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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Outubro-Dezembro 2023 - Volume 7  - Número 4


CARTA AO EDITOR

Eficácia e segurança de um algoritmo para tratamento de gestantes com sífilis e história de alergia à penicilina

Effectiveness and safety of an algorithm for the treatment of pregnant women with syphilis and a history of penicillin allergy

Bruna Gehlen; Pedro Giavina-Bianchi


Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia, Faculdade de Medicina da USP - São Paulo, SP, Brasil


Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.




A ciência proporciona grandes oportunidades acadêmicas, além de ser essencial para o desenvolvimento de qualquer sociedade. E graças ao incentivo diário que tive durante minha formação como Alergista e Imunologista tive a grande felicidade de apresentar meu trabalho de mestrado "Algorithm for treatment of pregnant women with syphilis and history of allergy to penicillin - effectiveness and safety" em um evento internacional, que foi o Congresso Mundial de Alergia (WAC- 2023) realizado pela World Allergy Organization, na Tailândia. O nosso estudo foi o único realizado fora da Ásia que ganhou o prêmio de melhor estudo com apresentação oral. O Congresso teve 1.336 participantes, de 57 países, com 148 palestrantes.

Nosso estudo é sobre um algoritmo para tratamento de gestantes com sífilis e história de alergia à penicilina. Além de sua importância acadêmica, o estudo é muito relevante para a sociedade, visto o que ele proporciona para as pacientes que aderiram e ainda irão aderir à pesquisa.

No caso das gestantes, o tratamento da sífilis deve ser iniciado imediatamente após um teste reagente, independente do teste utilizado e do valor encontrado. Além disso, nos casos em que as evidências não são claras para confirmar a infecção, ou mesmo para as gestantes que tenham tido contato sexual com pessoa sabidamente portadora de sífilis, o tratamento imediato também deve ser iniciado. A sífilis congênita é uma condição evitável, desde que haja identificação da infecção durante a gestação (por meio de um pré-natal eficaz) e tratamento adequado1-6.

O único tratamento eficaz para sífilis gestacional envolve o uso da penicilina benzatina, devido à biodisponibilidade da medicação para o feto, garantindo o tratamento do binômio mãe-filho. É importante ressaltar que não há evidências de resistência de T. pallidum à penicilina no Brasil e no mundo, e que o tratamento de primeira linha para sífilis em pacientes não gestantes também envolve o uso da penicilina. No caso de gestantes comprovadamente alérgicas à penicilina benzatina, o Ministério da Saúde no Brasil recomenda o encaminhamento da paciente a serviço terciário especializado para realizar o procedimento de dessensibilização, de acordo com protocolos existentes2,3,5.

As penicilinas estão entre as causas mais comuns de reações alérgicas induzidas por drogas e podem se manifestar como uma variedade de quadros clínicos, desde reações alérgicas mais leves (exantema, urticária ou angioedema) até anafilaxia7. No entanto, as consequências associadas à rotulagem equivocada de alergia à penicilina estão bem documentadas e ocorrem tanto em nível individual quanto de saúde pública8. E em gestantes, também há efeitos adversos à saúde associados à alergia à penicilina autorreferida, incluindo aumento do risco de cesariana e aumento do tempo de internação hospitalar9. Portanto, o rótulo equivocado de alergia à penicilina deve ser visto como uma ameaça à saúde individual e pública, e as histórias clínicas de supostas reações ao medicamento devem ser detalhadas e abordadas10.

O objetivo de detalhar a história clínica é identificar as pacientes de alto risco e de baixo risco para reações imediatas ao antibiótico, e assim optarmos por qual caminho seguir diante daquela história. A combinação da avaliação da história clínica com testes in vivo e in vitro é a abordagem mais segura para guiar a reexposição à penicilina10.

Nos casos suspeitos de reações de hipersensibilidade imediatas (RHI), seguimos com a investigação clínica para confirmar ou afastar a hipótese diagnóstica, utilizando um algoritmo de atendimento. Esse algoritmo envolve a aplicação de questionário clínico específico desenvolvido pelos pesquisadores do presente estudo (com pontuação padronizada para critérios clínicos definidos previamente, que levaram em consideração: reação com manifestações clínicas compatíveis com reação de hipersensibilidade imediata; RHI inicial há 10 anos ou menos da data atual; exposição/re-exposição aos betalactâmicos), além de realização de testes in vivo (testes cutâneos de leitura imediata, de punctura e intradérmico) e, se possível, testes in vitro (detecção de IgE sérica específica para penicilina G, penicilina V e amoxicilina).

História clínica compatível com reação imediata associada a testes in vivo ou in vitro positivos confirmam a alergia à penicilina, e a paciente deve ser encaminhada para o procedimento de dessensibilização. História clínica duvidosa ou história clínica não sugestiva de história de hipersensibilidade imediata, ou seja, de baixo risco de nova reação, com avaliação in vivo e in vitro negativas, permitem a realização do procedimento de provocação para confirmar ou afastar o diagnóstico de alergia à penicilina2,3,5.

A provocação com medicamentos é considerada o padrão ouro para descartar o diagnóstico de alergia. Seu principal objetivo é desrotular as pacientes, visto que as implicações negativas associadas a um rótulo equivocado de alergia à penicilina incluem risco de falha no tratamento antimicrobiano, resistência antimicrobiana, reações adversas a medicamentos pelo uso de um antibiótico de espectro mais amplo ou alternativo, e aumento dos custos de saúde14.

A dessensibilização rápida a medicamentos (DRM) é indicada para qualquer reação de hipersensibilidade imediata, alérgica ou não alérgica, representando assim um importante avanço no tratamento e melhorando o prognóstico dos pacientes11. A DRM é um processo seguro e eficaz no qual ocorre a indução de um estado temporário de hiporresposta de mastócitos e basófilos por meio da administração incremental de doses subótimas do fármaco que causou a reação de hipersensibilidade, até atingir a dose terapêutica necessária12. A dessensibilização possibilita que o paciente tenha acesso ao tratamento antimicrobiano de escolha, sendo que seu sucesso terapêutico tem sido evidenciado em estudos clínicos bem-sucedidos. Até o momento, não existe um protocolo de dessensibilização universal ou consensual a medicamentos para reações de hipersensibilidade com betalactâmicos (BLs). Todas as dessensibilizações para BLs devem ser aplicadas por equipes especializadas, coordenadas por médicos especialistas em alergia e imunologia, em ambiente hospitalar, na presença de estrutura de ressuscitação11-13.

Nosso estudo já incluiu cerca de 200 gestantes. Análise interina de 165 participantes identificou 81 (81/165; 49,1%) com história clínica de alto risco para anafilaxia, as quais foram dessensibilizadas; enquanto 84 com história clínica de baixo risco e testes cutâneos negativos foram submetidas à provocação. Os testes intradérmicos foram positivos em 11/165 (6,7%) pacientes, todas com história clínica de alto risco. Houve associação entre teste intradérmico positivo e reação durante a dessensibilização (p < 0,0001). Apenas uma paciente com teste negativo reagiu durante a dessensibilização. Apenas duas pacientes tiveram IgE específica positiva, uma reagiu à reexposição à penicilina, e a outra não. As 84 pacientes (84/165; 50,9%) consideradas de baixo risco foram submetidas à provocação, sendo que apenas três reagiram, duas (2,4%) com reação de hipersensibilidade imediata, e outra tardia (1,2%). O diagnóstico de alergia à penicilina foi confirmado em 9,7% das nossas pacientes. A eficácia do algoritmo foi de 98,8% e apenas duas pacientes não tiveram sua infecção tratada com penicilina. A segurança do algoritmo foi de 92,1%, considerando-se que apenas 13 pacientes apresentaram reações de hipersensibilidade com a reexposição à penicilina, 10 com reações leves.

Portanto, convidamos o leitor a conhecer um pouco mais sobre esse projeto e caso você tenha interesse em participar do mesmo com seu serviço, ou local de trabalho, ficaremos felizes e disponíveis para sanar dúvidas e ajudar nessa implementação, visto que temos o desejo de tornar esse estudo multicêntrico. A ciência vai além das salas de aula e estudos experimentais, pois através de estudos clínicos conseguimos confirmar nossas hipóteses científicas e reproduzi-las. Espero que essa mensagem e nosso estudo estimulem e ajudem a despertar em você a vontade de ser pesquisador.

 

Referências

1. Avelleira JCR, Bottino G. Sífilis: diagnóstico, tratamento e controle. An Bras Dermatol. 200;81(2):111-26.

2. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais [Internet]. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/central-de-conteudo/pcdts.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e Diretrizes terapêuticas para infecções sexualmente transmissíveis. Relatório de recomendação do Ministério da Saúde, 2015.

4. Tsimis ME, Sheffield JS. Update on pyphilis and pregnancy. Birth Defects Res. 2017;109(5):347-52.

5. Garcia JFB, Aun MV, Motta AA, Castells M, Kalil J, Giavina-Bianchi P. Algorithm to guide re-exposure to penicillin in allergic pregnant women with syphilis: Efficacy and safety. World Allergy Organ J. 2021 May 21;14(6):100549.

6. Pinto RM, Valentim RAM, da Silva LF, Lima TGFMS, Kumar V, de Oliveira CAP, et al. Analyzing the reach of public health campaigns based on multidimensional aspects: the case of the syphilis epidemic in Brazil. BMC Public Health. 2021;21(1):1632.

7. Doña I, Guidolin L, Bogas G, Olivieri E, Labella M, Schiappoli M, et al. Resensitization in suspected penicillin allergy. Allergy. 2023 Jan;78(1):214-24.

8. Ramsey A. Penicillin Allergy and Perioperative Anaphylaxis. Front Allergy. 2022 Jun 9;3:903161.

9. Kuder MM, Lennox MG, Li M, Lang DM, Pien L. Skin testing and oral amoxicillin challenge in the outpatient allergy and clinical immunology clinic in pregnant women with penicillin allergy. Ann Allergy Asthma Immunol. 2020;125(6):646-51.

10. Shenoy ES, Macy E, Rowe T, Blumenthal KG. Evaluation and Management of Penicillin Allergy: A Review. JAMA. 2019;321(2):188-99.

11. Giavina-Bianchi P, Aun MV, Galvão VR, Castells M. Rapid Desensitization in Immediate Hypersensitivity Reaction to Drugs. Curr Treat Options Allergy. 2015; 2:268-85.

12. Cardona R, Santamaría L, Guevara-Saldaña L, Calle A. Hipersensibilidad a antibióticos betalactámicos: algoritmos de manejo y desensibilización como alternativa terapéutica vital [Hypersensitivity to β-lactam antibiotics: algorithms of management and desensitization as a vital therapeutic alternative]. Rev Alerg Mex. 2021 Jan-Mar;68(1):35-47.

13. Castells MC, Tennant NM, Sloane DE, Ida Hsu F, Barrett NA, Hong DI, et al. Hypersensitivity reactions to chemotherapy: outcomes and safety of rapid desensitization in 413 cases. J Allergy Clin Immunol. 2008;122:574-80.

14. Stone CA Jr, Trubiano J, Coleman DT, Rukasin CRF, Phillips EJ. The challenge of de-labeling penicillin allergy. Allergy. 2020;75(2):273-88.

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