Perfil etiológico, sociodemográfico e desfechos dos pacientes com asma internados por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Brasil de 2020 a 2022: uma análise de 83.452 internações
Etiology, sociodemographic profile, and outcomes of patients with asthma hospitalized for severe acute respiratory illness (SARI) in Brazil from 2020 to 2022: an analysis of 83,452 hospitalizations Braian
Braian Lucas Aguiar Sousa1; Ana Paula Beltran Moschione Castro1; Alexandre Achanjo Ferraro2; Rosana Câmara Agondi3; Pedro Giavina-Bianchi3; Antonio Carlos Pastorino1
1. Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP - Unidade de Alergia e Imunologia Pediátrica - São Paulo, SP, Brasil
2. Faculdade de Medicina da USP - Departamento de Pediatria - São Paulo, SP, Brasil
3. Faculdade de Medicina da USP - Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia - São Paulo, SP, Brasil
Endereço para correspondência:
Braian Lucas Aguiar Sousa
E-mail: braianlucas@gmail.com
Submetido em: 30/11/2023
Aceito em: 14/12/2023.
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
RESUMO
INTRODUÇÃO: A asma é uma das doenças crônicas mais frequentes na população brasileira. O objetivo deste estudo foi determinar as etiologias, o perfil sociodemográfico e os fatores de risco para óbito entre pacientes com asma internados por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Brasil entre 2020 e 2022.
MÉTODOS: A partir do banco de dados SIVEP-Gripe, incluímos todos os pacientes com idade maior que 5 anos registrados no banco de 01/01/2020 até 21/07/2022, hospitalizados por SRAG, com antecedente de asma e com desfechos conhecidos. Como exposições, foram estudadas a idade, sexo, região de moradia, etnia e agentes etiológicos virais isolados. Os desfechos foram internação em unidade de terapia intensiva, necessidade de ventilação mecânica e óbito. Para calcular a razão de chances entre exposição e desfechos, utilizamos modelos lineares generalizados mistos multinível.
RESULTADOS: Foram incluídas na análise 83.452 internações, sendo 14.062 crianças e adolescentes, e 69.390 adultos. A mortalidade aumentou com a idade, indo de 0,6% entre 5-10 anos para 33% nos maiores que 60 anos. Na população pediátrica, morar na região Norte e Nordeste e ter entre 10-20 anos foram associados a maior mortalidade (OR 2,14 IC95% 1,41-3,24 e OR 3,73 IC95% 2,65-5,26 respectivamente). Quanto aos agentes etiológicos, apenas o SARS-CoV-2 conferiu maior risco de óbito (OR 5,18 IC95% 3,62-7,42). Entre adultos, sexo feminino e etnias não brancas foram protetoras (OR 0,87 IC95% 0,83-0,9 e OR 0,90; IC95% 0,85-0,94 respectivamente) para óbito. Faixas etárias mais avançadas, morar nas regiões Norte e Nordeste e o diagnóstico de COVID-19 foram associados a maior mortalidade.
CONCLUSÕES: Há importantes vulnerabilidades sociodemográficas nos desfechos das internações de pacientes com asma por SRAG, com maior mortalidade nas regiões Norte-Nordeste, entre adolescentes na faixa etária pediátrica e entre idosos nos adultos. Além disso, destaca-se o protagonismo da COVID-19 entre as infecções associadas a maior mortalidade.
Descritores: Asma, COVID-19, síndrome respiratória aguda grave, epidemiologia.
Introdução
A asma é uma das doenças crônicas mais frequentes na população brasileira, com estimativas de prevalência entre 9 e 13% em crianças e adolescentes e 4,4% em adultos1,2. Apesar da redução drástica de mortalidade após a introdução e popularização das corticoterapias inalatórias3, o número de óbitos pela doença no país se estabilizou na última década. Além do custo em vidas, o impacto da doença no sistema de saúde e na sociedade, tanto na forma de custos diretos de tratamento quanto de anos saudáveis perdidos pela doença, é alto4,5.
De 2020 em diante, a situação epidemiológica da saúde no Brasil e no mundo foi dominada pela emergência da COVID-19 e suas consequências. Desde o seu início, com a adoção do distanciamento social e das medidas de barreira à transmissão do SARS-CoV-2, a pandemia tem tido um profundo impacto na dinâmica de transmissão dos vírus respiratórios, alterando a sazonalidade e o perfil das infecções virais respiratórias mais comuns6,7. Essa realidade, que foi vivida mundialmente, culminou com uma explosão de casos respiratórios após o relaxamento das medidas de isolamento, especialmente na faixa etária pediátrica8,9. Apesar das doenças crônicas aumentarem o risco de piores desfechos na COVID-19, estudos mais atuais mostram que a asma controlada por si só não aumenta o risco de hospitalização ou óbito pela doença, e inclusive pode ser um fator protetor10,11. No entanto, entre pacientes com asma internados por sintomas respiratórios, ainda não está claro o impacto das infecções virais nos seus desfechos, especialmente considerando a alteração dinâmica na epidemiologia da transmissão viral vivida nos últimos anos.
Durante a epidemia de influenza de 2009, o Ministério da Saúde passou a registrar todas as internações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Brasil, as quais se tornaram de notificação compulsória, compondo o Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe). Com a emergência da COVID-19, a doença também passou a integrar o banco de dados de SRAG, representando uma fonte valiosa para estudos epidemiológicos sobre a evolução das internações pela síndrome, sua etiologia e desfechos. O objetivo desse trabalho foi analisar esse banco de dados nacional para determinar as etiologias, desfechos e fatores de risco para óbito entre pacientes com asma internados por SRAG no Brasil de 2020 a julho de 2022.
Metodologia
Este estudo utilizou dados do banco SIVEP-Gripe, do Ministério da Saúde, que registra os casos de internação por SRAG no país, condição de notificação compulsória. O banco registra múltiplas informações sobre cada paciente, incluindo dados sociodemográficos, apresentação clínica, comorbidades, pesquisa etiológica, desfechos, entre outras. A definição de SRAG adotada pelo Ministério da Saúde para fins de notificação inclui pacientes com síndrome gripal e que apresentem sinais de gravidade, como dispneia/desconforto respiratório ou pressão ou dor persistente no tórax ou saturação de oxigênio menor que 95% em ar ambiente ou cianose dos lábios/face12.
O estudo incluiu todos os pacientes com idade maior que 5 anos, registrados no banco de 01/01/2020 até 21/07/2022, hospitalizados, com antecedente de asma (reportado pelo paciente ou familiar) e com desfechos conhecidos. Como exposições, foram estudadas a idade (divididas em grupos etários e posteriormente, em crianças/adolescentes e adultos), o sexo, a região de moradia, a etnia e os agentes etiológicos virais isolados. Consideramos como adultos os pacientes com idade de 20 anos ou mais, conforme entendimento da Organização Mundial de Saúde13. Para maximizar contrastes, as regiões do país foram agrupadas em macrorregiões Norte (Norte e Nordeste) e Sul (Centro-Oeste, Sudeste e Sul), estratégia comum em estudos populacionais14. Da mesma forma, as etnias foram divididas em branco e não branco (preto, pardo, indígena e amarelo). Foram reportados os agentes virais mais comuns: SARS-CoV-2, Influenza, Rinovírus e Vírus Sincicial Respiratório (VSR). Utilizamos também a variável "coleta de amostra" para descrever a porcentagem de pacientes que coletaram pesquisa etiológica, embora a ficha não descreva para qual agente a pesquisa foi coletada. Descrevemos os desfechos internação em unidade de terapia intensiva (UTI), necessidade de ventilação mecânica e óbito, no entanto apenas o óbito foi estudado nas análises multivariadas.
As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências e porcentagens. Nas tabelas iniciais, foi utilizado o Qui-quadrado para análise de significância das diferenças entre variáveis categóricas. Modelos lineares generalizados (GLM) mistos multinível foram construídos para calcular a razão de chances (odds ratio - OR) e os intervalos de confiança (IC 95%) entre exposição e desfecho, considerando a unidade de saúde onde o paciente foi atendido como efeito aleatório. A análise multivariada foi ajustada para outras variáveis com diferenças significativas para o desfecho estudado, em modelos diferentes para crianças e adolescentes (CeA) e adultos. É importante salientar que na análise multivariada os efeitos de ter uma pesquisa positiva para determinado agente foram comparados com a ausência de positividade para o agente, independente de o teste ter sido realizado ou não. Considerando as discrepâncias entre faixas etárias, os resultados das CeA e adultos foram reportados separadamente.
Das variáveis sociodemográficas estudadas, apenas etnia teve uma perda de dados importante: 17,3% das internações não tinham registro da etnia dos pacientes. Para preservar a fidedignidade dos dados, optamos por não realizar técnicas de imputação múltipla, de modo que os pacientes com dados étnicos faltantes foram excluídos das análises que envolviam essa variável, e a etnia não entrou como variável de ajuste nos modelos multivariados. A probabilidade de ocorrer um erro alfa foi fixada em 5%. O processamento e análise dos dados foram realizados na 17ª versão do STATA (Data Analysis and Statistical Software).
Como utilizou dados anonimizados, retirados de um repositório disponível em domínio público, este estudo não necessitou de aprovação em comitê de ética.
Resultados
Foram incluídas na análise 83.452 internações, sendo 14.062 CeA e 69.390 adultos. A maioria das internações ocorreu no ano de 2021 (47,6% em 2021, 42,4% em 2020 e 10% em 2022). Em relação ao número de internações, observa-se uma curva em "U", com uma queda no número entre adolescentes em relação às crianças, seguida por um aumento gradativo nas faixas etárias seguintes. A mortalidade mostrou tendência de aumento com o aumento da faixa etária: 0,6% entre 5-10a, 2,3% entre 10-20a, 10% entre 20-40a, 18,9% entre 40-60a e 33% nos maiores que 60 anos (Figura 1).
A Tabela 1 traz as características sociodemográficas, agentes etiológicos e desfechos na faixa etária pediátrica, tanto na população geral estudada quanto apenas entre os óbitos. Observa-se que a maioria das crianças incluídas foi do sexo masculino, das etnias não brancas e das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Dentre as características sociodemográficas, apenas morar na região Norte-Nordeste foi associada a maior mortalidade (p < 0,001). Nota-se também que dois terços das internações foi entre crianças, mas que a maioria dos óbitos foi entre adolescentes, uma diferença também significativa. Apesar de mais de 95% dos pacientes ter pesquisa etiológica coletada, menos de 15% teve um agente etiológico viral isolado. O SARS-CoV-2, agente etiológico da COVID-19, foi o vírus mais frequente nesta coorte (53,4% dos agentes isolados), especialmente entre os óbitos (83%). Pouco mais que um quinto dos pacientes necessitou de internação em terapia intensiva, e aproximadamente 5% foram intubados. A mortalidade entre CeA foi de 1,2%.
Na Tabela 2 estão descritas as características sociodemográficas, agentes etiológicos e desfechos entre adultos, também com destaque para os óbitos. Diferente da faixa etária pediátrica, entre adultos houve um predomínio de internações entre mulheres e pacientes da etnia branca, mantendo-se o maior número de internações na macrorregião Sul. Sexo masculino e residência nas regiões Norte e Nordeste foram associados a maior mortalidade (p < 0,001). A maioria das internações foi em pacientes com mais que 60 anos, assim como a maioria dos óbitos. A grande maioria dos adultos coletou pesquisa viral, e mais da metade isolou agente viral, sendo o SARSCoV-2 o agente na grande maioria dos casos, tanto na população geral estudada quanto entre os óbitos (96,5% e 98,4% dos agentes virais isolados, respectivamente). Um terço dos pacientes foi internado em terapia intensiva e 18% necessitaram de intubação. A mortalidade entre adultos foi de 23,5%.
As Figuras 2 e 3 mostram os resultados das análises multivariadas em CeA e adultos, tendo o óbito como desfecho e as diferentes variáveis sociodemográficas e etiológicas como exposição. Nota-se que os adolescentes têm um risco de óbito quase quatro vezes maior que as crianças (OR 3,73; IC 95% 2,655,26), e os moradores das regiões Norte e Nordeste morrem mais que o dobro quando comparados aos pacientes que moram nas demais regiões (OR 2,14; IC 95% 1,41-3,24). Crianças e adolescentes com SARS-CoV-2 isolado também têm um risco de morte maior quando comparados com os pacientes sem esse diagnóstico (OR 5,18; IC 95% 3,62-7,42), e essa relação se mantém tanto nas crianças quanto nos adolescentes, em análise estratificada por faixa etária. Sexo, etnia e os diagnósticos de influenza, VSR ou rinovírus não tiveram relação com o óbito. Já entre adultos, o sexo feminino foi protetor, reduzindo em 13% a mortalidade em relação ao masculino (OR 0,87; IC 95% 0,83-0,9), assim como as etnias não brancas (OR 0,90; IC 95% 0,85-0,94). Semelhante à pediatria, faixas etárias mais avançadas e residir nas regiões Norte e Nordeste também foram fator de risco. O diagnóstico de COVID-19 aumentou o risco de óbito em quase 3 vezes (OR 3,01; IC 95% 2,663,41), associação que se manteve na desagregação por faixa etária. De maneira oposta, o isolamento de Influenza, VSR ou rinovírus foi um fator protetor.
Discussão
Este é, até o momento, o maior estudo nacional abordando epidemiologia, etiologia e fatores de risco para óbito em pacientes com asma internados por SRAG. A partir de um banco de dados populacional, incluímos um grande número de pacientes para mostrar como essas internações se distribuem no país e o impacto da região de residência, do sexo e da faixa etária no desfecho óbito. Avaliamos também a etiologia da SRAG, a partir do isolamento viral dos principais vírus respiratórios, demonstrando o protagonismo da COVID-19 no período analisado e o impacto do vírus SARS-CoV-2 na mortalidade dos pacientes. Considerando que a asma tem fenótipos predominantes diferentes em diferentes faixas etárias, nossos resultados foram reportados de maneira separada entre CeA e adultos, sendo de interesse tanto para pediatras quanto para clínicos. Nossos resultados apontam um quadro complexo e ajudam a compreender melhor a interação do antecedente de asma com os quadros infecciosos agudos, no contexto de evolução epidemiológica dinâmica que caracterizou a pandemia da COVID-19.
É importante considerar que apesar de ser um estudo focado no paciente com asma, os critérios de internação e inclusão no banco de dados não foram baseados em exacerbação da doença, e sim na presença dos critérios de SRAG. Apesar de frequentemente haver uma sobreposição entre as entidades, com o quadro infeccioso desencadeando a exacerbação da asma, não é possível afirmar que todos os pacientes tiveram piora de parâmetros funcionais respiratórios e/ou broncoespasmo. Dessa forma, o quadro infeccioso e o agente etiológico ganham protagonismo na evolução e desfecho do paciente. É sabido que pacientes com asma em geral têm piores desfechos nas infecções respiratórias15,16, mas essa tendência curiosamente não foi demonstrada na COVID-1910,11,17. Na nossa amostra, houve uma predominância do isolamento do SARS-CoV-2, mostrando que essa infecção foi a dominante no período estudado. Assim, os desfechos dos pacientes estão intimamente ligados aos desfechos da COVID-19 nesses grupos.
As análises mostraram uma mortalidade crescente à medida que a faixa etária avança nos pacientes com asma internados por SRAG, em ambas as faixas etárias. É marcante a diferença de mortalidade entre CeA e adultos, que chega a ser de 55 vezes na comparação entre os extremos etários. Esse comportamento é esperado, uma vez que já foi demonstrado que pacientes mais velhos morrem mais por asma, como demonstram estudos epidemiológicos realizados no país a partir dos sistemas de registro de mortalidade do SUS18,19. Também já foi demonstrado que o avanço da faixa etária é fator de risco para mortalidade por COVID-19, a infecção predominante na população estudada, tanto entre CeA quanto entre adultos17,20. Dessa forma, não é surpresa que a idade também tenha sido fator de risco para morte na população estudada.
O Brasil é um país continental, com uma enorme variabilidade no acesso a serviços de saúde e desigualdades socioeconômicas profundas. Nossos dados mostram uma maior mortalidade entre pacientes residentes nas regiões Norte e Nordeste, em ambas as faixas etárias, e com ajuste por sexo e faixa etária. Essa desigualdade provavelmente reflete a dificuldade de acesso e as piores condições de saúde que os moradores das regiões Norte e Nordeste enfrentam. Os determinantes sociais da saúde estão intimamente relacionados à prevalência e aos desfechos da asma. Um grande estudo populacional americano, incluindo mais de 1.500.000 crianças e adolescentes com asma, mostrou uma associação significativa entre morar em regiões mais pobres e tanto visitas ao pronto-socorro quanto hospitalizações por asma (OR 1,06 IC 95% 1,01-1,12 e OR 1,1 IC 95% 1,03-1,17 respectivamente, em modelos ajustados)21. De maneira análoga, fatores socioeconômicos também se relacionam a piores desfechos da COVID-19, como demonstrado por dois estudos brasileiros que abordam a temática. O primeiro incluiu 5.857 crianças e adolescentes com COVID-19 e mostrou que morar em cidades mais desenvolvidas reduziu em quase 75% a chance de mortalidade pela doença17. Já o segundo focou na população adulta, incluindo 228.196 pacientes hospitalizados pela doença, e mostrando que morar nas regiões Norte e Nordeste do país mais que dobrou a chance de morte (OR 2,76 e 2,05 respectivamente)22.
As relações entre asma e infecção viral são complexas e se apresentam de maneiras diferentes ao longo da vida. Nos primeiros anos, a grande maioria dos episódios de sibilância é no contexto de uma infecção viral, especialmente por VSR e rinovírus23.
Este último já foi reconhecido como um importante fator de risco para a evolução para asma24. Em pacientes já com o diagnóstico estabelecido de asma, infecções virais estão entre os desencadeantes mais frequentes de crises, com predominância do rinovírus como agente etiológico24,25. Apesar de altas taxas de pesquisa etiológica, nosso estudo mostrou uma baixa taxa de positividade, especialmente em crianças. Esse resultado pode estar associado ao fato de a maior parte das pesquisas etiológicas no período provavelmente corresponderem à pesquisa do SARSCoV-2, um agente menos importante na faixa etária pediátrica quando comparados aos adultos, população na qual demonstramos uma proporção bem maior de positividade.
As principais limitações deste estudo são inerentes ao fato de utilizar um banco de dados secundário, de modo que há vieses importantes a serem considerados. Primeiro, o diagnóstico de asma foi baseado no reporte do paciente ou do familiar, com o crivo do profissional que preencheu a ficha de notificação, não havendo uma abordagem comprovatória padronizada. Essa abordagem de autorreporte é comum em grandes estudos epidemiológicos, e já foi demonstrado que a dependência do diagnóstico médico pode subestimar a prevalência de asma na população1. Além disso, não há garantia de que todos os casos de SRAG tenham sido reportados, e pode ter havido uma seleção para casos mais graves, enviesando a proporção de desfechos negativos na população estudada.
Nas análises multivariadas, os efeitos dos agentes etiológicos compararam pacientes com o agente positivo com aqueles sem o agente positivo, sem levar em conta se realizaram a testagem ou não. Essa abordagem conservadora pode ter subestimado o tamanho dos efeitos, uma vez que nem todos os pacientes não testados eram de fato negativos. Pode haver também um viés de seleção para testagem de agentes, com maior probabilidade de testagem em pacientes mais graves. Além disso, a disponibilidade de testagem também é diferente entre os agentes: enquanto há uma maior disponibilidade de testes para COVID-19, a testagem para VSR e rinovírus depende de exames mais avançados e não tão facilmente disponíveis, o que tem impacto sobre as porcentagens de detecção apresentadas. Dessa forma, as proporções de diagnóstico etiológico devem ser interpretadas à luz dessas limitações.
Mais que 17% das internações incluídas não tinham registro étnico, e essa perda de dados foi proporcionalmente maior na macrorregião Norte que na Sul (21,5% vs. 16,5%, p < 0,001). Uma vez que os pacientes sem dados étnicos foram excluídos das análises do efeito da etnia na mortalidade, uma proporção maior de pacientes da macrorregião Norte foi excluída. Considerando que morar na macrorregião Norte representou fator de risco para mortalidade em ambas as faixas etárias, o efeito protetor da etnia entre os adultos pode ter sido uma superestimação e resultado de um viés.
Esta análise nacional de internações em pacientes com asma evidenciou vulnerabilidades demográficas, com maior mortalidade nas regiões Norte-Nordeste, entre adolescentes na faixa etária CeA e entre idosos nos adultos. Além disso, destaca-se o protagonismo da COVID-19 entre as infecções associadas à mortalidade. Dessa forma, medidas populacionais devem ser direcionadas aos grupos de maior risco para a proteção da população asmática.
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* Trabalho vencedor do Prêmio Oswaldo Seabra, durante o L Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia, realizado pela ASBAI em novembro de 2023, na cidade de Maceió, AL.