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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Julho-Setembro 2023 - Volume 7  - Número 3


Comunicações Clínicas e Experimentais

Dermatite de contato pigmentada por cosmético

Pigmented cosmetic contact dermatitis

Fernanda Magalhães de Moraes Lopes1; Luciana Shiota Cunha1; Sabrina Bortoletto Gomes de Aquino1; Marcia Lanzoni de Alvarenga Lira1,2; Flávia Regina Ferreira1,2


1. Hospital Municipal Universitário de Taubaté - Universidade de Taubaté (H.MUT/UNITAU) - Serviço de Dermatologia - Taubaté, SP, Brasil
2. Universidade de Taubaté, Departamento de Medicina - Taubaté, SP, Brasil


Endereço para correspondência:

Fernanda Magalhães de Moraes Lopes
E-mail: nanda_mml@hotmail.com


Submetido em: 14/06/2023
Aceito em: 20/07/2023.

RESUMO

A dermatite de contato pigmentada se destaca por sua raridade, sendo associada a inúmeros alérgenos cosméticos e têxteis. Acomete predominantemente mulheres de meia idade e fototipos altos. O teste de contato é imprescindível para a identificação do agente causal. O tratamento indicado consiste no afastamento do agente causal, no uso de fotoprotetores, clareadores tópicos e, por vezes, procedimentos dermatológicos abrasivos. Relatamos um caso de dermatite de contato pigmentada por cosmético motivado pela exuberância clínica e desfecho satisfatório, ressaltando a importância da suspeição diagnóstica e do manejo adequado impactando neste desfecho.

Descritores: Dermatite de contato, pigmentação, cosméticos.




Introdução

A dermatite de contato pigmentada (DCP) é uma condição rara, caracterizada por pigmentação castanho-acinzentada da pele devida a depósitos de melanina dérmica que acometem predominantemente a face e mais intensamente fronte e têmporas1. O termo DCP foi proposto na década de 1970 por Osmundsen e Pinôl Aguadé e cols., porém em 1917, Riehl descreveu casos de hiperpigmentação facial durante a Primeira Guerra Mundial2. Relatamos um caso de DCP por cosmético motivados pela exuberância clínica e desfecho satisfatório do mesmo, ressaltando a importância da suspeição diagnóstica e do manejo adequado impactando no desfecho.

 

Relato do caso

Paciente feminina, 56 anos, fototipo IV apresentando queixa de "manchas no rosto há 2 anos". Ao exame, presença de máculas castanho-acinzentadas de aspecto reticulado, distribuídas por toda a face (Figura 1). Assintomáticas. Início abrupto, após uso de um creme clareador (Renovare Accolade®). No histórico pessoal quatro gestações, menopausa aos 40 anos (negava terapia de reposição hormonal) e história prévia de melasma facial após a última gestação. Sorologias para hepatite B e C e FAN negativos e perfil de ferro dentro da normalidade. Dosagem do ácido homogentísico na urina também negativa. Realizada biópsia incisional no malar direito cujo histopatológico evidenciou epiderme com atrofia e focos de vacuolização da camada basal com exocitose de linfócitos e queratinócitos apoptóticos e derme com elastose solar, discreto infiltrado linfomononuclear perivascular superficial com numerosos melanófagos de permeio, sem sinais de ocronose e folículos pilosos livres de inflamação, concluindo dermatite perivascular superficial com exuberante derrame pigmentar (Figura 2). Realizado teste de contato, apresentando 2+ para o creme clareador em uso e 1+ para PPD mix e metildibromo glutaronitrilo 0,5%. Frente à clínica e ao histopatológico concluiu-se pelo diagnóstico de DCP causada por cosmético. Iniciado tratamento com clobetasol 0,05% em creme na face à noite de segunda a sexta-feira, precedido em 30 minutos por formulação contendo ácido glicólico 6% e hidroquinona 2% em creme, além de filtro solar (FPS 70) dia. Evoluiu com melhora progressiva das lesões, mantendo discretas máculas de aspecto reticulado na face após 3 meses e apresentando resolução completa do quadro após 1 ano (Figura 3).

 


Figura 1
Máculas castanho-acinzentadas de aspecto reticulado, distribuídas por toda a face

 

 


Figura 2
Epiderme: achatada. Derme: infiltrado inflamatório linfomononuclear perivascular superficial, melanófagos e elastose solar (HE 40X). No detalhe: focos de alteração vacuolar da camada basal e queratinócitos apoptóticos (HE 400X)

 

 


Figura 3
(A) Resultado após 3 meses, (B) Resultado após 1 ano

 

Discussão

A DCP é uma manifestação cutânea causada por alérgenos presentes em cosméticos e têxteis, que predomina em mulheres jovens de meia-idade e com fototipos altos2, conforme observado em nossa paciente. Os alérgenos cosméticos incluem: pigmentos vermelhos e amarelos, anilina, hidróxido de cromo, agentes bactericidas (carbanilidas, ácidos rininoleicos) e corantes capilares; enquanto que os alérgenos têxteis são: clareadores ópticos, corantes, acabamentos têxteis, compostos de mercúrio, formaldeído e componentes de borracha3. A incidência da DCP não é conhecida, sendo uma grande proporção de relatos encontrada no Japão4. Acredita-se que a hiperpigmentação na DCP seja causada pelo contato frequente e repetido com pequenas quantidades de alérgenos sensibilizantes5. De acordo com Nakayama e cols., os alérgenos presentes nos produtos comerciais estariam em concentração muito pequena para produzir um quadro de dermatite eczematosa típica, mas o acúmulo dessas substâncias geraria uma reação citolítica tipo IV caracterizada por uma degeneração vacuolar da camada basal e incontinência pigmentar, no histopatológico4. Como a maioria dos casos ocorre em pacientes com fototipos altos, possivelmente interações pigmento-genéticas estariam implicadas no desenvolvimento desta condição. Clinicamente caracteriza-se por pigmentação castanho-acinzentada difusa e irregular na face, às vezes precedida por um eritema leve (muitas vezes imperceptível na pele escura) e prurido. Apresenta como diagnósticos diferenciais clínicos: o melasma, a ocronose exógena e o líquen plano pigmentoso6,7.

O teste de contato é imprescindível para conclusão diagnóstica e identificação do agente causal e deve ser realizado com a bateria padrão e a bateria estendida para cosméticos, incluindo também, sempre que possível, produtos de uso pessoal do paciente, conforme realizado neste caso. O tratamento consiste no afastamento do agente causal e no uso de fotoprotetores, agentes clareadores (hidroquinona, ácidos azeláico, kójico e glicólico), retinoides, corticoides tópicos, e procedimentos como peelings químicos, dermoabrasão, microagulhamento entre outros7, nem sempre com resultados satisfatórios.

Concluindo, a DCP é uma condição de difícil diagnóstico, tornando-se um desafio quando a correlação temporal com a exposição ao alérgeno não é estabelecida. Nos casos suspeitos, o teste de contato constitui ferramenta fundamental permitindo a conclusão diagnóstica e a identificação do agente causal, justificando sua suspensão, pedra angular do tratamento da DCP.

 

Referências

1. Serrano G, Pujol C, Cuadra J, Gallo S, Aliaga A. Riehl's melanosis: pigmented contact dermatitis caused by fragrances. J Am Acad Dermatol. 1989 Nov;21(5 Pt 2):1057-60.

2. Nicolau E, Antoniou C, Katsambas AD. Origin, Clinical Presentation, and Diagnosis of Facial Hypermelanoses. Dermatol Clin. 2007;25(3):321-6.

3. Shenoi SD, Rao R. Pigmented contact dermatites. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2007;73:285-7.

4. Nakayama H, Matsuo S, Hayakawa K, Takhashi K, Shigematsu T, Ota S. Pigmented cosmetic dermatitis. Int J Dermatol. 1984 Jun;23(5):299-305.

5. Khanna N, Rasool S. Facial melanoses: Indian perspective. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2011;77:552-63.

6. Khanna U, Khanndpur S. Pigmented Contact Dermatitis. Journal of Pigmentary Disorders. 2015;2:214.

7. Vashi NA, Kundu RV. Facial hyperpigmentation: causes and treatment. Br J Dermatol. 2013;169:41-56.

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