença (Figura 3). Esta prancha também contém uma descrição: "Homem de 45 anos, irlandês. A pele do rosto está seca em todas as áreas e com uma textura áspera".
George Henry Fox (1846-1937) foi um importante dermatologista norte-americano que, em 1880, publicou "Photographic Illustrations of Skin Diseases". Essa obra foi uma das primeiras a utilizar fotografias reais para documentar e ilustrar doenças de pele, uma inovação significativa na época. O livro inclui imagens detalhadas de várias condições dermatológicas, capturando as características visuais das lesões com maior precisão do que os desenhos e ilustrações usados até então.Isso marcou um avanço na forma como as doenças de pele eram estudadas e diagnosticadas, tornando as representações mais acessíveis e fiéis à realidade clínica. Uma fotografia impressionante de um bebê dormindo é apresentada nesse livro. Embora em preto e branco, Fox pintou o rosto da criança de vermelho, destacando as crostas e feridas para evidenciar o intenso processo inflamatório. A imagem captura um raro instante de leveza e repouso para o bebê, que provavelmente sofria intensamente com a doença (Figura 4).
Uma série de gravuras coloridas, litografias e fotografias em preto e branco mostrou, com uma precisão crescente, a semiologia da dermatite atópica no contexto de representações artísticas de alta qualidade ao longo da história. No início do século XX, a apresentação clínica, o curso e a hereditariedade da doença estavam perfeitamente estabelecidos, introduzindo uma nova era de pesquisa em fisiopatologia e tratamento nas décadas seguintes.
Atualmente, a inteligência artificial desempenha um papel cada vez mais crucial na Medicina e, particularmente na dermatologia, oferece ferramentas inovadoras para diagnóstico, tratamento e pesquisa de doenças de pele. A inteligência artificial é capaz de analisar grandes volumes de dados clínicos e imagens, identificando padrões que podem passar despercebidos ao olho humano. Essa tecnologia não apenas melhora a precisão no diagnóstico de condições dermatológicas, mas também possibilita a geração de ilustrações e fotografias simuladas de diversas doenças de pele, como a dermatite atópica.A capacidade da inteligência artificial de reproduzir imagens realistas tem implicações significativas para várias áreas, incluindo pesquisa clínica, educação médica e treinamento de profissionais de saúde. Por exemplo, a criação de representações visuais detalhadas de doenças permite que estudantes e profissionais aprendam a identificar características clínicas de forma mais eficaz, melhorando suas habilidades diagnósticas. Além disso, a inteligência artificial pode ser utilizada para desenvolver modelos preditivos, ajudando na avaliação do prognóstico e na personalização do tratamento.
Na Figura 5 apresentamos uma imagem gerada por inteligência artificial, a qual foi produzida no ChatGPT a partir de um comando para reproduzir a dermatite atópica grave em uma criança. Esta representação serve como um recurso educativo valioso, permitindo que médicos e pesquisadores visualizem e discutam os aspectos clínicos e estéticos da doença, promovendo uma melhor compreensão da experiência dos pacientes. Com o avanço contínuo da inteligência artificial, espera-se que essa tecnologia transforme a Medicina, facilitando o acesso a diagnósticos mais rápidos e precisos, aprimorando a educação médica e, em última instância, melhorando os resultados para os pacientes. Apesar de todos esses benefícios, temos que ficar muito atentos com a veracidade e fidedignidade das lesões dermatológicas representadas e nunca nos esquecer de que um exame clínico bem-feito e uma anamnese cuidadosa ainda é nossa ferramenta vital de trabalho e nunca deverá ser desvalorizada mesmo diante da introdução na prática médica dessas grandes tecnologias.
Como podemos observar, a evolução visual da dermatite atópica, desde suas primeiras representações em ilustrações médicas até as imagens geradas por inteligência artificial, revela não apenas a mudança nas técnicas e tecnologias disponíveis, mas também uma maior compreensão da doença ao longo do tempo. As ilustrações históricas e as fotografias capturaram as experiências do paciente diante de sua doença e enriqueceram o conhecimento, enquanto as inovações atuais oferecem novas perspectivas para o diagnóstico e tratamento.Essa jornada visual não apenas documenta a evolução histórica da Medicina, mas também reflete a busca contínua pela empatia e pela melhor compreensão das condições que afetam a qualidade de vida dos pacientes.
Referências
1. Willan R. On cutaneous diseases. London: J Johnson; 1808. [The first part was published in 1798, and the 1808 edition unites the first 4 parts.]
2. Cribier B. Dermatite atopique: images historiques. Ann Dermatol Venereol. 2017;144:S2-S13.
3. Duhring LA. Atlas of Skin Diseases. Philadelphia: Lippincott; 1876.
4. Fox GH. Photographic Illustrations of Skin Diseases. New York: EB Treat; 1880.
5. Liopyris K, Gregoriou S, Dias J, Stratigos AJ. Artificial intelligence in dermatology: challenges and perspectives. Dermatol Ther. 2022 Oct 28;12(12).
6. Mier PD. Earliest description of the atopic syndrome? Br J Dermatol. 1975 Mar 1;92(3):359-69.
7. Wallach D, Coste J, Tilles G, Alain Taïeb. The first images of atopic dermatitis: an attempt at retrospective diagnosis in dermatology. J Am Acad Dermatol. 2005 Oct 1;53(4):684-9.
8. OpenAI. ChatGPT [Internet]. San Francisco: OpenAI; 2024. Disponível em: https://chat.openai.com/. Acessado em: 26/10/2024.