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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Janeiro-Março 2023 - Volume 7  - Número 1


Artigo Original

Tradução e validação do Questionário de Qualidade de Vida em Hipersensibilidade a Drogas (DrHy-Q) para a língua portuguesa (cultura brasileira, DrHy-Qb)

Translation and validation of the Drug Hypersensitivity Quality of Life Questionnaire (DrHy-Q) to Brazilian Portuguese

Denise Neiva Santos de Aquino1; Ligia Maria de Oliveira Machado1; Inês Cristina Camelo Nunes1; Ilaria Baiardini2; Luis Felipe Ensina1; Dirceu Solé1


1. UNIFESP, Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/ UNIFESP) - São Paulo, SP, Brasil
2. University of Genoa, Allergy and Respiratory Diseases Clinic, DIMI, University of Genoa, IRCCS AOU San Martino-IST, Provincia di Genoa - Itália


Endereço para correspondência:

Denise Neiva Santos de Aquino
E-mail: deniseneiva@gmail.com


Submetido em: 02/12/2022
Aceito em: 11/02/2023

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

INTRODUÇÃO: A hipersensibilidade a fármacos é uma condição clínica debilitante, acompanhada de experiência emocional intensa e pode afetar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS). A repercussão das reações de hipersensibilidade a drogas (RHD) na qualidade vida (QV) pode ser verificada pela utilização de questionário específico, o Drug Hypersensitivity Quality of Life Questionnaire (DrHy-Q), desenvolvido originalmente na língua italiana. O objetivo foi traduzir, adaptar transculturalmente e validar a versão do DrHy-Q para a língua portuguesa (cultura brasileira, DrHy-Qb), verificando a consistência interna, validação de constructo e reprodutibilidade do DrHy-Qb, como instrumento específico de avaliação da QV nos pacientes brasileiros com hipersensibilidade a fármacos.
MÉTODOS: A adaptação do questionário consistiu na tradução e retrotradução realizadas de forma independente por três tradutores bilíngues, seguidas por pré-teste. A versão final, DrHy-Qb juntamente com o questionário de qualidade de vida resumido (SF-36), foi respondido por 84 pacientes (69% feminino, 40,3±15,2 anos) acompanhados em ambulatório especializado. Na análise fatorial, a validação de constructo foi realizada pelo cálculo do coeficiente de correlação de Pearson, de consistência interna pelo coeficiente alfa de Cronbach, e da reprodutibilidade pelo coeficiente de correlação intraclasse.
RESULTADOS: A análise estatística evidenciou consistência interna (α = 0,936) e reprodutibilidade (r: 0,984; IC95% = 0,963-0,993; p < 0,001) excelentes. A correlação entre o DrHy-Qb e o SF-36 total foi negativa e moderada (r = -0,394; p < 0,01).
CONCLUSÕES: O DrHy-Qb foi adequadamente traduzido, adaptado e validado para a cultura brasileira, podendo ser útil na avaliação da qualidade de vida dos pacientes com hipersensibilidade a fármacos.

Descritores: Hipersensibilidade a drogas, inquéritos e questionários, qualidade de vida, idioma, estudo de validação.




Introdução

As reações de hipersensibilidade a drogas (RHD) representam até 15% de todas as reações adversas a drogas1. A depender do mecanismo envolvido, podem cursar com uma variedade de manifestações clínicas, como urticária, angioedema, broncoespasmo, anfilaxia, exantemas, dentre outros sinais e sintomas. Geralmente, a pele pode ser acometida em mais de 90% dos casos2.

A relação entre a manifestação clínica e os medicamentos suspeitos muitas vezes é difícil de ser comprovada e prejudica o seguimento adequado do paciente. A ausência do diagnóstico etiológico de certeza interfere na escolha de tratamentos específicos, que podem não ser tão eficazes quando comparados àqueles de primeira linha3.

Seja como for, as RHD influenciam de modo significante a prática clínica diária e são causa frequente de aumento no tempo de hospitalização, modificações na prescrição médica e consequente impacto socioeconômico2.

Na prática clínica, do ponto de vista do paciente, o antecedente de RHD é uma experiência acompanhada por conteúdo emocional intenso, como medo, ansiedade, somatização e insegurança frente à necessidade do uso de qualquer medicamento que certamente pode exercer influência negativa em sua vida, e comprometer o seu desempenho diário4. A avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) é importante para mensurar o impacto de doenças no dia a dia dos pacientes5.

A repercussão das RHD na qualidade de vida (QV) pode ser verificada pela utilização de um questionário específico, o Drug Hypersensitivity Quality of Life Questionnaire (DrHy-Q), desenvolvido originalmente na língua italiana. Esse é um instrumento de domínio único, composto por 15 itens, que atendeu aos padrões de validade de construto, consistência interna e confiabilidade, indicando ser apropriado para uso isolado ou em combinação com outros questionários, com intuito de relatar as experiências emocionais de pacientes com hipersensibilidade a fármacos6.

O DrHy-Q também já foi traduzido e validado para as línguas turca, holandesa, espanhola, tailandesa e portuguesa de Portugal7-11.

Existe a versão brasileira do Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36), que é um instrumento genérico para avaliação em saúde, sendo constituído por 36 questões de fácil administração e compreensão, podendo ser aplicados à população geral12.

No Brasil não há estudos que avaliem a QV de pacientes com hipersensibilidade a medicamentos, bem como não há uma versão validada do DrHy-Q na língua portuguesa (cultura brasileira).

O desenvolvimento de uma ferramenta específica seria demorado, oneroso e impossibilitaria a comparação dos resultados obtidos com os observados em outros países. Por isso, a importância de realizar a adaptação transcultural do DrHy-Q, que é um instrumento válido e confiável.

Este estudo tem por objetivo traduzir, adaptar e validar a versão original do Drug Hypersensitivity Quality of Life Questionnaire (DrHy-Q) para a língua portuguesa (cultura brasileira, DrHy-Qb) e verificar a sua validade, confiabilidade e reprodutibilidade.

 

Métodos

O estudo tem delineamento transversal de uma população acompanhada entre novembro de 2017 e dezembro de 2019 em ambulatório especializado. Nesse período, foram atendidos 174 pacientes, maiores de 18 anos, com história suspeita de RHD.

Para o processo de adaptação e validação do DrHy-Qb, foi utilizada amostra de conveniência com 94 pacientes com história provável de RHD13. De acordo com a escala de causalidade, consideramos uma reação provável quando há presença de um evento clínico com relação temporal após a administração do medicamento, podendo ou não apresentar teste laboratorial anormal, sendo improvável atribuir a outras doenças ou produtos químicos e com resposta clínica após retirada do mesmo13.

Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos, independentemente de sexo, com história provável de RHD, que aceitaram participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). Nos critérios de exclusão estavam pacientes com história improvável ou possível de RHD, com presença outras doenças crônicas, como doenças psicossomáticas e uso rotineiro de analgésicos, capazes de interferir na QV e que se recusaram participar do estudo.

Tradução do Drug Hypersensitivity Quality of Life Questionnaire (DrHy-Q)

A adaptação linguística foi baseada em método sugerido pela autora do questionário original, com objetivo de obter uma versão traduzida equivalente conceitualmente ao questionário original.

O processo de tradução da versão original em língua italiana para a língua portuguesa (cultura brasileira) foi avaliado por uma equipe (dois tradutores bilíngues na língua italiana e dois médicos alergistas e imunologistas, detentores do conhecimento técnico na área), de forma independente e cientes dos objetivos da pesquisa.

Enfatizou-se a necessidade da tradução ser conceitual e não somente literária, bem como a linguagem ser coloquial e de fácil compreensão. A tradução abrangeu os mesmos conceitos e itens que o instrumento original, com expressões culturalmente relevantes e aceitas.

Retrotradução do Drug Hypersensitivity Quality of Life Questionnaire (DrHy-Q)

A versão de consenso foi retrotraduzida para o italiano, por outro tradutor com idioma materno italiano e bilíngue no idioma português, e comparada com a original, por uma avaliadora de idioma natal italiano, com a finalidade de rever o significado referencial de cada item, além de detectar diferenças ou discrepâncias entre ambas as edições.

Essa versão retrotraduzida também foi avaliada pela equipe do estudo e pela autora do questionário original, sendo, portanto, conduzida para a fase de adaptação transcultural.

Adaptação do Drug Hypersensitivity Quality of Life Questionnaire (DrHy-Q)

A versão de consenso foi aplicada a uma amostra de 10 pacientes com o objetivo de avaliar se a tradução era de fácil compreensão, com linguagem simples e apropriada.

Esses pacientes foram escolhidos de modo aleatório quando em consulta de rotina. Foram questionados sobre dificuldades na compreensão das perguntas, das opções de respostas e solicitados que opinassem, quando pertinente, quanto à melhor forma de realizá-las.

A versão final do DrHy-Q adaptado (DrHy-Qb) (Anexo A) foi composta por 15 itens, com escore total podendo variar de 15 pontos (melhor QV) a 75 pontos (pior QV), empregando-se a Escala de Likert de 5 pontos.

Validação do Drug Hypersensitivity Quality of Life Questionnaire adaptado (DrHy-Qb)

Uma amostra de conveniência de 84 pacientes com história provável de RHD responderam ao DrHy-Qb, juntamente com a versão brasileira de um instrumento genérico em saúde (SF-36: The Medical Outcomes Short-Form Health)12.

Durante este processo de validação, medidas psicométricas foram mensuradas, como validade de construto, confiabilidade e reprodutibilidade do instrumento avaliado.

Análise estatística

Os dados coletados foram armazenados em arquivo no programa Microsoft Excel® e a análise estatística foi realizada pelo software estatístico SPSS 25.0 (Statistical Package for the Social Sciences), adotando o nível de significância de 5% (p < 0,05).

Para análise dos dados, as variáveis quantitativas e qualitativas foram avaliadas descritivamente. Além disso, foram realizados testes de normalidade de amostra e homogeneidade de variâncias, como pré-requisitos para possíveis análises de correlações paramétricas e não paramétricas.

Na avaliação do constructo do questionário, optou-se pelo cálculo do coeficiente de correlação de Pearson (r), que pode variar entre -1 a +1, e, quanto mais próximo ao valor 1, mais forte é considerada a correlação. Os valores negativos equivalem a correlações inversamente proporcionais14.

O coeficiente de confiabilidade alfa de Cronbach foi utilizado para avaliar a consistência interna do instrumento. Quanto mais próximo de 1 for o resultado, mais consistentes serão as variáveis testadas15. Valores acima de 0,75 são consideráveis aceitáveis16,17.

Para avaliação da reprodutibilidade do DrHy-Qb foi utilizado o coeficiente de correlação intraclasse (ICC), buscando a concordância do mesmo examinador, no primeiro momento e à sua reaplicação, após prazo de 7 a 30 dias. Para ter validade estatística espera-se que pelo menos 20% da amostra seja reavalida. O resultado próximo ao valor de 1, aponta correlação forte, ou seja, com uma menor variabilidade das medidas comparadas18,19.

Aspectos éticos

O projeto foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNIFESP e cadastrado na Plataforma Brasil (CAAE: 42295414.7.00005505). A integridade, privacidade e o sigilo das informações dos pacientes foram rigorosamente respeitados. Todos os procedimentos da pesquisa seguiram a resolução nº 466/12 e a resolução nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, sobre pesquisa com seres humanos. Todos os participantes assinaram o TCLE.

 

Resultados

Avaliação da equivalência conceitual, de itens e semântica do DrHy-Qb

Dos dez pacientes selecionados, na fase de adaptação cultural, sete deles demonstraram entender todos os itens do DrHy-Qb. Três pacientes sugeriram mudanças de cunho semântico nas questões, em relação a termos e palavras mais apropriadas para melhor compreensão e aproximação da realidade brasileira.

Durante a fase de validação, alguns dos entrevistados tiveram dificuldade em distinguir os sentimentos questionados: ansiedade, angústia, pavor, preocupação e medo. O tempo médio de aplicação foi de 7,5 minutos para os pacientes que compreenderam e autopreencheram o questionário, enquanto o tempo médio entre os que necessitaram do auxílio de um entrevistador para leitura das perguntas foi de 24 minutos. Todos os pacientes responderam às questões do DrHy-Qb.

Características socioeconômicas e clínicas da amostra

O sexo feminino correspondeu a 69% (n = 58) da amostra e a média de idade da população foi 40,3 anos (mediana [DP], mínimo-máximo; 36 anos [15,19], 18-72 anos). Optou-se em realizar o método de leitura das questões em 21,4% (n=18) dos pacientes que não sabiam ler e escrever e tinham discernimento sobre a doença. As demais características socioeconômicas foram descritas na Tabela 1.

 

 

Em relação às manifestações clínicas, a mais frequente foi o angioedema palpebral isolado, que ocorreu em 40,5 % (n = 34), seguido de anafilaxia em 35,7% (n = 30). As reações de hipersensibilidade descritas foram relacionadas ao número de drogas, número de episódios e à classe de drogas implicadas (Tabela 2).

 

 

Avaliação de confiabilidade do DrHy-Qb

Pelo cálculo do coeficiente alfa de Cronbach, demonstramos que a consistência interna, entre os 15 itens do DrHy-Qb, foi excelente, α = 0,936.

De maneira semelhante, o DrHy-Qb mostrou ser preciso, pela confirmação da confiabilidade por item, ou seja, todas as questões contribuíram para uma boa fidedignidade ao comporem o questionário (Tabela 3).

 

 

Avaliação da reprodutibilidade pelo coeficiente de correlação intraclasse (ICC)

Vinte e três pacientes (27,3%) foram selecionados de forma aleatória e responderam novamente ao DrHy-Qb em tempo variável de 7 a 30 dias após a primeira avaliação. Neste estudo, houve classificação excelente na concordância da reprodutibilidade do questionário testado.

O coeficiente intraclasse (ICC) mostrou correlação de r = 0,984 (IC95% = 0,963-0,993, p < 0,001) confirmando concordância excelente de reprodutibilidade do DrHy-Qb.

Avaliação de constructo do DrHy-Qb

A média do escore do DrHy-Qb foi 43,19 pontos (mediana [DP], mínimo-máximo; 44 [13,95], 15-70) e a média do somatório total do SF-36 foi 108,44 pontos (mediana [DP], mínimo-máximo; 111,55 [18,48], 60,5-139) (Tabela 4). Vale salientar, quanto maior o valor do DrHy-Qb, bem como menor o SF-36, pior será considerada a QV.

 

 

O coeficiente de correlação de Pearson mostrou haver correlação negativa (instrumentos inversamentes proporcionais) e moderada entre a média do escore de DrHy-Qb e a média do somatório total do SF-36 (r = -0,394; p < 0,01). Com relação aos domínios, não houve significância em "limitação por aspectos físicos" (p = 0,11) e "vitalidade" (p = 0,07). Já os demais domínios tiveram correlação negativa, moderada e significante com a média do escore de DrHy-Qb (Tabela 5).

 

 

Discussão

Tradução e adaptação transcultural

Na fase de tradução, a comparação da versão retrotraduzida com a versão fonte original foi feita com a finalidade de detectar quaisquer mal-entendidos, erros de tradução ou imprecisões do novo questionário. No processo do desenvolvimento de um instrumento por consenso, a própria tradução por método de comitê reduz o viés cultural e social que podem acontecer quando apenas um ou dois tradutores são responsáveis pela tradução.

Embora todas as versões de tradução do DrHy-Q tenham partido do original italiano, cada adaptação para as diferentes culturas poderia ter alterado o conteúdo do questionário e consequentemente seu objetivo em avaliação. Isso é minimizado quando se faz a conciliação com o autor do questionário original. Após a validação da versão brasileira, optou-se por denominá-la DrHy-Qb para melhor diferenciação com as demais versões culturais existentes.

Alguns dos entrevistados tiveram dificuldade em distinguir os sentimentos questionados no DrHy-Qb: ansiedade, angústia, pavor, preocupação e medo. Por mais que esses termos estejam relacionados a sentimentos negativos, eles não são considerados sinônimos20,21.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2018 havia 11,3 milhões de pessoas com mais de 15 anos de idade que não sabiam ler ou escrever22. Assim, era de se esperar que alguns pacientes tivessem limitações na compreensão do questinário. Dessa forma, considerou-se auxiliar 18 pacientes na leitura do instrumento para melhor entendimento do processo, além de ser observado um tempo médio de 24 minutos necessários para responder o mesmo. Os demais pacientes com escolaridade a partir do ensino fundamental até a pós-graduação responderam ao questionário sem dificuldades.

A versão tailandesa quantificou um tempo médio de aproximadamente 7,4 minutos, semelhante ao observado em nosso estudo10. Os demais estudos de validação do DrHy-Q não especificaram tempo de aplicação do questionário6‑11.

Sobre a coleta de dados, no estudo tailandês houve percentuais baixos de itens não preenchidos, cerca 1,2% da amostra10. O estudo holandês mostrou abandono nas respostas dos questionários em 42% e isso foi esperado devido à coleta dos dados ter sido por e-mail8. No nosso estudo todos os pacientes responderam completamente a versão brasileira, o DrHy-Qb.

Avaliação das propriedades psicométricas do questionário

Os dados de avaliação psicométrica encontrados no nosso estudo mostraram que o DrHy-Qb está alinhado com os resultados de outros estudos de validação dessa ferramenta6‑11.

Na avaliação de constructo do questionário, optamos por usar o coeficiente de correlação de Pearson (r) por se tratar de análise com duas variáveis dependentes quantitativas (DrHy-Qb e SF-36). Observamos correlação negativa, ou seja, inversamente proporcional, que é condizente com a interpretação de que quanto maior o escore do DrHy-Qb, pior a QV do paciente, e quanto maior os valores absolutos do SF-36 total e por domínios, melhor a QV do paciente estudado.

Nenhum paciente relatou o uso de medicações corriqueiras para tratar alguma doença física. Nesse estudo, os dados comprovaram a falta de correlação de possíveis limitações por aspectos físicos e de vitalidade com o comprometimento na QV dos pacientes.

A avaliação de construto pelo cálculo do coeficiente de correlação de Pearson entre o escore do DrHy-Qb e a média do somatório total do SF-36 mostrou-se negativa e moderada (r = -0,394; p < 0,01) e foi capaz de demonstrar que aspectos específicos na QVRS desses pacientes com experiências de RHD não foram detectados adequadamente pela ferramenta genérica (SF-36). Este resultado corrobora os dados encontrados por outros estudos de validação do DrHy-Q6-11.

A avaliação da confiabilidade do DrHy-Qb pelo cálculo do coeficiente alfa de Cronbach mostrou o quão consistente é o instrumento. Se as respostas fossem discrepantes, haveria a tendência de não ser confiável para mensurar aquilo que se pretende. Algumas perguntas têm a capacidade de aumentar a consistência dos questionários e outras em diminuir. O resultado desse estudo evidenciou um α global de 0,936, mostrando uma excelente consistência entre os 15 itens do questionário.

Ao comparar o alfa global com o alfa excluindo cada questão, foi possível determinar se a remoção desse item aumentaria a confiabilidade geral do questionário, caso o alfa resultante fosse maior que global. No nosso estudo, todas as perguntas apresentaram comportamento semelhante e importante ao compor o DrHy-Qb, com α por item acima de 0,928 até α global de 0,936. Nos demais estudos publicados, o DrHy-Q também apresentou confiabilidade elevada6‑11.

A análise estatística evidenciou que o DrHy-Qb atendeu aos padrões de reprodutibilidade para validação de instrumentos em QVRS, semelhante aos estudos anteriores6‑11. Para que não houvesse perda amostral, alguns pacientes responderam novamente ao questionário entre o período mínimo de 7 dias e máximo de 30 dias.

Todos foram questionados sobre a ocorrência de alguma mudança significativa de vida e de saúde na última semana, semelhante ao que aconteceu no estudo tailandês10, e o tempo não determinou impacto sobre a QVRS desses pacientes.

A nossa avaliação de teste-reteste, aplicado em 27,3% da amostra, apresentou resultado excelente e confirmado pelo cálculo do ICC (r = 0,984; IC95% = 0,963-0,993, p = 0,0001). As demais validações do DrHy-Q seguiram resoluções semelhantes e com percentual amostral também aproximado6‑11.

Escores obtidos do DrHy-Qb

Comparar as pontuações do DrHy-Qb com as obtidas em estudos de outros países nos auxiliou na investigação de diferenças culturais e o impacto sobre a QVRS. Entretanto, no estudo holandês de validação, foi realizada uma reformulação na escala do somatório do escore de DrHy-Q para 0-100, onde o valor máximo indicou comprometimento na qualidade de vida8.

Utilizar a ferramenta como ela foi descrita e desenvolvida é importante para melhor comparabilidade das casuísticas e respectivos resultados. Por essa razão, o somatório do escore de DrHy-Q foi reformulado para uma escala com variação de 0 a 100 pontos, onde 100 pontos indicam maior comprometimento na QVRS e para a escala original 15-75 pontos, onde 75 pontos apontam pior QV6. Sendo assim, foi possível analisar as medianas do escore de DrHy-Q nas diferentes populações onde essa ferramenta foi validada (Tabela 6).

 

 

Para conversão do escore de DrHy-Q em uma escala de 0 a 100 pontos foi utilizada a fórmula:

A mediana do escore do DrHy-Qb foi 48 pontos. Já para reformular o escore de DrHy-Q na escala de 15 a 75 pontos, utilizou-se a fórmula:

A mediana do escore do DrHy-Qb foi 44 pontos (Tabela 6).

A mediana do escore de DrHy-Q no estudo tailandês não foi descrita, apenas as médias para as variáveis estudadas10. Já no estudo holandês, os dados mais baixos se justificariam por ser um estudo retrospectivo, com os diagnósticos e aconselhamentos realizados previamente à aplicação do questionário em comparação às populações italiana e turca. Além disso, foram observadas percepções mais saudáveis do povo holandês em relação aos outros países estudados, como o menor consumo de medicamentos. Essas diferenças culturais e sociais poderiam influenciar no resultado do DrHy-Q8.

O escore mediano do DrHy-Qb, em relação ao resultado dos outros países, foi considerado alto, provavelmente pelo fácil acesso aos medicamentos, muitos desses sem a obrigatoriedade de uma receita médica para aquisição, e sua consequente automedicação, aumentando a frequência de exposições aos fármacos. Outro fator associado seria, possivelmente, o aumento do consumo de medicamentos de forma indiscriminada no Brasil23.

Ao contrário de outros estudos retrospectivos em que o paciente é abordado após anos das reações ou aconselhamento médico, uma das vantagens deste estudo foi o fato de os pacientes terem sido avaliados durante o levantamento da hipótese diagnóstica e antes da realização de testes cutâneos ou de provocação. Desta forma, reduz-se o risco de influenciar o resultado do questionário.

Todos os pacientes responderam adequadamente aos itens do instrumento DrHy-Qb e não houve perda amostral em nosso estudo. Outro aspecto que não contribuiu para possíveis vieses foi o de não termos abordado doenças psicossomáticas ou psiquiátricas, bem como doenças relacionadas a dor crônica e uso corriqueiro de remédios para analgesia. Estes fatores de confusão poderiam comprometer essa avaliação específica em QVRS.

Limitações do estudo e empregabilidade do instrumento validado

Uma das limitações do nosso estudo foi o fato de não ter sido realizado em conjunto com outros centros de referência em alergia a fármacos no Brasil, o que proporcionaria maior casuística e representação mais ampla dos pacientes com RHD.

As diferenças étnicas e socioeconômicas, bem como a participação de pacientes com farmacodermias tardias graves, não foram avaliadas nesse estudo. Esses tópicos deverão ser investigados futuramente.

 

Conclusões

Este estudo possibilitou que o questionário DrHy-Q fosse adequadamente traduzido, adaptado culturalmente e suas propriedades psicométricas avaliadas de acordo com as orientações dos autores que o desenvolveram6. A versão portuguesa do DrHy-Q (cultura brasileira, DrHy-Qb) apresentou excelente confiabilidade, validade de construto e reprodutibilidade, o que possibilita a sua utilização na avaliação da qualidade de vida dos pacientes com hipersensibilidade a drogas, bem como para direcionar um tratamento ou suporte psicológico aos que mais necessitarem. O DrHy-Qb é uma ferramenta útil para avaliação da QRVS em futuras pesquisas científicas brasileiras.

 


Anexo 1
Questionário de Qualidade de Vida em Hipersensibilidade a Drogas para a língua portuguesa (cultura brasileira) - DrHy-Qb

 

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