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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Julho-Setembro 2023 - Volume 7  - Número 3


Artigo Original

Efeitos do isolamento social pela pandemia por COVID-19 na rinite infantil

Effects of social distancing during the COVID-19 pandemic on childhood rhinitis

Giovanna Zatelli Schreiner; Julie Sarandy Nascimento; Laura Maria Lacerda Araujo


Universidade Positivo - Curitiba, PR, Brasil


Endereço para correspondência:

Giovanna Zatelli Schreiner
E-mail: gzs21@yahoo.com.br


Submetido em: 15/02/2022
Aceito em: 26/08/2023.

RESUMO

INTRODUÇÃO E OBJETIVO: Devido à pandemia do novo coronavírus, as crianças passaram a ficar mais tempo em casa, e essa mudança implicou diretamente nas manifestações de diversas doenças, inclusive da rinite. A rinite é a inflamação da mucosa causada, principalmente, por alérgenos, ocasionando sintomas como rinorreia, espirros, obstrução nasal, hiperemia conjuntival, prurido nasal e ocular. O objetivo deste estudo é avaliar as consequências do isolamento social nas crianças com rinite, a fim de compreender a modificação da doença nesse período.
MÉTODOS: O estudo é observacional transversal, com dados obtidos através de um questionário eletrônico, para pais e/ou responsáveis de crianças entre 5 e 12 anos.
RESULTADOS: No total de 116 respostas, 51,7% das crianças eram do sexo masculino, e a mediana de idade foi de 8,5 anos. Em relação à rinite, em 81% dos casos foi relatado melhora ou manutenção do quadro durante o período de isolamento social. Em um quarto da amostra houve piora na qualidade de vida dos pacientes. Os sintomas com maior piora foram espirros e prurido nasal, e o sintoma com maior melhora foi a rinorreia. Os desencadeantes de sintomas mais frequentes foram animais domésticos, tapetes e perfumes. O uso de medicamentos foi relatado em 59,4% dos casos, sendo que em 32,7% não houve prescrição médica.
CONCLUSÃO: Os resultados encontrados evidenciaram que o isolamento social teve um impacto positivo em relação às manifestações clínicas da rinite na população estudada.

Descritores: Rinite alérgica, isolamento social, qualidade de vida, pediatria, criança.




Introdução

A pandemia do novo coronavírus, iniciada em março de 2020, provocou um período de isolamento social que gerou uma série de mudanças na rotina das crianças, as quais passaram a ficar muito mais tempo em casa. Essas modificações implicaram diretamente na manifestação de diversas doenças crônicas, como a rinite1,2.

Sabe-se que existem diversos subtipos de rinite. Entretanto, no geral, a rinite é caracterizada pela inflamação da mucosa nasal provocada, principalmente, pelo contato com alérgenos. Entretanto, suas crises podem ser desencadeadas por outros fatores, como mudanças climáticas, contato com vírus respiratórios, agentes irritantes (odores fortes e fumaça de cigarro) e estresse1. Entre seus principais sintomas estão rinorreia, espirros, obstrução nasal, prurido nasal e ocular e hiperemia conjuntival1,2.

Com a propagação do novo coronavírus no Brasil, tornou-se necessária a adoção de medidas a fim de evitar o aumento no número de casos. Diante disso, o isolamento social passou a fazer parte da vida das crianças. Dessa forma, essas que antes passavam até 2/3 do dia na escola e em outras atividades, passaram a ficar apenas em casa3.

As mudanças trazidas por esse novo cenário, seja em relação ao estresse econômico, acesso aos serviços de saúde ou fechamento das escolas, impactaram diretamente na qualidade de vida da população pediátrica. E aquelas que apresentam doenças crônicas, foram ainda mais prejudicadas4.

À luz do exposto, as crianças que estão mais tempo em casa podem ter mais contato com alérgenos domiciliares como ácaros da poeira, epitélios de animais domésticos e mofo, favorecendo crises de rinite nos indivíduos sensibilizados. Além disso, o estresse, que esteve diretamente relacionado à mudança na rotina, uma vez que as crianças foram privadas de encontrar colegas, irem à escola ou parquinhos, é um fator de piora da doença1. Além disso, muitas crianças com transtornos mentais tiveram seus tratamentos interrompidos devido ao lockdown, como visto no Reino Unido, onde cerca de 26% das crianças com doenças mentais prévias tiveram o acesso a suporte psicológico interrompido durante este período. Em estudo brasileiro, a taxa de ansiedade nas crianças variou de 19,4% a 21,8%5. Tais fatos sugerem um mau controle de estresse nas crianças, ao redor do mundo e no Brasil, o que pode impactar negativamente em outras doenças preexistentes4.

Em meio a um cenário tão atípico, foram observados diferentes comportamentos de pais e responsáveis frente à condução de doenças crônicas, como a rinite nos seus filhos. Sabe-se que essa doença, quando tratada erroneamente ou não tratada, acarreta em diminuição da qualidade de vida, com repercussões no sono, desempenho acadêmico e aprendizado das crianças, causando irritabilidade e frustração6. Existem famílias que estão sendo mais rigorosas em relação ao tratamento, seja medicamentoso ou controle ambiental, visto que passando maior tempo em casa, atentaram-se mais às questões domésticas. Por outro lado, existem aqueles que, por medo do coronavírus, não procuram atendimento médico pediátrico para avaliar a situação atual da criança, prejudicando, assim, o controle adequado da doença4.

Segundo a OMS, "a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade"7. Dessa forma, entender a influência que o cenário pandêmico e consequente isolamento social implicaram na vida das crianças com doenças crônicas é de suma importância. Assim, o objetivo do trabalho foi avaliar as consequências e comparar os sintomas do isolamento social nas crianças com qualquer tipo de rinite, que, durante a pandemia, passaram a permanecer tempo maior em casa expostos à alérgenos domésticos e, consequentemente, com menos infecções de vias aéreas superiores (IVAS)4.

 

Métodos

O presente estudo é do tipo observacional e transversal, realizado a partir de dados obtidos mediante aplicação de questionário eletrônico na plataforma Google Formulários. O mesmo continha perguntas elaboradas pelas pesquisadoras, baseadas em questionários validados para estudo da rinite e qualidade de vida na população pediátrica. Foi divulgado em plataformas virtuais e grupos sociais obtendo um total de 194 respostas.

Este trabalho foi aprovado no respectivo Comitê de Ética (CAAE 44788921.4.0000.0093. Número de Parecer 4.642.694).

Participaram da pesquisa 116 pais ou responsáveis por crianças de 5 a 12 anos, que passaram por período de isolamento social devido à pandemia por COVID-19 e que assinalaram no questionário a resposta "Sim" para a questão "Seu filho já possuiu diagnóstico de rinite feito por um profissional da saúde?", apontando aos pesquisadores um forte indicativo da presença de rinite. Foram excluídos da pesquisa 78 questionários cuja pergunta foi preenchida com "não", enquadrando o participante em menor probabilidade de real diagnóstico de rinite.

O questionário

A sequência de perguntas do estudo (Figura 1) foi elaborada com base nos questionários validados para avaliar a qualidade de vida das crianças - KIDSCREEN8, e também a avaliação da doença: RCAT9, CARATkids10 e ISAAC Questionnaire com módulo de rinite11. Apesar de não existir um questionário que contemplasse especificamente a faixa etária entre 5-12 anos, os autores realizaram adaptações para formular perguntas que pudessem ser respondidas pelos pais, objetivando um claro entendimento e a maior inclusão de idades.

 


Figura 1
Questionário utilizado na pesquisa

 

O formulário inicia com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, em seguida, há duas seções: a primeira busca saber se a criança já teve diagnóstico médico de rinite. Em caso de concordância, o responsável é encaminhado para a seção 2, com perguntas avaliando a condição da doença e a qualidade de vida da criança. O objetivo das questões foi compreender o perfil das crianças de acordo com sexo e idade. Também, estabelecer uma relação da rinite associada à asma e dermatite atópica através de questionamento direto sobre presença de diagnóstico prévio destas, visto que a tríade atópica pode influenciar negativamente no controle da doença12. Procurou-se saber sobre a realização de testes alérgicos e seu resultado. A seguir, uma série de questões comparando os sintomas antes e durante o isolamento social, com as seguintes opções de marcação: melhora, piora ou manutenção do padrão. Foram questionados sobre 7 sintomas referentes à rinoconjuntivite alérgica1: obstrução nasal, secreção nasal, prurido nasal, espirros, prurido ocular, lacrimejamento e hiperemia conjuntival. Adicionalmente, a respeito da procura por atendimento médico devido aos sintomas da rinite e em qual modalidade foi realizada (emergência, teleconsulta, rotina), além do uso de medicações (tipo e quantidade em relação ao período anterior ao isolamento social). Sobre qualidade de vida, havia questões que englobavam 5 aspectos de mudança em relação ao período pré-isolamento social: sono, alimentação, envolvimento com tarefas escolares, atividades físicas/brincadeiras e padrão de estresse (irritabilidade, ansiedade, tristeza e alteração do humor). Questionou-se sobre exposição aos principais alérgenos e irritantes domésticos que são possíveis desencadeantes de sintomas na rinite alérgica nesta amostra: poeiras; fumaça de cigarro; tapetes, cortinas, cobertores e roupas de inverno (lã); animais domésticos (cachorro, gato e roedores); ar-condicionado; mofo; polens (jardins e plantas); perfumes, materiais de limpeza e aromatizadores de roupas e de ambiente.

Para análise final, utilizou-se como critério de "piora do padrão geral da doença" a piora em pelo menos 3 dos 7 sintomas ou 2 dos 7 sintomas em adição à necessidade de atendimento médico por esse motivo. Caso apresentasse melhora em pelo menos 3 dos 7 sintomas considerou-se como "melhora do padrão geral da doença". Nos casos de empate: 3 sintomas com piora, 3 com melhora e 1 neutro, considerou-se a necessidade de atendimento médico por conta dos sintomas da rinite: crianças que precisaram de atendimento foram consideradas como "piora no padrão da doença", as que não precisaram foram consideradas "melhora no padrão da doença". Caso não houvesse nenhum desses critérios, considerou-se como "manutenção do padrão da doença".

Além disso, considerou-se como "piora geral da qualidade de vida" se a criança apresentasse piora em pelo menos duas das cinco variáveis citadas. Caso apresentasse melhora em pelo menos duas das cinco variáveis, considerou-se como "melhora do padrão geral da qualidade de vida". Nos casos de empate, melhora em duas variáveis, piora em duas variáveis e neutro em uma variável, foi considerado "piora no padrão de qualidade de vida". Caso não houvesse nenhum desses critérios, considerou-se como "manutenção do padrão da qualidade de vida".

Os dados foram coletados e armazenados em uma planilha do Microsoft Excel. Os testes de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk foram aplicados para avaliação da normalidade dos dados quantitativos através do software GraphPad Prism 3.0. As variáveis quantitativas foram expressas como medianas (intervalo interquartil). O teste qui-quadrado e o teste exato de Fisher foram utilizados para comparar os dados qualitativos através do software SPSS 17.0. As variáveis contínuas foram comparadas com teste não paramétrico Mann-Whitney. Os valores de "p" menores que 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

 

Resultados

De um total de 194 questionários, 116 foram classificados como válidos para análise, após exclusão dos que responderam negativamente à questão inicial sobre o diagnóstico da rinite. Os dados sociodemográficos indicaram uma discreta prevalência de pacientes do sexo masculino, representando 51,7% (n = 60) da amostra. A mediana das idades foi de 8,5 anos, com um intervalo interquartil de 6-10. Em relação ao padrão geral da rinite, quando comparados o padrão da doença nas crianças no período pré-pandemia e durante o lockdown, evidenciou-se que houve melhora em 50% das crianças (p = 0,002), em cerca de 20% houve piora, e em, aproximadamente, um terço, não houve alteração (p = 0,005). No que diz respeito à qualidade de vida, optou-se por uma análise agrupada, sem evidenciar especificamente sono, alimentação, participação em atividades e lazer. Dessa forma, mais da metade dos casos não apresentou alterações, sendo que em um quarto foi descrito piora e em cerca de 20%, melhora.

Conforme as respostas obtidas a partir do questionário aplicado, verificou-se que, de forma geral, houve melhora em 57,14% (n = 4) dos sete sintomas avaliados, sendo o restante classificado como sem alterações (42,86%; n = 3) quando comparado ao período pré-pandemia. De forma individualizada, dentre os sintomas oculares, o de maior piora foi o prurido, presente em 16 casos (13,8%). O sintoma com a melhora mais importante foi o lacrimejamento, totalizando 45 casos (38,8%), seguido do prurido ocular, que apresentou melhora em 42 crianças (36,2%). Já no que diz respeito aos sintomas nasais, obteve-se melhora, principalmente, na obstrução nasal e rinorreia, relatadas em 60 e 68 pacientes, respectivamente (51,7% e 58,6%). Espirros e prurido nasal foram os sintomas com o maior número de piora nas crianças, cada um com 21 relatos (18,1%) (Tabela 1). O único questionamento que diz respeito à qualidade de vida foi o estresse, sendo analisado separadamente. Este apresentou melhora em apenas 10% dos casos (12 crianças), havendo piora em 51 crianças (44%) e sem alteração em 53 (46%).

 

 

Em relação à exposição de agentes desencadeantes de sintomas durante o período de isolamento social - como poeira, animais domésticos (gato, cachorro, coelho e outros roedores), pólen, mofo, perfumes, ar-condicionado, fumaça de cigarro e tapetes - observou-se que os mais frequentemente descritos foram animais domésticos (45%), seguidos de tapetes (42%) e perfumes (35%). O irritante descrito com menor exposição foi a fumaça de cigarro, presente em apenas 1,7% dos casos.

Ao comparar a mudança no padrão da rinite com os alérgenos expostos, foi visto que, dentre as crianças que pioraram da rinite, os fatores desencadeantes apontados com maior exposição foram tapetes e poeiras, ambos em mais de metade da amostra (63,6% e 54,5%, respectivamente). Já em relação às crianças sem alteração no padrão da doença, notou-se maior exposição a perfumes (54,3%), seguido de tapetes (48,6%). Diante dos pacientes que relataram melhora da rinite, os agentes expostos mais reportados foram animais domésticos (50,8%) e poeira (33,9%) (Tabela 2).

 

 

Quando comparados os dados de alteração no padrão geral da doença (piorou, sem alteração e melhorou) com os de alteração na qualidade de vida (piorou, sem alteração, melhorou) foi evidenciado que, dentre os que obtiveram piora da doença, mais da metade apresentou piora da qualidade de vida associada (59,9%). Ao passo que, entre os que melhoraram da doença, a piora da qualidade de vida foi minimamente descrita, apenas 5,1%. Tendo em vista que a rinite é um dos pilares de composição da tríade atópica - caracterizada pela presença de rinite, asma e dermatite, comparou-se, também, a alteração no padrão geral da doença com a presença ou não da tríade, observando-se que, dentre os pacientes que pioraram da rinite, 18 (81,8%) relataram ausência da tríade atópica. Dos que melhoraram o padrão da doença, obteve-se que 43 (72,9%) não possuíam a tríade e 85,7% dos pacientes que não obtiveram alteração no padrão da rinite também não apresentavam a tríade atópica (Tabela 3).

 

 

Diante da amostra estudada, houve 69 relatos de crianças que utilizaram medicamentos para controle dos sintomas da rinite durante a pandemia, e, destas, 36 estavam em acompanhamento médico com orientação medicamentosa prévia a este período. Assim, observou-se que 35 fizeram uso de mais de uma classe, sendo a mais utilizada a dos corticoides nasais, totalizando 71% da amostra, seguidos dos anti-histamínicos (55%). Além destas, foi relatado o uso de corticoides sistêmicos, descongestionantes, broncodilatadores, antileucotrienos, colírios, solução fisiológica nasal e medicamentos homeopáticos ou fitoterápicos, sendo a classe menos utilizada a dos corticoides sistêmicos (Tabela 4).

 

 

Trinta e duas crianças (27,5%) necessitaram de atendimento médico durante o período da pandemia devido à percepção da exacerbação de sintomas típicos da rinite, sendo dois destes casos por meio de teleatendimento, três consultas em unidades de emergência pediátrica e o restante por meio de consulta presencial em consultório pediátrico. A respeito das crianças que não precisaram de atendimento médico por sintomas de rinite (72,4%), cerca da metade utilizou medicamentos em domicílio.

 

Discussão

No estudo, observou-se que a maioria das crianças obteve melhora dos sintomas da rinite no período de isolamento social consequente à pandemia por COVID-19. Embora a doença e seus gatilhos sejam multifatoriais, com características que se inter-relacionam, há inúmeras condições que justificam suas manifestações e controle ao longo do tempo. Assim como observado em alguns estudos com doenças alérgicas crônicas, a melhora dessas crianças pode ter sido deecorrente de um maior controle parental sobre o ambiente e uso adequado das medicações13. Outra hipótese, apontada por Gelardi em estudo com pacientes adultos com rinite alérgica, sugere que a menor exposição a determinados gatilhos da doença, como o pólen, podem ter contribuído para esse resultado14, embora, ressaltesse que a população pediátrica da nossa cidade estudada seja mais sensível ao ácaro em comparação com gramíneas e outros polens15.

É descrito na literatura que a ocorrência de doenças respiratórias, excluindo-se COVID-19, teve um declínio importante no período de isolamento social. Tal fato pode ser explicado por uma menor procura aos serviços de saúde, justificando-se um menor número de diagnósticos, mas também a uma redução pela quebra do principal mecanismo de disseminação viral e bacteriano, menor circulação de pessoas, distanciamento em locais fechados, ausência de convívio em creches e escolas, maior cuidado com higiene das mãos, uso de máscaras de proteção, entre outros4. Desse modo, como a infecção de vias aéreas é gatilho para manifestação da rinite1, acredita-se que o fato de haver menor infecção impacta positivamente em um maior controle da rinite e, com isso, explicar os achados deste estudo.

A associação entre asma e rinite alérgica é amplamente estudada, sendo que muitos autores consideram como um espectro da mesma doença, que se inter-relacionam tanto em manifestações clínicas, quanto em abordagem terapêutica16. O próprio Consenso Brasileiro de Rinite1, que inclui as diretrizes do estudo ARIA (Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma), reforça a importância do impacto que o controle ambiental exerce em ambas as doenças, e do mesmo modo, o tratamento dessas condições para ampliar a qualidade de vida dos pacientes. Estudo de Ferraro e cols.13 demonstrou que crianças com asma e rinite alérgica concomitantes não tiveram alteração no controle dos sintomas durante o isolamento social, permanecendo estável. Em nosso estudo essa amostra apresentou melhora no padrão dos sintomas.

Por outro lado, estudos com amostras de pacientes pediátricos e adultos sensibilizados a agentes alergênicos como os ácaros, documentaram piora no padrão da doença durante o período de isolamento social. Isso porque, em pacientes com testes alérgicos positivos para este alérgeno, a permanência em casa se tornou um fator de risco para a manifestação da rinite17,18. Fato difícil de comparar com os dados do estudo, pois não foi documentada a sensibilização alergênica dos pacientes, mas sim relatos dos seus responsáveis a esse respeito. Em relação aos diferentes alérgenos, cabe-se ressaltar, que embora a exposição aos ácaros seja dentro do domicílio e a exposição ao pólen seja fora do domicílio, as mudanças impostas com o isolamento social modificaram de forma desigual as famílias, inclusive, neste estudo não foi abordado qual o tipo de residência dos participantes.

Pôde-se observar que a maioria das crianças fazia uso de alguma terapia, com destaque para o uso de corticoides nasais e antialérgicos sistêmicos. No entanto, apenas cerca de um terço delas realizou consulta específica para acompanhamento da doença. A hipótese para tal achado é a dificuldade e o medo que existiu em procurar um serviço de saúde por conta do risco de contaminação por COVID-191. Outrossim, Ferraro atenta ao fato do medo da contaminação por SARS-CoV-2 ter induzido à manutenção das terapias medicamentosas13. Há alta prevalência de crianças com rinite alérgica que procuram atendimento emergencial durante exacerbação da asma, porém, houve necessidade dessa modalidade em apenas 2% da amostra, indicando para um melhor controle de ambas as doenças, visto que a crise de asma grave é uma imposição de procura ao serviço médico20.

Nesse sentido, também aponta-se a baixíssima adesão da amostra à realização de teleconsultas, o que deixou uma parte dos pacientes sem acompanhamento médico e favoreceu a automedicação nesse período, visto que esta já é uma prática prevalente em nosso meio e pode gerar malefícios para as crianças21.

Outra questão que vem sendo amplamente abordada em tempos de pandemia é a saúde mental. A esse respeito, foi avaliado o estresse das crianças, exemplificado por irritabilidade, ansiedade, tristeza e alterações do humor nesse período e percebeu-se que foi significativamente afetado: apenas 10% das crianças obtiveram melhora no estresse, o que vai de acordo com outros estudos13,22,23.

Além destas, questões relacionadas à mudança no padrão de alimentação, do sono, do lazer e das atividades escolares por conta dos sintomas de rinite foram agrupadas neste estudo e não revelaram alteração em relação ao período pré-isolamento social. De forma geral, o estudo de Chmielik e cols.24 feito com crianças portadoras de rinite antes da pandemia por COVID-19 demonstrou que as mesmas já possuem uma pior qualidade de vida quando comparadas a crianças hígidas. Como em nosso estudo não houve grupo controle, não há meios de realizar essa comparação.

No quesito sono, a literatura aponta moderada evidência de mudança durante o período de isolamento social, com aumento na quantidade de horas, mas não necessariamente piora da qualidade do sono25-27. Um estudo italiano com crianças obesas apontou para uma redução média de 2,5 horas na semana de atividades físicas durante a pandemia, indicando em longo prazo complicações metabólicas e uma possível queda na qualidade de vida28. No entanto, em nosso estudo não houve mensuração de horas destinadas a essa atividade, apenas constatou-se que, na visão dos pais, durante o período de isolamento, a criança não modificou seus hábitos devido aos sintomas da rinite. Quanto à alimentação, a modificação de hábitos devido aos sintomas de rinite não afetou o dia a dia das crianças em nosso estudo e a literatura não é coesa, uma vez que a tomada de decisão do cardápio majoritariamente é feita pelos responsáveis, que ora podem limitar o acesso a alimentos industrializados e fast-food por estarem em casa, ora podem aumentar seu consumo domiciliar devido ao estresse26.

O principal fator limitante da pesquisa foi a falta de contato direto com os participantes, impossibilitando o diagnóstico de rinite por meio de critérios e achados do exame físico em consulta médica. Além disso, por se tratar de um estudo transversal não foi possível acompanhar se, após o período de retomada das interações sociais, o padrão da doença se modificou ou voltou a piorar para a maioria dos pacientes, indicando uma relação causa-efeito mais clara entre os períodos. Portanto, sugere-se que mais estudos sejam feitos na população pediátrica, de maneira prospectiva, a fim de melhor esclarecer tais apontamentos.

 

Conclusão

O presente estudo revelou melhora no padrão geral da rinite de crianças entre 5 e 12 anos, através da percepção de seus responsáveis. Acredita-se que houve menor exposição aos agentes infecciosos (como vírus respiratórios e bactérias) e não infecciosos que atuam como gatilhos para a manifestação dos sintomas da rinite. Conclui-se que o período de isolamento social refletiu de forma positiva na doença, bem como na qualidade de vida destas crianças.

 

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