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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
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Número Atual:  Julho-Setembro 2022 - Volume 6  - Número 3


Artigo Original

Rinite vasomotora e rinorreia: um possível papel para o efeito anticolinérgico da amitriptilina

Vasomotor rhinitis and rhinorrhea: a possible role for the anticholinergic effect of amitriptyline

Francisco Machado Vieira


DOI: 10.5935/2526-5393.20220046

Clínica de Alergia e Imunologia, Caxias do Sul, RS, Brasil. ASBAI - Departamento Científico de Alergia Ocular


Endereço para correspondência:

Francisco Machado Vieira
E-mail: famvieira@hotmail.com


Submetido em: 23/12/2021
Aceito em: 13/07/2022

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

INTRODUÇÃO: A rinite vasomotora (RVM), também denominada idiopática, é um tipo de rinite não alérgica. Pode ser muitas vezes ativada por mudanças de temperatura, especialmente com o ar frio e outras irritantes de vias aéreas. A dosagem de IgE e o citograma nasal são normais, e os testes de inalantes são negativos. A etiologia pode estar associada à desregulação de nervos simpáticos e parassimpáticos da mucosa nasal, onde aumenta a rinorreia e a obstrução nasal.
OBJETIVO: Avaliar a eficácia da amitriptilina no controle da rinorreia vasomotora.
MÉTODO: Através de estudo retrospectivo, avaliaram-se pacientes com RVM (n = 110), no qual um grupo de n = 12 (11%) apresentava rinorreia profusa há mais de um ano, não controlada, na sua totalidade, com corticosteroide nasal. Usou-se a amitriptilina, um antidepressivo tricíclico, com intensa atividade anticolinérgica com dose de 25 mg/50 mg diária para a rinorreia nesses pacientes.
RESULTADOS: Foram avaliados através de uma escala de sintomas (modificada de Wilson AM): 0 = ausente, 1 = leve, bem tolerado, 2 = desconforto interferindo com a concentração, 3 = forte intensidade interferindo no sono e na concentração. Dez pacientes catalogados apresentaram sintomas no grau 3, e dois, no grau 2. A pontuação foi reduzida para grau 0-1 após 4-6 semanas com o uso de amitriptilina por sintomas reflexivos matinais e noturnos.
CONCLUSÃO: Futuros estudos controlados e com maior número de pacientes seriam necessários para confirmação do efeito farmacológico da amitriptilina na rinorreia da RVM.

Descritores: Rinite vasomotora, amitriptilina, rinorreia.




INTRODUÇÃO

A rinite vasomotora (RVM) é um tipo de rinite não alérgica, podendo apresentar caráter agudo ou crônico. Pode ser, muitas vezes, desencadeada por mudanças de temperatura e umidade, especialmente com o ar frio e seco, com irritantes de vias aéreas, odores fortes, incluindo fumaça de cigarro e o exercício1.

A RVM é, muitas vezes, um diagnóstico de exclusão, sendo frequentemente referida como "rinite idiopática"1,2. Essa denominação parece ser mais adequada do que RVM, devido ao fato de seus desencadeantes serem inespecíficos, e seu mecanismo, não elucidado. A história familiar para alergia, assim como a pesquisa de IgE específica para alérgenos, são negativos. A dosagem de IgE sérica total é normal, bem como o citograma nasal, que mostra pouco ou nenhum eosinófilo2.

Embora a etiologia da RVM não seja bem compreendida, acredita-se que esteja associada à desregulação dos nervos simpáticos, parassimpáticos e nociceptivos, presentes na mucosa nasal. O sistema nervoso parassimpático apresenta um importante papel na resposta aos estímulos externos. O desequilíbrio entre os mediadores resulta em um aumento da permeabilidade vascular e da secreção de muco das glândulas nasais submucosas3. A acetilcolina é o neurotransmissor parassimpático primário que regula a secreção de muco e a rinorreia.

A sigla RVM é proposta por alguns autores e continua citada na prática clínica e mantida neste texto, e não "rinite idiopática". Este termo é o recomendado pelo IV Consenso Brasileiro sobre rinites, como poderia ser preconizada (2017). Entretanto, nem sempre é aceito por outros autores, já que pode haver presença de eosinófilos e mastócitos, mantendo o termo RVM4.

A RVM é a forma mais comum de rinite não alérgica, comprometendo aproximadamente 71% dessas. É estimada uma prevalência mundial superior a 200 milhões de pessoas, embora possa ser citada a fragilidade dos estudos epidemiológicos5.

A RVM tende a iniciar na idade adulta, basicamente entre 30-60 anos. A frequência é maior no sexo feminino (58%-71%), sendo que seu curso pode perdurar pelo resto da vida5-7.

A rinorreia profusa, se não controlada adequadamente com a terapêutica, pode alterar as condições de vida do paciente tanto no aspecto físico quanto no psicossocial.

Os sintomas de RVM são variáveis, consistindo, principalmente, de obstrução nasal e de uma aumentada secreção hialina, gotejamento nasal posterior e coriza de forma intermitente. Pode haver dois subtipos, sendo que um predomina na obstrução nasal, e o outro na coriza profusa2. Os espirros e o prurido são menos comuns, enquanto a tosse pode aparecer como outro componente importante2,4.

A RVM possui como um dos fatores desencadeantes as mudanças climáticas, incluindo o ar frio. No Brasil, estima-se uma melhor observação e um possível aumento da prevalência no Sul, por um inverno rigoroso de baixas temperaturas, seguido por uma primavera com período prolongado de manhãs e noites frias.

A terapêutica deveria ser baseada conforme a apresentação dos sintomas apresentados pelo paciente. Pode ser usada uma combinação de corticosteroide tópico e por anti-histamínico anti-H1, como a azelastina, sob a forma de spray, onde predomina a rinorreia/obstrução nasal e, quando a rinorreia é predominante, o uso de Brometo de ipratropium (BI), um agente anticolinérgico, estaria recomendado8.

A amitriptilina é uma medicação aprovada para o tratamento da depressão em adultos. É um antidepressivo tricíclico, possuindo alta afinidade para a ligação de receptores alfa adrenérgicos aos de histamina (H1) e muscarínicos (M1). Possui uma meia-vida entre 10h-28h, sendo metabolizada em nortriptilina9. Entre seus efeitos anticolinérgicos, pode-se incluir: visão embaçada, boca seca, taquicardia, glaucoma de ângulo fechado e retenção urinária. Esse efeito anticolinérgico pode ser útil, sendo citado em bula para o tratamento da enurese. Pela atividade farmacológica da amitriptilina poderia se especular o seu uso na rinorreia de difícil controle, out off label, ou seja, onde não consta em bula.

O objetivo principal foi verificar e analisar seu uso em estudo retrospectivo naqueles pacientes em que o corticosteroide nasal não produziu efeito na rinorreia, associada à rinite vasomotora.

 

DROGAS ANTICOLINÉRGICAS EM RINITE NÃO ALÉRGICA

Agentes anticolinérgicos bloqueiam a ligação de acetilcolina em receptores muscarínicos. Essas drogas podem ser usadas na forma tópica ou sistêmica4. O sistema nervoso parassimpático contribui para a fisiopatologia de múltiplas formas de rinite, e sua estimulação leva à ativação glandular que produz secreção nasal aquosa, traduzida por rinorreia anterior e a posterior1.

Foi demonstrado que a via de sinalização nociceptiva TRPV1 (subfamília de canal de cátions) e a substância P, são suprarreguladas na rinite idiopática, e reduzido pelo tratamento com capsaicina na mucosa nasal10.

O BI por sua atividade anticolinérgica, usado sob a forma de spray, é aprovado para o tratamento da coriza, na rinite alérgica e não alérgica11,12. Encontra-se, há vários anos, ausente do mercado brasileiro.

A solução de Cloridrato de azelastina, em spray nasal a 0,1%, é um anti-histamínico de segunda geração que possui um efeito farmacológico em mediadores de inflamação. Melhora tanto os sintomas de rinite alérgica quanto os da RVM4. Aumenta a efetividade no alívio dos sintomas, quando associada ao spray nasal de fluticasona13.

Os anti-histamínicos orais de primeira geração são pouco seletivos para os receptores H-1 e podem causar efeitos anticolinérgicos ao bloquear os receptores muscarínicos, este efeito poderia ser útil na RVM. Entretanto, atravessam a barreira hemato-encefálica, onde pode ocorrer sedação, influência nas atividades diárias, podendo interferir com a qualidade de vida14.

O uso da amitriptilina poderia ser uma droga para testar resultados no possível controle da rinorreia aquosa da RVM.

 

PACIENTES E MÉTODOS

Avaliou-se por meio de uma revisão retrospectiva, a análise de prontuários clínicos de um grupo de n = 10 pacientes (de 2003-2021), com diagnóstico de RVM em Clínica de Alergia e Imunologia, localizada em Caxias do Sul, RS. O diagnóstico baseou-se na história clínica característica, rinoscopia anterior (exame da mucosa, septo e conchas nasais), associados aos testes de punctura para alérgenos inalantes quando foram considerados negativos. Os alérgenos incluídos no painel do teste foram: Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae, Blomia tropicalis, epitélio de cão e gato, Penicillium, Cladosporium, pólen de Lolium, gramíneas mix, controlados por solução salina e histamina (10 mg/mL).

Selecionou-se um grupo de 12 pacientes com RVM, avaliados pela primeira vez, oriundos de diversas clínicas, portando sintomas a mais de um ano. A idade variou entre 26 e 80 anos, com uma média de 54 anos, sendo predominante o sexo masculino, com sete pacientes. O sintoma principal foi uma rinorreia profusa intermitente, mencionada como não controlada com o uso diário de corticosteroide nasal durante meses.

Estabeleceu-se, em relação à rinorreia, uma escala de sintomas adaptada com pontuação, que variou desde 0 (zero) = ausência; 1 = leve bem tolerado, sem interferir no sono e em atividades diárias; 2 = desconforto, interferindo apenas em atividades que exigem concentração; 3 = forte intensidade, que pode impedir o sono e atividade diárias14. Dez pacientes foram catalogados por pontuação como grau 3, e dois no grau 2. A obstrução nasal foi considerada ausente ou leve em 11 pacientes (grau 0-1), ou seja, em 92% do total estudado.

Foi administrada amitriptilina em doses variando entre 25 mg e 50 mg/dia, usadas à noite. Excluiu-se fatores de risco como aqueles com histórico de convulsão, função hepática comprometida, retenção urinária, glaucoma de ângulo estreito ou pressão intraocular aumentada e distúrbios cardiovasculares.

A amitriptilina foi administrada por um período entre 4-6 semanas e, posteriormente, com a revisão médica presencial por 8 semanas concecutivas. Os pacientes receberam informações sobre o medicamento, incluindo seus prováveis efeitos secundários previsíveis, tais como secura da boca, diminuição da saliva e uma possível sedação.

Houve a informação e o consentimento de que usariam um medicamento para tentar controlar sua "incômoda e persistente rinorreia", haja vista que não constava em bula essa indicação.

 

RESULTADOS

Dentro do grupo estudado (n = 12), os pacientes apresentavam sintomas de rinorreia aquosa profusa, distribuídos entre os graus 3 em dez pacientes, e grau 2 em dois pacientes.

Após 4-6 semanas com uso de a amitriptilina 25 mg/50 mg/dia, houve uma significativa diminuição tanto da rinorreia aquosa quanto do gotejamento pós-nasal. A pontuação da escala de sintomas foi reduzida para os graus (0-1), conforme os sintomas reflexivos matinais e noturnos6.

Dois pacientes foram excluídos do estudo por apresentarem, como efeitos adversos, obstipação intestinal (um) e outro taquicardia e arritmia.

Leve sonolência diurna foi constatada naqueles com doses de 50 mg/dia, com diminuição na medida da progressão do tratamento, e ser restringido o uso para o início da noite.

Os resultados estão expressos na Tabela 1.

 

 

DISCUSSÃO

Os corticosteroides intranasais são efetivos para o tratamento de muitas formas de rinite não alérgica, incluindo aquelas com rinite eosinofílica não alérgica4. O fato de todos os pacientes do estudo haver anteriormente usado corticosteroide nasal, exclui a possibilidade de diagnóstico de rinite eosinofílica não alérgica, que poderia ser um viés na seleção dos pacientes. O furoato de fluticasona não foi efetivo em tratar o subgrupo induzindo sintomas por mudanças temperatura/frio. Foi sugerido que pode haver um distinto grupo de pacientes com RVM que seja refratário aos corticosteroides15. Esse fato coincide com o subgrupo incluído no estudo, em que 11% de um total de 110 pacientes apresentando RVM, a rinorreia profusa não foi controlada com o uso de corticosteroides intranasais por meses.

A ausência no mercado brasileiro de um anticolinérgico como BI sob a forma de spray, ocorreu durante o período estudado. O mesmo ocorreu de forma intermitente com a azelastina intranasal, podendo ser usada na RVM. Deve-se mencionar os anti-histamínicos de primeira geração com propriedades anticolinérgicas, entretanto sem indicação por seus efeitos secundários, como a sedação diurna.

Havia a oportunidade de se avaliar o uso de um potente anticolinérgico como a amitriptilina na rinorreia, assim como ocorre com a enurese noturna constada em bula9.

A característica do grupo estudado foi a de não possuir ou existir a mínima obstrução nasal conforme a escala de sintomas (grupo 0-1).

 

CONCLUSÃO

As limitações deste estudo incluem aquelas inerentes a qualquer análise de dados retrospectivos. Em segundo lugar, o número restrito de pacientes, de um subgrupo, cujos corticosteroides não controlaram a rinorreia. Em terceiro, não foram avaliados o aspecto psicossocial, as escalas para diagnóstico da ansiedade ou depressão. A amitriptilina poderia influenciar as respostas dos sintomas reflexivos por seu efeito farmacológico nessas patologias. Deve-se considerar a amitriptilina como uma medicação de baixo custo, acessível à maioria da população, inclusive sendo distribuída pelo SUS.

Futuros estudos controlados e com maior número de pacientes seriam necessários para melhor avaliação do uso de amitriptilina na RVM, quando predomina a rinorreia.

 

AGRADECIMENTO

A Rodrigo Machado-Vieira, MD, PhD, MSc, professor de Psiquiatria da Universidade do Texas, Houston, EUA, pela revisão e sugestões no texto.

 

REFERÊNCIAS

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