Logo ASBAI

Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Outubro-Dezembro 2024 - Volume 8  - Número 4


Comunicação Clínica e Experimental

Anafilaxia induzida por milho: rara, mas possível

Corn-induced anaphylaxis: rare but possible

Ana Paula Brito Dias1; Daniela de Abreu e Silva Martinez1; Sergio Duarte Dortas-Junior1,2; José Elabras-Filho1


1. Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF-UFRJ), Serviço de Imunologia - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP/UNIFASE), Departamento de Clínica Médica - Petrópolis, RJ, Brasil


Endereço para correspondência:

Ana Paula Brito Dias
E-mail: apbritodias@yahoo.com.br


Submetido em: 07/11/2024
Aceito em: 21/12/2024.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

A anafilaxia é caracterizada como uma reação alérgica sistêmica com risco de vida e importante impacto na qualidade de vida, que pode incluir uma variedade de sinais e sintomas clínicos. Os alimentos mais comuns que causam reações de hipersensibilidade alimentar são leite, ovo, amendoim, nozes, peixe e marisco. Existem poucos relatos de alergia ao milho documentados, particularmente anafilaxia induzida por milho. Além disso, o amido de milho é um excipiente comum em medicamentos, e indivíduos alérgicos ao milho têm um risco aumentado de apresentar reações. Relatamos o caso de uma paciente que apresentou anafilaxia devido à ingestão de milho e a um medicamento contendo amido de milho como excipiente.

Descritores: Anafilaxia, hipersensibilidade alimentar, efeitos colaterais e reações adversas relacionados a medicamentos, amido.




Introdução

A anafilaxia representa uma grave reação de hipersensibilidade sistêmica1, de apresentação aguda, com importante impacto na qualidade de vida do paciente, com potencial evolução para choque, insuficiência respiratória e óbito1-3. Dentre os diversos desencadeantes, estão os alérgenos alimentares, uma das causas que mais contribui para o aumento da prevalência de anafilaxia, sendo a causa mais comum na infância1,2. Em sua maioria, as reações alérgicas associadas a alimentos são por mecanismo mediado por IgE. Assim, a sensibilização pode ser avaliada pela determinação de IgE específica ou por testes cutâneos de leitura imediata3. São muitos os alimentos que podem causar reação anafilática, porém os responsáveis por cerca de 80% a 90% das reações são os alérgenos do ovo, leite, soja, trigo, peixes, crustáceos e oleaginosas, como o amendoim, nozes e castanhas4. Apesar de cereais serem responsáveis por cerca de 70% da ingestão mundial de proteínas, a prevalência destes como agentes de eventos de hipersensibilidade está pouco documentada5. O milho, um dos cereais mais presentes na dieta de várias populações, apesar de raro agente causal de alergia alimentar, quando ocorre, tem potencial gravidade6. Além de presente na dieta da população, o amido que pode ser extraído do arroz, batata, tapioca, mas também do milho. É um excipiente comum de medicamentos, presente em cerca de 37% destes. Indivíduos alérgicos ao milho possuem maior probabilidade de apresentar reação a excipientes de amido de milho em medicamentos7,8. Nosso objetivo é relatar o caso de uma paciente com história de anafilaxia induzida por ingestão de milho, diagnosticada em um Hospital Universitário, seguida por nova reação após ingesta de medicamento com amido de milho como excipiente.

 

Relato de caso

Paciente feminino, 63 anos de idade, cozinheira, com história prévia de hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo II e rinite alérgica, apresentou angioedema nas pálpebras e lábios, evoluindo com dispneia após contato com formigas que estavam próximas a farinha de milho. Procurou pronto atendimento onde foi diagnosticada com anafilaxia. Foram administrados adrenalina, anti-histamínico e corticosteroide, com reversão do quadro. Referia prurido em orofaringe ao manipular milho, o que fazia frequentemente por questões ocupacionais. Em outra ocasião apresentou angioedema de laringe e dispneia cerca de 10 minutos após ingerir alimento contendo farinha de milho, sendo instituído o mesmo tratamento do episódio anterior. Realizada dosagem, por quimioluminescência, de IgE total = 206 UI/mL e específica para milho = 9,95 KU/L, IgE específica para trigo, ácaros, formiga e fungos < 0,10 KUA/L. Devido à relação causa/efeito presente na história, associada à positividade da IgE específica para milho, além de ausência de novos episódios após a exclusão dietética, optamos por não realizar o teste de provocação, sendo estabelecido o diagnóstico de anafilaxia induzida por milho. A paciente foi orientada quanto à exclusão do alimento e cuidados frente a exposições acidentais. Após a exclusão de contato e ingesta de milho ou derivados, não apresentou novos episódios. Alguns meses após o último evento referiu quadro de coriza, espirros limitantes, sendo feito uso de anti-histamínico de segunda geração (loratadina). Poucos minutos depois a paciente apresentou desconforto abdominal e prurido em orofaringe, sintomas semelhantes aos apresentados anteriormente quando do contato com milho. Diante de tal fato, paciente checou bula da medicação (loratadina), sendo identificado o amido de milho entre os excipientes, recorrendo ao uso de dexclorfeniramina, com melhora de sintomas.

 

Discussão

A anafilaxia induzida por milho é rara e pouco descrita na literatura5. A suspeita se dá com base, principalmente, na história clínica e nos sintomas característicos da doença, sendo descartadas outras causas e tendo a ausência de novos episódios após a exclusão do alimento. O teste de provocação oral é o padrão ouro para o diagnóstico, mas deve ser reservado para os casos em que a história é confusa e a hipótese incerta. Devido ao milho ser um alimento extremamente presente na culinária mundial, além de ser o amido um importante excipiente em diversas medicações, a ingestão acidental e potencial evolução para anafilaxia é uma realidade preocupante. Diante de tal história, nossa equipe realizou pesquisa dentre as dez medicações mais prescritas em 2023, segundo levantamento da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (PróGenéricos), para identificar quais poderiam conter amido em sua composição9. Foram pesquisadas as bulas de tais medicamentos, dos principais laboratórios que as fornecem, e, em pelo menos um deles, foi encontrado o amido como excipiente: losartana, dipirona, hidroclorotiazida, enalapril, atenolol e simeticona (comprimido) (Tabela 1). Outra classe importante pesquisada e muito utilizada pela Alergia e Imunologia, bem como ilustrado no caso acima, são os anti-histamínicos de segunda geração, sendo também pesquisados quanto à composição dos medicamentos dos principais laboratórios que fornecem genéricos, e apenas na desloratadina não foi encontrado excipiente com amido em nenhum dos medicamentos pesquisados (Tabela 2).

 

 

 

 

Conclusão

No tratamento de casos de anafilaxia por milho, além das orientações dietéticas, deve-se atentar ao prescrever e dispensar medicamentos, bem como rever a prescrição do paciente, e orientá-lo, pois até mesmo diferentes marcas do mesmo princípio farmacêutico ativo podem apresentar excipientes diferentes.

 

Referências

1. Golden DBK, Wang J, Waserman S, Akin C, Campbell RL, et al. Anaphylaxis: A 2023 practice parameter update. Ann Allergy Asthma Immunol. 2024;132:124-76.

2. Silva EGM, Castro FFM. Epidemiology of anaphylaxis. Braz J Allergy Immunol. 2014;2:21-7.

3. Bernd LAG, Solé D, Pastorino AC, Prado EA, Castro FFM, Rizzo MCV, et al. Anafilaxia: guia prático para o manejo. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2006;29(6):283-91.

4. Eismann FCP, Venturim VD, Barreto BAP. Correlação entre o autodiagnóstico de alergia alimentar e a presença de IgE específica. Arq Asma Alerg Imunol. 2020;4:341-6.

5. Venter C, Skypala I, Dean T. Maize allergy: what we have learned so far. Clin Exp Allergy. 2008;38:1844-6.

6. Tanaka LG, El-Dahr JM, Lehrer SB. Double-blind, placebo-controlled corn challenge resulting in anaphylaxis. J Allergy Clin Immunol. 2001;107:744.

7. Lukose L, Seth S, Sud K, Nankivell B, Nicdao MA, Castelino RL. Hidden danger: maize starch excipient allergy. Med J Aust. 2024 Mar 4;220(4):184-5.

8. Reker D, Blum SM, Steiger C, Anger KE, Sommer JM, Fanikos J, et al. "Inactive" ingredients in oral medications. Sci Transl Med. 2019 Mar 13;11(483):eaau6753.

9. Conselho Federal de Farmácia [Internet]. Brasil: Losartana, dipirona, sildenafila e tadalafila na lista dos genéricos mais vendidos em 2023. Disponível em: https://site.cff.org.br/noticia/Noticias-gerais/15/02/2024/brasil-losartana-dipirona-sildenafilae-tadalafila-nas-lista-dos-genericos-mais vendidos-em-2023.

2025 Associação Brasileira de Alergia e Imunologia

Rua Domingos de Morais, 2187 - 3° andar - Salas 315-317 - Vila Mariana - CEP 04035-000 - São Paulo, SP - Brasil - Fone: (11) 5575.6888

GN1 - Sistemas e Publicações