Logo ASBAI

Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Janeiro-Março 2023 - Volume 7  - Número 1


ARTIGO ESPECIAL

Conhecer antes de incorporar: um retrato dos programas para alergia ao leite implementados no Brasil

Understanding before incorporating: a portrait of milk allergy programs implemented in Brazil

Cinthya Vivianne de Souza Rocha-Correia1, Maria Sueli Soares Felipe2,3


1. Universidade de Brasília, Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária - Brasília, DF, Brasil
2. Universidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde. Departamento de Saúde Coletiva - Brasília, DF, Brasil
3. Universidade Católica de Brasília, Programa Stricto Sensu em Ciências Genômicas e Biotecnologia - Brasília, DF, Brasil


Endereço para correspondência:

Cinthya Vivianne de Souza Rocha-Correia
E-mail: cinthyanutri@unb.br


Submetido em: 09/02/2022
Aceito em: 07/03/2023

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

Este trabalho objetiva caracterizar a assistência ofertada às crianças com alergia ao leite em programas públicos, e os desafios enfrentados na sua implantação, no contexto da pré-incorporação no Sistema Único de Saúde, de três fórmulas infantis para alergia ao leite. Estudo exploratório, transversal e abordagem quantitativa. Foram avaliados 21 programas/serviços de todas as regiões brasileiras. O principal indutor da criação destes programas foi a judicialização (80,9%), e o fornecimento destas fórmulas especiais foi realizado para crianças com até 2 anos de idade. Os principais desafios para a criação e execução destes programas foram a falta de recursos humanos e financeiros, a falta da contrapartida da União, protocolo unificado para o diagnóstico (Teste de Provocação Oral), e a escolha dos tipos das fórmulas. A estratégia mais adotada para redução dos custos foi a adequação das normas e protocolos (61,9%). Não houve diferença significativa entre os programas estaduais e municipais. Este estudo apresenta uma avaliação inédita e detalhada sobre os programas, trazendo discussões que corroboram a tomada de decisões, o uso racional de recursos públicos, a melhor assistência às crianças e o fortalecimento do sistema de saúde nacional.

Descritores: Sistema Único de Saúde, avaliação de programas e projetos de saúde, continuidade da assistência ao paciente, hipersensibilidade a leite, gestor de saúde.




Introdução

Doenças alérgicas representam uma causa relevante de morbidade em âmbito mundial e uma considerável carga nos sistemas de saúde das economias emergentes e desenvolvidas1. A alergia às proteínas do leite de vaca (APLV) é caracterizada por uma resposta imunológica às frações proteicas do leite de vaca, especialmente a α-lactoalbumina, β-lactoglobulina e caseína2. Esta alergia alimentar (AA) pode comprometer vários sistemas orgânicos, contudo, os mais afetados são os sistemas gastrointestinal, cutâneo e respiratório3. Esta condição representa a AA mais presente em crianças, principalmente em recém-nascidos4,5. Para a maioria das crianças com APLV, esta condição regride naturalmente ao longo do desenvolvimento6, pois alguns fatores contribuem para que a aquisição de tolerância ao leite de vaca ocorra mais precocemente, como APLV não mediada por imunoglobulina E (IgE), e tratamento com caseína hidrolisada + probióticos (cepas de Lactobacillus rhamnosus). Já fatores como parto cesárea e amamentação por menos de três dias colaboram para a tolerância tardia5. O diagnóstico da APLV é baseado em várias etapas, sendo bastante complexo7.

Segundo o Consenso Brasileiro de Alergia Alimentar atual6, para crianças amamentadas que apresentem reação a proteínas veiculadas pelo leite materno recomenda-se para a mãe a dieta de exclusão e monitorar os sintomas do lactente. Para lactentes em uso de fórmulas lácteas infantis recomenda-se a exclusão de fórmulas à base de proteínas do leite de vaca, substituindo-a por fórmulas extensamente hidrolisadas à base da proteína do leite de vaca (FEH), e em caso de não melhora clínica, após duas semanas, realizar a substituição por fórmulas à base de aminoácidos (FAA)6,8-9. Em caso de a criança apresentar melhora do quadro clínico, deverá ser realizado o Teste de Provocação Oral (TPO). Resultado positivo do TPO indica a necessidade de manutenção da dieta de exclusão terapêutica com a mesma fórmula por período de 6 a 12 meses6. No Brasil não existem inquéritos ou pesquisas no âmbito nacional sobre a prevalência de APLV10,11.

Para Patton12, "a avaliação dos programas consiste na coleta sistemática de informações sobre as atividades, as características e resultados desses programas a fim de se emitir julgamentos sobre eles, melhorar sua eficácia e esclarecer decisões relacionadas a novos programas". A realização desse estudo apoia-se nessa definição e evidencia-se que estudos de avaliação dos programas que dispensam essas fórmulas infantis especiais são escassos, estando comumente relacionados à caracterização epidemiológica e clínica dos pacientes13, à apresentação do histórico de criação dos programas14, e a relatos de experiências em relação ao incentivo à amamentação15, sendo este o primeiro realizado em âmbito nacional com a descrição e avaliação dos programas e/ou serviços de todas as regiões brasileiras, refletindo suas diferenças e especificidades.

Em 2012, iniciaram-se discussões sobre a incorporação destas fórmulas especiais para APLV no Sistema Único de Saúde (SUS), motivados pelo aumento da demanda destas fórmulas, a crescente judicialização dirigida a Estados e Municípios e, devido à inexistência de iniciativas na esfera Federal, sendo propostas a incorporação de três fórmulas infantis para APLV: (1) à base de soja (FSO), (2) à base de proteína extensamente hidrolisada (FEH) e (3) à base de aminoácidos (FAA)10. Em 2014, foi aprovado por unanimidade essa incorporação, mas não foi implementada até que fosse definida a responsabilização pelo financiamento pela União, Estados e Municípios, sendo a proposta reaberta em 2017. Entretanto, até o momento esta decisão ainda não foi efetivada, o que impediu a sua implementação em nível nacional. Os programas existentes foram iniciativas tomadas pelos Estados e Municípios.

De acordo com a Política Nacional de Alimentação e Nutrição16, tanto a alimentação quanto a nutrição integram as condições básicas na promoção e proteção à saúde, permitindo o irrestrito desenvolvimento e crescimento humano, com qualidade de vida e dignidade, mas, apesar desse reconhecimento trazido por essa política, a mesma não contempla condições de saúde especiais, como as alergias alimentares. Esse fato reitera a necessidade de se promover discussões em torno de melhoria na assistência às crianças com AA e suas famílias, de forma a garantir saúde, cidadania e qualidade de vida.

Com base na relevância e atualidade do tema, faz-se necessário conhecer o funcionamento, rotinas e desafios diretamente envolvidos nos programas e/ou serviços de distribuição de fórmulas infantis já implementados, e naqueles que ainda estão em fase de implementação, em âmbito nacional, no contexto para a incorporação desta nova tecnologia no SUS, visando maior equidade, integralidade e universalidade deste serviço.

 

Métodos

Estudo exploratório, de recorte transversal e abordagem quantitativa. Para identificação dos Municípios/Estados que apresentavam programas e/ou serviços voltados à assistência para crianças com APLV, utilizou-se consulta direta ao Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde - CONASEMS (n = 34 Municípios e 5 Estados) e busca na Internet a partir da combinação dos termos "programa", "alergia" e "leite de vaca" (n = 16 Municípios e 4 Estados).

Após esta etapa foram realizadas buscas sobre protocolos e normativos dos referidos programas, sendo excluídos aqueles que forneciam apenas por decisão judicial, totalizando 35 programas elegíveis para a pesquisa (26 municipais e 9 estaduais). Em relação ao programa estadual da Secretaria do Estado de Saúde de Sergipe e da Secretaria Municipal de Aracaju, constatou-se que os mesmos foram elaborados a partir de um Termo de Ajuste de Conduta entre o Ministério Público e estas duas secretarias, configurando-se nesta pesquisa como apenas um programa. A mesma situação foi verificada em relação ao município de Vitória, passando então para o total de 25 programas municipais e 9 estaduais a serem considerados na população deste estudo (Figuras 1 e 2).

 


Figura 1
Disposição geográfica dos municípios brasileiros que apresentam programas de dispensação de fórmulas infantis para crianças com alergia às proteínas do leite de vaca (APLV), Brasil, 2022

 

 


Figura 2
Disposição geográfica dos estados brasileiros que apresentam programas de dispensação de fórmulas infantis para crianças com alergia às proteínas do leite de vaca (APLV), Brasil, 2022

 

Para avaliação dos programas e serviços já implementados no país, foram contatados os estados e municípios. O contato com as secretarias de saúde foi realizado por meio de informações disponíveis nos canais institucionais oficiais (sites, telefone, serviços de "Fale conosco" e mídias sociais). Organizou-se previamente um banco de dados com estas informações a fim de agilizar essa comunicação. Todavia, muitas destas informações para comunicação direta com os programas ou até mesmo com as secretarias de saúde estavam desatualizadas, o que motivou buscas por meio de mídias digitais oficiais e contatos com outras secretarias visando-se alcançar a Secretaria de Saúde e, a partir desta, localizar os setores responsáveis pelo programa.

A coleta de dados foi realizada com auxílio de entrevista semiestruturada, por telefone e/ou ferramentas de videoconferência (Microsoft Teams® ou Google Meet®), sendo entrevistados os coordenadores dos programas indicados pelas respectivas secretarias de saúde. Os dados que ficavam pendentes no momento da entrevista eram solicitados posteriormente via e-mail. O roteiro da entrevista foi elaborado a partir da leitura dos protocolos e da revisão de literatura, e foi dividido em 5 blocos, contendo 28 perguntas ao todo, distribuídos conforme descrito a seguir.

- Institucionalização: nível do programa (municipal ou estadual), nome oficial do programa, ano de início, motivação, secretaria responsável pela gestão do programa administrativa e financeiramente, presença de parcerias e comunicações com outras secretarias.

- Dados epidemiológicos, tipos de fórmulas e custos diretos do programa: número de crianças assistidas e custo com a aquisição das fórmulas nos últimos cinco anos (2015 a 2019), oferta de fórmulas para crianças maiores de 2 anos de idade, fórmulas mais utilizadas em menores e maiores de 6 meses de idade.

- Composição e rotinas: profissionais que assistem de forma direta às crianças com APLV, duração mínima e máxima desde o cadastro até o recebimento da primeira fórmula, periodicidade de acompanhamento por profissional, realização de testes no âmbito do programa, aspectos considerados no diagnóstico de APLV, realização do teste de provocação oral no município ou Estado, condições adequadas para realização do TPO.

- Aleitamento materno: orientação sobre a importância do aleitamento materno, recebimento de material educativo sobre a dieta de exclusão e presença de instituição ou iniciativas de apoio ao aleitamento materno no município/Estado.

- Visão do gestor: principais dificuldades na implantação e execução do programa, sugestões para resolução das dificuldades elencadas, estratégias adotadas para redução dos custos.

A realização das entrevistas foi precedida de contato via telefone e∕ou e-mail institucional. As informações necessárias para caracterizar a assistência (diagnóstico, acesso e monitoramento) foram obtidas por meio da análise dos dados disponibilizados oficialmente pelas secretarias de saúde. As entrevistas foram realizadas no período de junho de 2020 a junho de 2022.

Os dados foram organizados em tabelas, sendo realizada análise estatística descritiva, com cálculos de frequências simples e relativas das variáveis qualitativas e medidas de tendência central e dispersão para as variáveis quantitativas. Na análise inferencial foi utilizado o teste qui-quadrado de homogeneidade para verificar se uma variável aleatória se comporta de modo similar, ou homogêneo, em várias categorias da mesma variável. O nível de significância ou diferença estatística adotado foi de 5%, sendo utilizados o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0 e R-Project, versão 3.6.0 para as análises.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (CEP-FS), CAAE: 29583520.4.0000.0030, parecer 3.984.775 de 22 de abril de 2020 e ainda pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, CAAE 29583520.4.3001.0101, parecer 4.852.974, 16 de julho de 2021; Núcleo de Educação Permanente de Belém (autorizado em 28 de abril de 2021); Setor de Pesquisas - Instituto de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi) do Espírito Santo (autorizado em 20 de agosto de 2020) e pela Comissão Permanente de Avaliação de Processos de Maringá (autorizado em 02 de julho de 2021).

 

Resultados

Participaram do estudo 21 programas e/ou serviços, sendo 15 municipais (Afogados da Ingazeira, Belém, Belo Horizonte, Blumenau, Campos Altos, Caruaru, Contagem, Curitiba, Dourados, Florianópolis, Lucas do Rio Verde, Maringá, Rio Verde, São José e Várzea de Palma) e 6 estaduais (Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Rio Grande do Norte e Sergipe).

Os coordenadores dos programas dos municípios de Almirante Tamandaré (PR), Camaçari (BA), Jaboatão dos Guararapes (PE), Jaguariúna (SP), Lupionópolis (PR), São Lourenço (MG), São Sebastião do Paraíso (MG), Sete Lagoas (MG) e Uruana (GO) e dois coordenadores estaduais (São Paulo e Mato Grosso do Sul) não responderam após várias tentativas via telefone e e-mail. O coordenador do programa do Rio Grande do Sul informou não ser possível a participação no estudo.

A maioria destes programas estava inserida em outros que dispensavam ainda fórmulas enterais e outras dietas especiais (Campos Altos, Caruaru, Contagem, Distrito Federal, Espírito Santo, Blumenau, Curitiba e Rio Verde), alergias alimentares (Afogados da Ingazeira, Belém, Sergipe) ou à população infantil com necessidades especiais (Dourados, Florianópolis, Maringá, São José, Várzea de Palma), sendo os exclusivos para APLV (Belo Horizonte, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte), ou como componente especializado municipal (Lucas do Rio Verde).

A judicialização foi significativamente o principal indutor para criação destes programas (80,9%) (Tabela 1). Todos os programas estão vinculados, administrativa e financeiramente, às secretarias de saúde de suas esferas municipal ou estadual, sendo que 80,9% não possui nenhuma parceria ou comunicação prevista com outras secretarias.

 

 

Os programas de Blumenau, Curitiba e São José têm comunicação com as secretarias de educação e assistência social, e ainda de segurança alimentar e nutricional (somente Curitiba), e Campos Altos tem parceria com a secretaria de assistência social (Tabela 1). Parceria, nesse contexto, refere-se às relações formais previstas dentro do programa e, as comunicações foram mencionadas como relações informais que não estavam estabelecidas nos normativos do programa.

As comunicações com a secretaria de educação eram realizadas quando as crianças assistidas adentravam nas creches municipais, a fim de garantir refeições seguras sem a presença de alérgenos, e adequação da quantidade de latas fornecidas conforme a permanência da criança. Já as comunicações perante a secretaria de assistência social visam verificar as condições de higiene para o preparo seguro das fórmulas, condições sociais da família e acolhimento social com direcionamento para outros programas. Em Curitiba foi identificado comunicação com a Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, onde as famílias em situação de vulnerabilidade são orientadas a realizar o cadastro no Programa Armazém da Família para aquisição de produtos básicos com preço inferior ao de mercado.

Para a maioria dos programas avaliados (Tabela 2), a idade de 2 anos completos (1 ano 11 meses e 29 dias) é adotada como limite para o recebimento das fórmulas especiais, contudo, nove destes - Afogados da Ingazeira, Belém, Curitiba, Florianópolis, Lucas do Rio Verde, Maranhão, Maringá, Rio Grande do Norte e Sergipe - permitem a extensão deste período segundo a avaliação de especialistas e/ou comissões internas do programa. Para os menores e maiores de 6 meses, as fórmulas mais disponíveis eram as FEH sem lactose e FAA, sendo a FSO também muito utilizada para os maiores de 6 meses (Tabela 2).

 

 

Na Tabela 3 estão descritas informações coletadas sobre o número de crianças assistidas pelos programas nos últimos cinco anos (2015 - 2019) e os custos diretos para compra destas fórmulas especiais. Não obstante, ainda não é possível realizar inferências sobre a relação entre as rotinas de acompanhamento e formato do programa com os custos por criança, pois a maioria dos programas e serviços avaliados não possuem estes dados. Todavia, se forem considerados os que apresentaram informações completas, como os programas do Espírito Santo, Maranhão, Blumenau e Curitiba, nota-se que o custo médio anual, por criança, varia de R$ 1.663 (Curitiba) a R$ 2.081 (Espírito Santo), o que está próximo aos dados de custo esperado. O Programa de Blumenau extrapolou em três vezes o valor apontado pelo Espírito Santo, mostrando um custo de cerca de R$ 6.400, e o do Maranhão (R$ 17.640,60) extrapolou em oito vezes também comparado com o do ES. Isto se caracteriza como um grande segundo desafio, ou seja, qual é a causa destas variações tão discrepantes?

 

 

Dispensação até 36 meses de idade, inconsistências no protocolo sobre o uso de fórmulas de soja em menores de 1 ano de idade (não recomenda o uso de FSO e Fórmula Infantil à Base de Arroz - FAZ, em menores de 1 ano de idade), a ausência de alergologista ou alergopediatra na Comissão de avaliação do programa, logística e custos de transporte são aspectos que podem justificar essa importante discordância dos custos do Programa do Leite Especial (Maranhão) com os demais programas. As crianças são acompanhadas por gastropediatras e nutricionistas vinculados ao SUS, sendo realizado o TPO a cada 6 meses em ambiente domiciliar; contudo, o protocolo orienta que para os casos de APLV mediadas por IgE, a reintrodução deve ser programada com TPO em ambiente controlado. O protocolo do programa limita o número de latas ofertadas por mês segundo a idade, sendo 8 latas/mês para crianças com até 12 meses, 6 latas/mês para crianças até 24 meses, e 4 latas/mês para crianças com até 36 meses de idade (Governo do Maranhão, s.d.).

As FSO são uma alternativa viável para redução dos custos diretos visto que apresenta menor custo e podem ser adotadas como opção a partir de 6 meses de idade para crianças com APLV mediada por IgE6. O componente especializado municipal (Lucas do Rio Verde, MT) não fornece fórmulas para menores de 6 meses de idade, e a partir desta idade dispensa apenas a FSO, o que pode explicar o baixo custo encontrado (R$ 204,17 por criança/ano). Não obstante, o Programa de APLV (Ceará) não fornece a FSO, a partir da reflexão que esta oferta implicaria em maior permanência no programa, o que elevaria os custos, visto que existem mais produtos similares que embora não incorporados podem suscitar novas judicializações.

O programa de Dispensação de Fórmulas Infantis Especiais (Maringá, PR) foi o único a mencionar além das fórmulas padrão para APLV (FAA, FEH e FSO) a oferta da FAZ, cuja proposta de incorporação não foi aprovada pela CONITEC. Como esta fórmula especial apresenta apenas um fabricante, há impossibilidade de concorrência, o que pode contribuir para aumento nos custos do programa, porém, como a FAZ só começou a ser ofertada em 2021, esse efeito ainda não pôde ser observado.

Os programas do Ceará, Espírito Santo, Maranhão e Belém - PA dispensam ainda fórmula infantil à base de aminoácidos para crianças acima de 1 ano de idade (1 a 10 anos) como alternativa para crianças que estão em uso de FAA a partir 1 ano de idade. Esse produto também é produzido por apenas um fabricante, não apresentando concorrência a produto equivalente.

Programas que tiverem maior uso de FAA terão custo superior aos que utilizarem mais FEH e FSO, porém a disponibilidade destas três opções é necessária. Fatores como a logística de distribuição e processos de compra pela administração pública também contribuíram para essas diferenças. O relatório de recomendação da CONITEC11 traz como menor valor pelas empresas os valores de: R$ 15,12 para fórmula de soja (FSO), R$ 20,33 para as extensamente hidrolisadas (FEH), e R$ 36,37 para fórmula à base de aminoácidos (FAA), entretanto estes valores estão defasados. Como os programas não tinham dados dos valores gastos com cada tipo de fórmula neste interstício, não foi possível estimar estes valores por tipo de fórmula.

A maior parte dos programas realiza orientação sobre a importância da amamentação e dieta de exclusão (Tabela 2), esta deve conter instruções sobre restrições de leite e derivados, orientações complementares sobre a leitura de rótulos, termos técnicos que indiquem a presença de leite e suas frações proteicas e ainda sobre alimentos que a mãe pode consumir, a fim de evitar restrições desnecessárias. Com relação à disponibilização de materiais educativos que orientem as mães sobre a dieta de exclusão, 71,4% dos programas avaliados afirmaram possuir tal orientação. Os gestores dos programas, em sua maioria (76,2%), mencionaram iniciativas de promoção e proteção ao aleitamento materno em seus territórios.

O nutricionista foi o profissional mais presente no acompanhamento de crianças com APLV (85,7% dos programas; n = 18) (Tabela 4), à exceção dos programas do Espírito Santo, onde o acompanhamento obrigatório é realizado somente pelos profissionais assistentes/prescritores; de Florianópolis, onde o acompanhamento obrigatório do programa é realizado pelo nutrólogo; e em Campos Altos, onde os pacientes são assistidos por pediatra.

 

 

No entanto, apesar do nutricionista não constar no acompanhamento obrigatório, este profissional em Florianópolis é parte fundamental da Comissão Técnica Multiprofissional que avalia os casos que não se enquadram nos critérios do programa e, ainda compõe a equipe básica do Núcleo Ampliado de Saúde da Família que apoia os casos assistidos na Atenção Primária à Saúde. No Espírito Santo este profissional compõe a equipe de perícia técnica, de modo que podemos afirmar que este profissional está presente em 95,2% dos programas avaliados, tanto na assistência como na gestão.

Médicos especialistas (alergopediatra e gastropediatra), pediatras e assistentes sociais também estavam muito presentes nas rotinas de acompanhamento dos programas. Em relação à periodicidade do acompanhamento, nota-se variações de acordo com a especialidade, e com média de até 3 meses para retorno.

A história clínica (anamnese), assim como a avaliação dos sinais e sintomas, foram os principais critérios presentes para o diagnóstico de APLV, seguidos do TPO (57,1%, n = 12) (Tabela 4). Dentre os ambientes apontados para realização do TPO, o ambiente hospitalar foi o mais mencionado pelos gestores, sendo que 80% consideravam esta estrutura adequada para responder a possíveis reações graves (anafilaxia).

Os gestores entrevistados apontaram a falta de recursos humanos - especialmente profissionais de saúde capacitados para organização dos fluxos e rotinas, criação de protocolos e assistência aos pacientes - como a principal dificuldade para implantação e execução dos referidos programas (Tabela 5). A falta de recursos financeiros mostrou-se também relevante neste contexto, visto que inexistem iniciativas federais e poucos Estados dispõem desta demanda organizada, mobilizando recursos próprios dos Municípios para manutenção dos programas.

 

 

A contrapartida financeira da União e dos Estados, ações de educação permanente com os profissionais de saúde e a contratação de profissionais de saúde, principalmente especialistas, foram pontuadas como ações relevantes para melhor gestão e assistência destes programas (Tabela 5).

A elaboração e atualização dos protocolos de gestão padronizados organizando os fluxos de atendimento aos pacientes de APLV foi apontada como a medida mais relevante para redução dos custos financeiros/orçamentários dos programas (Tabela 5), pois permite organizar as rotinas de dispensação e assistência dos pacientes, identificando os que apresentam real necessidade destas fórmulas, prevenindo o preparo inadequado (erros na manipulação, diluição e preparo com água imprópria ao consumo) além da prevenção a desvios no uso destas fórmulas de alto custo (venda ou distribuição a terceiros).

 

Discussão

A definição do limite de idade dentro do programa é o primeiro desafio, visto que, com a alergia e suas restrições ao alimento-fonte, preocupações com situações fora do controle parental, como restaurantes e creches, tornam a introdução alimentar um desafio ainda maior, onde a criança deve ser estimulada a comer outros alimentos com mudança de textura (líquido ao pastoso) com redução na ingestão das fórmulas, antes tidas como fonte principal de alimentação da criança. Essa mudança do estado "seguro" dos pais, onde eles conseguem preparar o alimento de forma segura e livre dos alérgenos, para um outro cenário com novos desafios, implica no retorno da insegurança e ansiedade parental sobre o crescimento, desenvolvimento e saúde dos seus filhos. O acompanhamento multiprofissional de forma próxima e contínua contribui para fortalecer a importância de uma alimentação saudável, variada e sem alérgenos, e seguindo as recomendações nacionais17.

Um segundo desafio consiste em definir o tipo de fórmulas infantil a ser adotada. As mais oferecidas às crianças maiores e menores de 6 meses estão de acordo com as recomendações mais atuais sobre alergia alimentar6. Aguiar e cols.13 avaliaram 214 crianças assistidas pelo Programa de Avaliação da Indicação e Uso de Fórmulas Infantis Especiais para Alergia à Proteína do Leite de Vaca (PAIUFA), do Estado do Rio Grande do Norte, e relataram que a FEH e FSO foram as mais utilizadas entre menores e maiores de 6 meses de idade, respectivamente. É importante ressaltar que os programas adotam em relação às FEH as versões com e sem lactose, não especificadas no atual consenso de alergia alimentar6 e no Protocolo - Alergia à Proteína do Leite de Vaca10. Na prática clínica os gestores pontuaram que a opção pela fórmula com ou sem lactose realizada pelo médico considera principalmente o comprometimento gastrointestinal, devido à intolerância à lactose que pode ocorrer concomitantemente à alergia ao leite de vaca. A escolha adequada do tipo da fórmula, se for efetiva, contribuirá para redução dos custos, parâmetro este extremamente importante a ser considerado para a incorporação no SUS.

O diagnóstico assertivo de APLV é complexo, pois não existe parâmetro único para identificar se a criança possui ou não esta condição. O diagnóstico preciso deve seguir as etapas: (I) Anamnese e exame físico observando-se sinais, sintomas, frequência, reprodutibilidade e relatos dos pais e cuidadores; (II) Dieta de restrição, para as crianças amamentadas; (III) Testes de determinação de IgE, todavia, este é mais adequado para crianças com reações do tipo I (IgE mediadas) e mistas, e não deve ser o único teste realizado; e (IV) TPO realizado periodicamente de acordo com avaliação médica para verificar aquisição de tolerância oral, desde que realizado em ambiente adequado, com suporte para reações graves e sob supervisão médica7.

No TPO a criança é exposta ao alérgeno em condições controladas e sob supervisão médica, os pais devem ser orientados sobre os riscos e procedimentos a serem realizados e o ambiente deve estar preparado para possíveis reações sistêmicas. Dois gestores entrevistados informaram que o teste é realizado, porém, sem as condições adequadas, o que pode trazer graves riscos aos pacientes assistidos. Para a realização do TPO não há consenso entre os especialistas, visto que o uso das fórmulas com lactose pode provocar sintomas gastrointestinais de intolerância que podem ser confundidos com APLV. O protocolo clínico de diagnóstico para APLV utiliza o leite de vaca ou fórmulas-padrão, preferencialmente sem ou com baixas quantidades de lactose para realização do TPO, a fim de se evitar o aparecimento de sintomas relacionados à intolerância a este açúcar e que possam ser confundidos com alergia. Contudo, alguns especialistas discordam desta exclusão (lactose). Isto implica em um terceiro desafio para a implementação deste programa, visto que ainda estão presentes dúvidas por parte dos especialistas de qual tipo de protocolo utilizar para o teste de diagnóstico de APLV, se leite de vaca ou fórmula-padrão sem lactose.

Manter a amamentação é a primeira conduta para reações via leite materno6, e caso seja necessário, deverá ser realizada a dieta de exclusão materna como instrumento de diagnóstico e/ou tratamento. Ampliar estratégias de apoio à amamentação é imprescindível, tanto na orientação da dieta de exclusão como no reforço positivo da amamentação para o binômio mãe-bebê, resultando na menor demanda para essas fórmulas. O Brasil é reconhecido mundialmente por possuir políticas e programas de incentivo e proteção ao aleitamento materno, instrumentos estes que apresentam alta capilaridade, como a rede brasileira de Bancos de Leite Humano com seus 224 Bancos de Leite Humano e 212 postos de coleta distribuídos por todas as unidades da Federação18. Essa expertise brasileira deve acompanhar discussões como essa a fim de proteger os lactentes do uso desnecessário de fórmulas e evitar o desmame precoce como resultado de orientações errôneas sobre dieta de exclusão, dentre outros agravos.

A falta de recursos humanos e financeiros foram os principais desafios apontadas pelos gestores para a implantação e execução do programa. Dentre os profissionais que mais podem realizar o diagnóstico assertivo e acompanhamento de crianças na área médica, estão os alergistas/alergologistas, pediatras e gastroenterologistas. Consulta realizada no site do Conselho Federal de Medicina mostrou que o Brasil tem 1648 alergistas, dos quais 134 são alergopediatras; 37.736 pediatras e 4.949 gastroenterologistas, dos quais 6 são gastropediatras (CFM, 2022), sendo a maioria concentrada na região Sudeste19. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM) as informações disponíveis no site oficial são retiradas do Cadastro Nacional dos Médicos e correspondem aos profissionais que optaram por registrar sua especialidade em um Conselho Regional de Medicina, sendo facultativo ao médico registrar seus títulos de especialista perante seu Conselho, sendo este registro obrigatório somente para fins de propaganda da especialidade.

Vieira e cols. constataram que os pediatras brasileiros têm baixa adesão às diretrizes de manejo das alergias alimentares, o que se torna ainda mais relevante visto que grande parte das crianças com suspeita de APLV e outras alergias alimentares serão tratadas e diagnosticadas por esta especialidade e sem a realização do TPO20. O nutricionista é o profissional responsável por acompanhar o estado nutricional dessas crianças e, de acordo com consulta realizada no site no Conselho Federal de Nutrição (CFN), em 2022 o Brasil possuía 187.532 nutricionistas com inscrição ativa, dos quais 89.057 (47,49%) estão concentrados na região Sudeste21. A composição de equipes multiprofissionais permite diagnósticos mais assertivos e melhor assistência às crianças com APLV e a seus pais. A contratação de especialistas, bem como o desenvolvimento de ações de educação permanente com os profissionais que assistem diretamente estas crianças permitiria diagnósticos mais assertivos, excluindo-se outras condições de saúde passíveis de serem confundidas com APLV, e orientando sobre alterações comuns às crianças, de acordo com a faixa etária; além do uso de exames clínicos e laboratoriais como ferramentas de apoio ao diagnóstico.

Dentre os desafios apontados pelos gestores dos programas, a falta da contrapartida financeira da União e dos Estados, assim como a ausência de ações de educação permanente com os profissionais de saúde, foram os mais citados, reafirmando a importância da definição de competências entre os entes federativos e a necessidade de não somente contratar profissionais de saúde, mas também de realizar ações que promovam a atualização contínua destes profissionais, resultando em melhor assistência aos usuários, e uso racional de recursos.

Com a emergência da pandemia de COVID-19, os processos educativos sofreram modificações em decorrência do distanciamento social, como o aumento da oferta de cursos a distância e a ampliação de ações envolvendo telemedicina e saúde digital. O uso destas ferramentas, se bem conduzidas, poderá na fase pós-pandêmica ampliar e complementar a formação de profissionais de saúde, permitindo uma melhor assistência às crianças com APLV, tornando-se um próximo desafio para a melhoria dos programas no país.

Outras sugestões, como aumentar a oferta de exames, realização do TPO, criação de centros de referência e orientação sobre aleitamento materno e dieta de exclusão colaboram para diagnósticos mais precisos. Em adição, aspectos como criação de comissões técnicas multiprofissionais para dialogar com o Poder Judiciário (e consequentemente reduzir a judicialização e o fornecimento de fórmulas não incorporadas ao SUS), construção de indicadores (permanência no programa, custos, etc.), elaboração de relatórios objetivos aos gestores, e aprovação do programa pelo Conselho de Saúde (municipal ou estadual) contribuem para o fortalecimento destes como Programas de Estado mais sólidos e equitativos.

Visando estabelecer um comparativo internacional, realizou-se uma busca nas páginas oficiais dos EUA22, Canadá23, Inglaterra24 e Alemanha25, e nas bases de dados PubMed e SciELO utilizando as palavras-chave "Milk Hypersensitivity","cow's milk allergy","Program Evaluation","Infant Fórmula", "Health Services Accessibility" e "Allergy Program", e observou-se que nestes países não foram identificados nenhum programa semelhante nacional que realizasse essa dispensação de fórmulas infantis especiais para APLV.

O Governo Canadense possui o Health Canada's Food Allergen Research Program26, iniciativa criada na década de 1990 com foco em melhorias regulatórias nas políticas de rotulagem de alérgenos do Canadá e apoio ao desenvolvimento de pesquisas de prevalência de alergias alimentares, intolerâncias e doença celíaca. Na Austrália, uma parceria entre a Australasian Society of Clinical Immunology and Allergy e a Allergy & Anaphylaxis Australia, juntamente com associações de pacientes e outras organizações, resultou no lançamento da National Allergy Strategy, que tem por objetivo "melhorar a saúde e a qualidade de vida dos australianos com doenças alérgicas e minimizar a carga das doenças alérgicas sobre os indivíduos, seus cuidadores, serviços de saúde e a comunidade", sendo a primeira iniciativa mundial com esse enfoque a agregar associações médicas e de pacientes que conseguiu atrair significativo financiamento federal27,28.

Nos Estados Unidos, o WIC Nutrition Program for Women, Infants, and Children29 mostrou-se como um programa social que disponibiliza alimentos e fórmulas infantil padrão para mulheres, gestantes e crianças até 5 anos de idade em situação de vulnerabilidade; contudo, não há menção à dispensação de fórmulas especiais para APLV.

The Finnish Allergy Program30,31 (2008-2018), desenvolvido na Finlândia, foi um programa preventivo para alergias e asma que desenvolveu ações pra melhorar a formação dos profissionais de saúde, campanhas informativas direcionadas à população leiga com uso de redes sociais, para estabelecer contato com pacientes e a rede do programa, resultando, após 10 anos, na redução de 30% nos custos diretos com alergias, 50% menos dietas especiais para alergias alimentares entre pré-escolares, e 45% na incidência de alergias ocupacionais. Comparando ao nosso estudo, três pontos se destacam. O primeiro refere-se à iniciativa adotada pelo programa finlandês para padronização dos testes diagnósticos, ao mesmo tempo em que cerca de 90% dos testes eram realizados em laboratórios padronizados, certificados e auditados, o que conferia mais fidedignidade e menor custo. Iniciativas semelhantes seriam cruciais para uma melhor organização do SUS, que irá diagnosticar, acompanhar e dispensar estas fórmulas especiais. Em segundo lugar, esse programa apresentava metas, com ferramentas e métodos de mensuração de resultados específicos, o que permitiu melhor monitoramento e avaliação. E, por último, o envolvimento dos pacientes e da sociedade civil organizada, especialmente na construção dos materiais de divulgação para profissionais e ao público em geral, permitindo uma comunicação mais efetiva.

Na Finlândia, a maior parte do sistema de saúde é público, sendo que o setor privado atua de forma complementar, com semelhanças em relação ao SUS brasileiro, mas, para uma população significativamente menor (5,5 milhões de finlandeses30 versus 215 milhões de brasileiros32), e diferenças como o uso de reembolso parcial para compra destas fórmulas e outros produtos hipoalergênicos. A partir de 2006 o Governo finlandês adotou o protocolo de reembolso parcial apenas para aquelas crianças que tinham diagnóstico comprovado por TPO em ambulatório de pediatria, o que resultou em uma redução de 70% no custo30. O protocolo para APLV11 já traz essa previsão da dispensação ser condicionada à realização do TPO, diferindo na questão do reembolso.

A coleta de dados iniciou-se em junho de 2020 e sofreu adaptações em decorrência da pandemia da COVID-19 e suas medidas de enfrentamento emergenciais, como a substituição de entrevistas e visitas in loco pelo formato digital. Algumas secretarias solicitaram ainda que o projeto tramitasse nos seus respectivos Comitês de Ética, Fundações de Pesquisa ou de forma interna nessas instituições, contudo, devido à pandemia houve atraso nas avaliações, pois eram priorizados os estudos relacionados à COVID-19. Estas limitações, porém, não reduziram a qualidade da coleta de dados e nem na amostra necessária.

 

Conclusão

O processo de incorporação no Sistema Único de Saúde de três fórmulas infantis para alergia ao leite teve início em 2012, entretanto, 10 anos após o começo das discussões ainda não foi concretizada. Com isso alguns Estados e Municípios motivados pela crescente judicialização decidiram criar programas para organizar esta demanda para FAA, FEH e FSO. A ausência de contrapartida financeira pela União e Estados, a indefinição de orçamento específico do SUS para esta demanda, e a definição de competências ainda vaga vêm provocando os gestores destes programas a estabelecerem protocolos e adotarem estratégias para reduzir esses custos, visto que estes insumos vêm sendo pagos com recursos próprios das secretarias de saúde. Este estudo é o primeiro a ser realizado em nível nacional e de natureza exploratória. Conhecer as experiências vivenciadas pelos gestores dos programas que já dispensam estas fórmulas infantis especiais é imprescindível para entender suas estruturas e a assistência prestada.

Estabelecer a idade de 2 anos como limite para recebimento das fórmulas, promover o acompanhamento multiprofissional destas crianças, discutir com os profissionais e gestores sobre os tipos de fórmulas a serem adotadas, e desenvolver protocolos com foco em diagnósticos mais precisos são desafios que precisam ser observados para que esta incorporação seja mais custo-efetiva e benéfica aos usuários.

O programa The Finnish Allergy Program, embora tenha sido planejado para todas as alergias e asma, nos apresenta importantes reflexões para o contexto brasileiro, como: definição de metas e ferramentas de avaliação e monitoramento, olhar atento ao processo de diagnóstico (padronização dos testes diagnósticos e certificação dos locais de realização dos mesmos), formação continuada para os profissionais de saúde, elaboração de campanhas educativas para o público leigo, envolvimento de pacientes e associações nas discussões, e, por fim, o planejamento em longo prazo, visto que esses programas têm grande impacto social. Estas premissas e metas poderiam ser utilizadas no Brasil, visando o aprimoramento e avanço da efetivação da incorporação destas fórmulas no Sistema Único de Saúde.

 

Referências

1. Sánchez-Borges M, Martin BL, Muraro AM, Wood RA, Agate IO, Ansotegui IJ, et al. The importance of allergic disease in public health: an iCAALL statement. World Allergy Organ. 2018;11:8. (doi: 10.1186/s40413-018-0187-2).

2. Shoormasti RS, Fazlollahi MR, Barzegar S, Teymourpour P, Yazdanyar Z, Lebaschi Z, et al. The Most Common Cow's Milk Allergenic Proteins with Respect to Allergic Symptoms in Iranian Patients. Iran J Allergy Asthma Immunol. 2016;15(2):161-5. PMID: 27090370.

3. Mousan G, Kamat D. Cow's Milk Protein Allergy. Clin Pediatr (Phila). 2016;55(11):1054-63. doi: 10.1177/0009922816664512. 2016.

4. Rangel AHN, Sales DC, Urbano SA, Galvão Júnior JGB, Andrade Neto JC, Macedo CS. Lactose intolerance and cow's milk protein allergy. Food Sci. Technol (Campinas). 2016;36(2):179-87.

5. Sánchez-Valverde F, Etayo V, Gil F, Aznal E, Martínez D, Amézqueta A, et al. Factors Associated with the Development of Immune Tolerance in Children with Cow's Milk Allergy. Int Arch Allergy Immunol. 2019;179(4):290-6. doi: 10.1159/000499319.

6. Solé D, Silva LR, Cocco RR, Ferreira CT, Sarni RO, Oliveira LC, et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 - Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(1):7-38.

7. Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia, Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição - Asbai/Sban. Guia prático de diagnóstico e tratamento da alergia às proteínas do leite de vaca mediada pela imunoglobulina E. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2012;35(6):203-33.

8. Solé D, Silva LR, Rosário Filho NA, Sarni ROS. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2007 - Documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2008;31:64-89.

9. Koletzko S, Niggemann B, Arato A, Dias J, Heuschkel R, Husby S; European Society of Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition. Diagnostic approach and management of cow's-milk protein allergy in infants and children: ESPGHAN GI Committee practical guidelines. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2012;55(2):221-9. doi: 10.1097/MPG.0b013e31825c9482.

10. Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV). 2017. 23 pág.

11. Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Alergia à Proteína do Leite de Vaca. 2022. p. 100.

12. Patton MQ. Utilization-Focused Evaluation [1978]. Beverly Hills: Sage Publications, 1997. p. 23-24.

13. Aguiar ALO, Maranhão CM, Spinell LC, Figueiredo RM, Maia JMC, Gomes RC, et al. Clinical and follow up assessment of children in a program directed at the use of formulas for cow's milk protein allergy. Revista Paulista de Pediatria [online]. 2013; 31(2):152-8.

14. Pinheiro PARG, Oliveira ACL, Gomes KSG, Mazur CE, Schieferdecker MEM. Programa de atenção nutricional: marco histórico na política pública para pessoas com necessidades alimentares especiais no Município de Curitiba, Paraná. Demetra. 2014;9(Supl.1):287-96.

15. Oliveira TL, Moraes BA, Salgado LLF. Relactação como possibilidade terapêutica como possibilidade terapêutica na atenção a lactentes com necessidades alimentares especiais. Demetra. 2014;9(Supl.1):297-309.

16. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. 1ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. p. 84.

17. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia Alimentar para Crianças Brasileiras menores de 2 anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. p. 265.

18. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Rede BLH em números. Disponível em: https://producao.redeblh.icict.fiocruz.br/portal_blh/blh_brasil.php. Acessado em: 16/03/2022.

19. Conselho Federal de Medicina (CFM). Lista com número de médicos ativos por estado e especialidade. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/busca-medicos/. Acessado em: 29/10/2022.

20. Vieira S, Santos VS, Franco JM, Nascimento-Filho HM, Barbosa K, Lyra-Junior DP, et al. Brazilian pediatricians' adherence to food allergy guidelines-A cross-sectional study. PloS one. 2020;15(2), e0229356. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0229356.

21. Conselho Federal de Nutricionistas. Estatística: Quadro estatístico 2º trimestre de 2022. Disponível em: https://www.cfn.org.br/. Acessado em: 17/10/2022.

22. United States of América. Official Guide to Government Information and Services. Disponível em: https://www.usa.gov/. Acessado em: 19/10/2022.

23. Canada. The Official website of the Government of Canada. Benefits. Family and caregiving benefits. Disponível em: https://www.canada.ca/en.html. Acessado em: 19/10/2022.

24. United Kingdom. National Health System. Disponível em: https://www.nhs.uk/. Acessado em: 19/10/2022.

25. Germany. The Federal Government. Disponível em: https://www.bundesregierung.de/breg-en. Acessado em: 19/10/2022.

26. Canada. Health Canada's Food Allergen Research Program. Disponível em: https://www.canada.ca/en/health-canada/services/food-nutrition/food-safety/food-allergies-intolerances/food-allergen-research-program.html. Acessado em: 05/11/2022.

27. Vale SL, Said M, Smith J, Joshi P, Richard KS. Loh, Welcome back Kotter-Developing a National Allergy strategy for Australia. World Allergy Organ J. 2022;15(11):100706. doi: https://doi.org/10.1016/j.waojou.2022.100706.

28. National Allergy strategy. Disponível em: https://nationalallergystrategy.org.au/our-strategy#ach. Acessado em: 06/11/2022.

29. United States of América. WIC - Women, Infants, and Children. Disponível em: https://www.nutrition.gov/topics/food-security-and-access/food-assistance-programs/wic-women-infants-and-children. Acessado em: 19/10/2022.

30. Haahtela T, Valovirta E, Saarinen K, Jantunen J, Lindström I, Kauppi P; Allergy Program Group (2021). The Finnish Allergy Program 2008-2018: Society-wide proactive program for change of management to mitigate allergy burden. The Journal of allergy and clinical immunology. 2021;148(2):319-26.e4. https://doi.org/10.1016/j.jaci.2021.03.037.

31. Haahtela T, Jantunen J, Saarinen K, Tommila E, Valovirta E, Vasankari T, et al. Managing the allergy and asthma epidemic in 2020s-Lessons from the Finnish experience. Allergy. 2022;77(8):2367-80. doi: 10.1111/all.15266.

32. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html?utm_source=portal&utm_medium=popclock&utm_campaign=novo_popclock. Acessado em: 04/11/2022.

2024 Associação Brasileira de Alergia e Imunologia

Rua Domingos de Morais, 2187 - 3° andar - Salas 315-317 - Vila Mariana - CEP 04035-000 - São Paulo, SP - Brasil - Fone: (11) 5575.6888

GN1 - Sistemas e Publicações