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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Julho-Setembro 2023 - Volume 7  - Número 3


Artigo de Revisão

Asma em adolescentes: o que o estudo ERICA nos mostrou?

Asthma in adolescents: what did ERICA study show us?

Mara Morelo Rocha Felix1,2; Fábio Chigres Kuschnir2,3; Érica Azevedo de Oliveira Costa Jordão2,4; Maria Cristina Caetano Kuschnir5; Katia Vergetti Bloch6


1. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Medicina Geral - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Pediatria - Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
4. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Pediatria - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
5. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
6. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - Rio de Janeiro, RJ, Brasil


Endereço para correspondência:

Mara Morelo Rocha Felix
E-mail: maramorelo@gmail.com


Submetido em: 21/06/2023
Aceito em: 22/07/2023.

RESUMO

A asma é uma doença heterogênea caracterizada pela história de sintomas respiratórios que variam de intensidade e ao longo do tempo. Devido à sua alta prevalência, constitui um problema mundial de saúde pública, atingindo todas as faixas etárias, em especial crianças e adolescentes. O objetivo deste artigo foi analisar as produções científicas sobre asma baseadas no Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA). Trata-se de uma revisão narrativa incluindo os artigos originais sobre asma baseados nos dados do ERICA, publicados em periódicos indexados em inglês e português. O ERICA foi um estudo multicêntrico nacional realizado em 2013 e 2014, que investigou a prevalência de asma e fatores de risco cardiovascular, incluindo obesidade, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, tabagismo, sedentarismo, hábitos alimentares inadequados, e a associação entre esses fatores, em adolescentes de 12 a 17 anos, estudantes de escolas públicas e privadas de municípios brasileiros com mais de 100.000 habitantes. Nos cinco estudos selecionados, foi possível demonstrar que a prevalência de asma foi significativamente maior entre adolescentes do sexo feminino em todas as capitais e macrorregiões do Brasil, com predomínio da doença na região Sudeste do nosso país. Além disso, a asma esteve fortemente associada ao tabagismo (passivo e ativo) e foi associada à duração curta do sono. Por outro lado, não esteve associada com os níveis séricos de vitamina D. Em relação aos parâmetros metabólicos, foi observado que a síndrome metabólica e alguns de seus componentes, como a circunferência abdominal, estiveram significativamente associados à asma grave em adolescentes brasileiros.

Descritores: Asma, adolescente, tabagismo, síndrome metabólica, sono.




Introdução

A asma é uma doença heterogênea caracterizada pela história de sintomas respiratórios que variam de intensidade e ao longo do tempo1. Ocorre obstrução variável do fluxo de ar pulmonar, que pode se tornar persistente1. É geralmente associada à hiper-responsividade brônquica e inflamação das vias aéreas1.

Devido a sua alta prevalência, constitui um problema mundial de saúde pública, atingindo todas as faixas etárias, em especial crianças e adolescentes2. É uma doença complexa com vários potenciais determinantes, desde fatores genéticos até os ambientais, incluindo o estilo de vida3. Estudos epidemiológicos demonstraram que tabagismo, poluição do ar, estilo de vida urbana, obesidade e alimentação com fast food e baixo teor de antioxidantes estão associados à asma em crianças e adolescentes3.

Além disso, em países de baixa e média renda como o Brasil, os asmáticos possuem morbimortalidade desproporcionalmente alta, sugerindo que fatores socioeconômicos possam influenciar estes índices, seja por piores condições de vida em geral ou pobre acesso e disponibilidade ao tratamento4.

O Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) foi um estudo multicêntrico nacional que teve por objetivo estimar a prevalência de fatores de risco cardiovascular, incluindo obesidade, diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia, tabagismo passivo e ativo, sedentarismo, hábitos alimentares inadequados, e a associação entre esses fatores, em adolescentes de 12 a 17 anos, estudantes de escolas públicas e privadas de municípios brasileiros com mais de 100.000 habitantes5. Nesta pesquisa realizada nos anos de 2013 e 2014, os adolescentes também responderam ao questionário escrito padronizado módulo asma do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) para estimar a prevalência de asma nesta população6,7.

Diversos trabalhos foram elaborados a partir dos dados do ERICA, estudando-se a prevalência de as-ma e possíveis fatores associados em adolescentes brasileiros8-12. O objetivo deste artigo foi analisar as produções científicas publicadas sobre asma que utilizaram os resultados do ERICA.

 

Métodos

Trata-se de uma revisão narrativa incluindo os artigos originais sobre asma baseados nos dados do ERICA, publicados em periódicos indexados em inglês e português. Foi realizada uma busca na literatura nas bases MEDLINE (National Center for Biotechnology Information, Bethesda, MD) e LILACS (Latin American and Caribbean Health Science Literature Database), utilizando as seguintes palavras-chaves: "asthma" AND "adolescent" OR "adolescence" AND "ERICA", desde 2016 (ano da publicação do primeiro artigo sobre asma do ERICA) até os dias atuais. Foi acrescentado um artigo que não foi encontrado através desta busca, mas que estava dentro dos critérios de inclusão.

O questionário escrito padronizado módulo asma do ISAAC para a faixa etária de 13-14 anos, validado e traduzido para o português, foi utilizado para o diagnóstico e classificação de gravidade da asma no ERICA. A presença de asma ativa foi obtida pelo percentual de respostas positivas à pergunta "Você teve sibilos (chiado no peito) nos últimos 12 meses?"6,7. Foram considerados como asmáticos graves, aqueles adolescentes que apresentaram nos últimos 12 meses: ≥ 4 crises de sibilos13. A presença de asma diagnosticada pelo médico foi definida pelo percentual de respostas positivas à pergunta:"Algum médico lhe disse que você tem asma?"6,7.

 

Resultados

Foram selecionados os cinco artigos sobre asma na adolescência baseados nos dados do ERICA. Os principais achados destes estudos serão descritos a seguir.

ERICA: prevalence of asthma in Brazilian adolescentes (2016)

Este artigo teve como objetivo descrever a prevalência de asma ativa e de diagnóstico médico de asma em adolescentes brasileiros8. Foram utilizados dados de 74.589 adolescentes participantes do ERICA. A prevalência geral de asma ativa foi 13,1%, sendo significativamente superior no sexo feminino (14,8%; IC 95% 13,7-16,0) em relação ao masculino (11,2%; IC 95% 10,3-12,2) e nos alunos da rede privada (15,9%; IC 95% 14,2-17,7) em relação àqueles de escolas públicas (12,4%; IC 95% 11,4-13,4). A prevalência geral de diagnóstico médico de asma foi 8,7% (IC 95% 8,2-9,1), sem diferenças significativas entre os sexos, faixa etária e cor da pele8. A Tabela 1 mostra a prevalência da asma ativa nas macrorregiões e em escolas públicas e privadas.

 

 

Em relação à distribuição geográfica da prevalência de asma ativa no país, foi observado que essa taxa foi maior na região Sudeste (14,5%; IC 95% 12,9-16,1) e nas cidades de São Paulo (16,7%; IC 95% 14,7-18,7); Belo Horizonte (15,8%; IC 95% 13,9-17,7) e Goiânia (15,4%; IC 95% 13,1-17,7). Já a região Norte exibiu a menor prevalência entre as macrorregiões (9,7%; IC 95% 9,7-10,5), assim como as cidades de Teresina (6,3%; IC 95% 4,9-7,7); São Luís (7,4%; IC 95% 6,0-8,8) e João Pessoa (7,8%; IC 95% 6,4-9,2). A prevalência de asma ativa foi maior no sexo feminino em todas as capitais e regiões do Brasil. Quanto ao diagnóstico médico de asma, a prevalência mais elevada foi encontrada na região Norte (13,5%; IC 95% 12,7-14,2) e nas cidades de Porto Alegre (19,8%; IC 95% 17,5-22,3), Belém (15,7%; IC 95% 13,5-17,8) e Vitória (15,5%; IC 95% 12,6-18,3). Por outro lado, a região Centro-Oeste exibiu a menor prevalência entre as macrorregiões (6,9%; IC 95% 6,0-7,8), assim como as cidades de Cuiabá (4,8%; IC 95% 3,8-5,9); Campo Grande (5,4%; IC 95% 4,2-6,6) e João Pessoa (6,5%; IC 95% 5,2-7,7)8.

Severe asthma is associated with metabolic syndrome in Brazilian adolescents (2018)

Este trabalho teve como objetivo avaliar a associação entre asma e alterações metabólicas em adolescentes brasileiros participantes do estudo ERICA9. Foram incluídos 37.410 participantes com questionário, determinações bioquímicas, medidas antropométricas e de pressão arterial completos. A definição de síndrome metabólica (SM) levou em consideração a circunferência abdominal (CA) aumentada e a presença de dois ou mais fatores de risco: triglicerídeos elevados ≥ 150 mg/dL e/ou glicemia elevada ≥ 100 mg/dL e/ou HDL-colesterol reduzido < 40 mg/dL ou < 50 mg/dL em meninas de 16 a 17 anos e/ou pressão arterial elevada ≥ 130/85 mmHg9. As prevalências de asma ativa e de asma grave foram 13,8% (IC 95% 12,4-15,2) e 2,09% (IC 95% 1,95-2,24), respectivamente. A prevalência de SM foi 2,3% (IC 95% 2,14-2,45). Foi observado que a asma ativa foi associada à CA elevada (razão de prevalência - RP 1,19; IC 95% 1,00-1,43) e ao LDL-colesterol alto (RP 1,28; IC 95% 1,08-1,48), mas não à SM (RP 0,94; IC 95% 0,67-1,13) nessa amostra. Por outro lado, a asma grave foi associada com a SM (RP 2,43; IC 95% 1,39-4,27), e esta associação permaneceu significativa após ajuste para idade, sexo, tabagismo ativo e índice de massa corpórea (IMC) - (RP 1,71; IC 95% 1,03-2,82). Além disso, foram observadas associações significativas entre asma grave e obesidade (RP 1,28; IC 95%1,02-1,62), CA elevada (RP 1,74; IC 95% 1,16-2,61), hiperglicemia (RP 1,78; IC 95% 1,052,98) e hiperinsulinemia (RP 1,55; IC 95% 1,03-2,33), que são conhecidos componentes da SM9.

ERICA: smoking is associated with more severe asthma in Brazilian adolescents (2019)

Este trabalho investigou a associação entre tabagismo e asma10. Um total de 66.394 participantes do ERICA foi incluído com questionários completos sobre asma, tabagismo, estilo de vida e variáveis sociodemográficas. As variáveis referentes ao tabagismo foram definidas do seguinte modo: ''experimentação" (adolescentes que experimentaram cigarros alguma vez na vida);''tabagismo atual'' (aqueles que fumaram cigarros pelo menos um dia nos últimos 30 dias); ''tabagismo frequente" (fumaram cigarros por pelo menos sete dias seguidos nos últimos 30 dias) e ''tabagismo passivo'' (os participantes que tinham pelo menos um fumante no domicílio)10.

As prevalências de asma ativa e asma grave foram respectivamente 13,2% (IC 95%: 12,9-13,5) e 2,4% (IC 95%: 2,3-2,5). A prevalência de asma ativa foi significativamente mais elevada entre os estudantes do sexo feminino, de cor da pele branca/outras e naqueles matriculados em escolas da rede privada. Em relação ao tabagismo; 18,2% (IC 95%: 17,3-19,1) dos adolescentes experimentaram cigarros. Desses, 25,3% foram classificados como ''tabagistas atuais'' e 11,8% como ''tabagistas frequentes''. A prevalência de adolescentes com pelo menos um tabagista domiciliar foi 27,5% (IC 95%: 26,6-28,3). As prevalências de asma ativa e asma grave foram significativamente maiores em adolescentes expostos a: experimentação (asma ativa: RP 1,78; IC 95% 1,51-2,09; asma grave: RP 2,01; IC 95% 1,35-2,98); tabagismo ativo (asma ativa: RP 2,08; IC 95% 1,65-2,64; asma grave: RP 2,29; IC 95% 1,38-3,82); tabagismo frequente (asma ativa: RP 2,25; IC 95% 1,64-3,07; asma grave: RP 2,41; IC 95% 1,23-4,73); e tabagismo passivo (asma ativa: RP 1,47; IC 95% 1,27-1,67; asma grave: RP 1,66; IC 95% 1,19-2,32). Estas associações mantiveram-se significativas após ajustes10. Além disso, foi observada uma relação dose-resposta: quanto maior o número de fumantes no domicílio, maior a prevalência de asma, como demonstrado na Figura 110.

 


Figura 1
Associação entre o número de tabagistas no domicílio e a prevalência de asma ativa em adolescentes brasileiros. ERICA, 2013-2014
Adaptado de Jordão EAOC et al., 2019.

 

Association between asthma and sleep hours in Brazilian adolescents: ERICA (2021)

O objetivo deste estudo foi investigar a associação de asma com a duração do sono em adolescentes participantes do ERICA 11. Foi considerada como curta duração do sono (CDS) dormir < 7 horas por noite, já utilizada em outros estudos nacionais. Também foi avaliada, como possível fator de confundimento na associação asma-sono, a prevalência de Transtornos Mentais Comuns (TMC), que correspondem aos transtornos mentais não psicóticos, caracterizados principalmente por sintomas de depressão, ansiedade e queixas inespecíficas e somáticas, sendo utilizado o General Health Questionnaire, versão de 12 itens (GHQ-12), validado para a população brasileira. Aqueles com escore ≥ 3 foram classificados como casos de TMC11.

Foram incluídos 59.442 participantes com dados completos. A prevalência de asma ativa foi significativamente mais elevada nos estudantes com CDS (RP: 1.17; 95% CI: 1.01-1.35; p = 0.034). Por outro lado, não houve associação entre asma ativa e grupo etário. A associação entre asma e CDS se manteve significativa mesmo após ajuste para sexo, grupo etário, tipo de escola, estado de peso e TMC11.

Asthma and vitamin D in Brazilian adolescents: Study of Cardiovascular Risks in Adolescents (ERICA) (2021)

O objetivo deste trabalho foi avaliar a associação entre asma e os níveis séricos de vitamina D em adolescentes brasileiros12. As concentrações séricas de 25-hidroxivitamina D foram dicotomizadas em: níveis suficientes (≥ 20 ng/mL) ou insuficientes/deficientes (< 20 ng/mL). Foram avaliados 1.053 adolescentes de quatro capitais brasileiras (Fortaleza, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre). A prevalência de asma ativa foi 15,4%, e de insuficiência/deficiência de vitamina foi 21%. Não houve associação estatisticamente significativa entre asma ativa e hipovitaminose D. As prevalências de asma ativa e hipovitaminose D foram, respectivamente, 2,34 (IC 95% 1,28-4,30) e 3,22 (IC 95% 1,75-5,95) vezes maior em Porto Alegre que no Rio de Janeiro, independentemente de possíveis fatores de confusão. Entretanto, não foram observadas associações significativas entre a prevalência de asma ativa e as variáveis relacionadas à vitamina D em quaisquer das cidades avaliadas12.

 

Discussão

Nos estudos sobre asma com os dados do ERICA, foi possível demonstrar que a prevalência de asma foi significativamente maior entre adolescentes do sexo feminino em todas as capitais e macrorregiões do Brasil, com predomínio da doença na região Sudeste do nosso país8. Além disso, a asma esteve fortemente associada ao tabagismo (passivo e ativo)10, e foi associada à duração curta do sono11. Por outro lado, não esteve associada com os níveis séricos de vitamina D12. Em relação aos parâmetros metabólicos, foi observado que a síndrome metabólica (SM) e alguns de seus componentes, como a CA, estiveram significativamente associados à asma grave em adolescentes brasileiros9.

O ISAAC foi um dos principais estudos mundiais criados para investigação da epidemiologia da asma em crianças e adolescentes. Trata-se de um estudo multicêntrico que avaliou a prevalência de asma, rinoconjuntivite alérgica e eczema atópico em crianças (6 a 7 anos) e adolescentes (13 a 14 anos)6. A primeira fase do ISAAC foi finalizada em 1996 e envolveu cerca de 450.000 adolescentes, de 155 centros localizados em 56 países14. A prevalência global da asma em adolescentes, definida pela presença de sibilos nos últimos 12 meses, foi 13,2%. No Brasil, a prevalência foi de 19,5%14. O ISAAC fase III foi realizado após sete anos da fase I e contou com a participação de quase 1 milhão de adolescentes de 233 centros de 97 países15,16. A prevalência global da asma aumentou para 13,7%. No Brasil, a prevalência de asma ativa no ISAAC fase III foi 19% variando entre 11,8% a 30,5%15,16.

A Pesquisa Nacional em Saúde do Escolar (PeNSE), outro estudo transversal realizado em âmbito nacional em 2012, contou com a participação de 109.104 adolescentes brasileiros, estudantes do 9º ano de escolas públicas e privadas, a maioria (86%) com idade entre 13 e 15 anos17. Foi utilizado o questionário autopreenchido ISAAC para estimar a prevalência de asma, encontrando taxas de 23,2% e 12,4% para sintomas de asma e asma diagnosticada por médico, respectivamente17. Quando comparado aos resultados observados pelo ISAAC em cinco capitais brasileiras, houve aumento na prevalência de asma em São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, enquanto ocorreu redução em Salvador17.

A comparação entre a prevalência observada no ERICA e em outros estudos que utilizaram o questionário ISAAC em vários locais do Brasil mostrou menores taxas de prevalência de asma ativa e de asma diagnosticada por médico no ERICA8,17,18. No PeNSE 2012, foram observadas taxas de 23,2% e 12,4%, respectivamente, para asma ativa e asma diagnosticada por médico em adolescentes de 1315 anos17. De modo similar aos nossos resultados, os maiores percentuais de asma ativa (24,9% versus 14,5%) foram observados na Região Sudeste e de diagnóstico médico de asma (18,4% versus 13,5%) na Região Norte. Outro achado semelhante foi a maior prevalência de asma ativa em meninas em relação aos meninos17. Solé e cols. avaliaram a prevalência de asma em adolescentes de 13-14 anos de sete cidades brasileiras participantes do ISAAC fase III em 2003 e sua tendência temporal após nove anos do estudo18. Nesse período, foi observada queda da prevalência média de asma ativa (19,5% versus 17,5%) com elevação da asma diagnosticada pelo médico (14,3% versus 17,6%), ambas superiores àquelas obtidas pelo ERICA18. A prevalência de diagnóstico médico de asma obtida pelo ERICA também foi menor quando comparada aos resultados do ISAAC e PeNSE8,17,18.

Quanto à prevalência de asma ativa entre estudantes de escolas públicas e privadas, não foram observadas diferenças significativas no PeNSE17. No ERICA, encontramos maior percentual de asma ativa entre os adolescentes de escolas privadas8. Este resultado pode ser explicado pela maior probabilidade de adolescentes oriundos de escolas privadas apresentarem melhor condição financeira familiar e consequentemente maior acesso aos serviços de saúde8.

Em relação à associação entre asma, SM e seus componentes, a asma ativa foi associada à CA elevada e ao LDL-colesterol alto, mas não à SM no ERICA9. Por outro lado, a asma grave foi associada à SM e vários de seus componentes (obesidade, CA elevada, hiperglicemia e hiperinsulinemia)9. Na literatura mundial, a maior parte de dados epidemiológicos sobre a relação entre asma e SM e/ou seus componentes são provenientes de estudos realizados em adultos19,20. Uma pesquisa espanhola com 85.555 trabalhadores demonstrou que a CA elevada (ou índice de massa corpórea - IMC), triglicerídeos elevados ou HDL-colesterol baixo estiveram significativamente associados à sibilância19. Outro estudo com 121.965 adultos parisienses mostrou associação entre alteração da função pulmonar e SM, e a obesidade foi o melhor preditor deste desfecho, com resultados semelhantes em ambos os sexos20. Na população de adolescentes, Forno e cols. observaram numa amostra de 1.429 americanos que a resistência insulínica esteve associada com alterações da função pulmonar (valores reduzidos de volume expiratório forçado no 1º segundo (VEF1) e capacidade vital forçada (CVF)), e a SM foi associada com uma menor relação VEF1/ CVF21. Não foi realizada análise de função pulmonar no ERICA, porém foram encontradas associações mais fortes e significativas entre os componentes da SM com asma grave, comparada à asma ativa9. Assim, a relação entre asma e SM pode variar de acordo com a gravidade da asma, e esta associação pode ser refletida na alteração da função pulmonar em adolescentes com anormalidades do metabolismo glicídico e lipídico.

Num estudo longitudinal que avaliou duas coortes alemãs (GINIplus e LISAplus), os pesquisadores investigaram eventos do início da vida, além de fatores ambientais e de estilo de vida e correlacionaram com a função pulmonar dos adolescentes aos 15 anos22. Foi observado que as infecções pulmonares no início da vida foram eventos precoces associados à limitação do fluxo aéreo e ao FEF25-75 (fluxo expiratório forçado intermediário, entre 25 e 75%). Os fatores ambientais na idade de 15 anos associados à função pulmonar foram: tabagismo passivo, concentração da vitamina D, IMC e diagnóstico de asma22. No ERICA, apesar de não ter sido avaliada a função pulmonar e se tratar de um estudo transversal, observamos associações mais significativas entre asma grave e tabagismo, comparada à asma ativa10. Da mesma forma, demonstramos associações mais fortes entre alterações metabólicas, como o aumento do IMC, e asma grave9. Por outro lado, não encontramos associações significativas entre asma ativa ou grave e hipovitaminose D12.

No PeNSE, foram avaliados outros aspectos além da prevalência relacionados à asma em adolescentes brasileiros. Um trabalho estudou os fatores socioeconômicos, ambientais, psicossociais, relacionados à família e ao estilo de vida associados à asma de adolescentes brasileiros23. Foram avaliados dados de 109.104 participantes do PeNSE, observando-se que a exposição à violência (sentimento de insegurança na escola, bullying, exposição a armas de fogo) e agressão física por um adulto na família foram os fatores ambientais mais fortemente associados à asma23. Em relação aos indicadores de saúde mental, sentimentos de solidão e problemas para dormir foram os fatores mais significativos23. Entre os fatores comportamentais, a associação mais forte foi com o tabagismo23. No ERICA, também foram observadas associações entre asma e duração curta do sono11 e, de forma mais significativa com o tabagismo10. Entretanto, não foram coletados dados a respeito de violência, não sendo possível a realização de estudos nessa área.

Outro estudo baseado nos dados do PeNSE avaliou os fatores associados à asma em adolescentes24. Neste trabalho, foram analisados dados de 106.983 participantes. A prevalência de asma foi 23,2% e foram encontrados fatores associados de forma independente à asma24. Entre eles, podem ser citados: sexo feminino (OR = 1,17); idade < 14 anos (OR = 1,17); maior número de dias consumindo alimentos ultraprocessados (OR = 1,16); tabagismo ativo (OR = 1,36); experimentação de bebida alcóolica (OR = 1,37); uso de drogas ilícitas (OR = 1,37); e ter procurado atendimento de saúde no último ano (OR = 1,67)24. De forma semelhante, no ERICA observamos associação com o sexo feminino8 e tabagismo ativo10. Não foram feitas análises sobre o consumo de alimentos ultraprocessados e bebidas alcóolicas, mas são dados já coletados e que podem ser avaliados em trabalhos futuros.

Este artigo possui limitações como o fato de se tratar de uma revisão baseada em dados secundários de poucos artigos. Além disso, o ERICA foi um estudo transversal, não sendo possível estabelecer relações de causalidade entre os fatores avaliados e a asma. Por outro lado, o ERICA foi um estudo multicêntrico nacional com amostra representativa de adolescentes brasileiros e que utilizou o questionário ISAAC, padronizado mundialmente e validado para a nossa realidade. Portanto, foi possível construir um panorama extenso sobre a asma e alguns de seus determinantes.

Concluindo, a asma é uma doença ainda bastante prevalente na população de adolescentes brasileiros, constituindo importante problema de saúde pública nessa faixa etária. Apresenta caráter multifatorial, estando associada a diversos fatores como o tabagismo, alterações metabólicas e distúrbios do sono. O estudo dos diversos fatores ambientais e de estilo de vida associados à asma poderá ampliar o entendimento sobre a doença e, por consequência, melhorar seu controle e manejo.

 

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