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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Julho-Setembro 2022 - Volume 6  - Número 3


Artigo Original

Anafilaxia durante o primeiro ano de vida em pacientes com alergia à proteína do leite de vaca

Anaphylaxis during the first year of life of infants with cow's milk protein allergy

Giovanna Hernandes y Hernandes1; Larissa Marinovich2; Rosane Vieira2; Cynthia Mafra Fonseca de Lima3; Cleonir de Morais Lui Beck4; Antonio Carlos Pastorino4; Ana Paula Beltran Moschione Castro4


DOI: 10.5935/2526-5393.20220042

1. Hospital Israelita Albert Einstein, Residência Médica de Pediatria - São Paulo, SP, Brasil
2. Escola de Ciências Médicas da Universidade Anhembi Morumbi - São Paulo, SP, Brasil
3. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Disciplina de Alergia e Imunologia Clínica - São Paulo, SP, Brasil
4. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Instituto da Criança - São Paulo, SP, Brasil


Endereço para correspondência:

Giovanna Hernandes y Hernandes
E-mail: gi_hyh@hotmail.com


Submetido em: 06/12/2021
Aceito em: 05/04/2022

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

OBJETIVO: Descrever as manifestações de anafilaxia precoce em lactentes com alergia à proteína do leite de vaca (APLV) e descrever as condutas terapêuticas utilizadas.
MÉTODO: Estudo observacional transversal retrospectivo que analisou pacientes com APLV atendidos no Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da FMUSP, entre 1990-2015, que apresentaram sintomas de alergia no primeiro ano de vida, com diagnóstico de anafilaxia, comparados a pacientes alérgicos sem anafilaxia desencadeada por ingestão de leite de vaca. Os pacientes foram caracterizados de maneira epidemiológica, tipo de sintoma apresentado e tratamento realizado. Os dados foram analisados no programa estatístico GraphPad software Inc. Para avaliar a associação entre categorias, foi utilizado o Teste Exato de Fisher, e para comparações entre grupos, o Teste de Mann Whitney. Os resultados de p < 0,05 foram considerados significativos.
RESULTADOS: De um total de 120 crianças avaliadas (68 M:52 F), 85 (70,83%) lactentes preencheram os critérios da World Allergy Organization (WAO) para anafilaxia. As manifestações de alergia IgE mediada foram prioritariamente cutâneas [102 (85%)]. Nos pacientes com diagnóstico de anafilaxia, as principais manifestações foram urticária [39 (45,8%)], vômito [36 (42,3%)] e dispneia [19 (22,3%)]. A recorrência do episódio de anafilaxia ocorreu em 41 (34,16%) pacientes. A adrenalina (45%) e o anti-histamínico (63,3%) foram os medicamentos mais utilizados. Observa-se também que 6 (7%) pacientes com diagnóstico de anafilaxia não receberam nenhum tratamento.
CONCLUSÃO: Anafilaxia no primeiro ano de idade apresenta quadro clínico semelhante aos pacientes mais velhos, mas ainda há elevada taxa de recorrência de episódios e subtratamento. Mais estratégias de educação precisam ser desenvolvidas.

Descritores: Anafilaxia, hipersensibilidade ao leite, hipersensibilidade alimentar.




INTRODUÇÃO

A alergia alimentar é alvo de importante preocupação no que tange a saúde pública, pois atinge pelo menos 1-2% das crianças e adultos1,2. Caracteriza-se por uma reação adversa a alimentos com comprometimento do sistema imunológico envolvendo reações mediadas por IgE, mecanismos mediados por células (não IgE mediadas), ou ambos (mecanismos mistos), como na esofagite eosinofílica ou dermatite atópica2. Nas reações IgE mediadas os sintomas ocorrem em até duas horas após a ingestão do alimento, e a liberação de histamina é o principal resultado da ação da IgE. Pacientes com alergia IgE mediada apresentam sintomas em sistemas variados, o que os difere das alergias não IgE mediadas, onde os sintomas gastrintestinais predominam. Urticária, angioedema, vômitos e broncoespasmo são alguns dos sintomas relatados pelos pacientes com alergia IgE mediada, mas é a anafilaxia a manifestação mais temida2.

A anafilaxia é um evento agudo sistêmico ou generalizado que coloca em risco a vida do paciente. Diversos sistemas podem estar envolvidos, mas é a instabilidade vascular ou o comprometimento respiratório que conferem maior gravidade à reação anafilática2,3. A crescente prevalência das doenças alérgicas trouxe consigo o aumento dos registros de anafilaxia4.

Os alimentos são causas importantes do desencadeamento de reações graves em adultos, mas ainda mais em crianças5. Nos estudos americanos o amendoim e as castanhas são as principais causas de anafilaxia, mas o leite segue em terceiro lugar5. No Brasil, o leite figura como o principal alérgeno alimentar, e, embora não haja estudos de prevalência de alergia alimentar, dois estudos nacionais que envolvem prevalência presumida ou inquérito em consultórios ratificam esta premissa6,7. Em um estudo nacional, a alergia ao leite de vaca em crianças foi de maneira mais prevalente por mecanismo não IgE, mas é um resultado conflitante com a literatura, portanto essa hipótese diagnóstica deve ser aventada principalmente de acordo com a clínica do paciente8,9.

É sabido que pacientes com APLV apresentam sintomas precocemente, em sua maioria no primeiro ano de vida e, neste cenário, a identificação da anafilaxia pode ser mais difícil, o que pode prejudicar o desfecho. Sabe-se que o reconhecimento precoce da doença é fator crucial para o início da abordagem terapêutica, que inclui a aplicação de adrenalina intramuscular, sendo esta uma medida importante para minimizar o risco de morte destes pacientes. Há uma grande escassez de estudos que avalie esta faixa etária em especial, principalmente se considerarmos a América Latina10. É importante o reconhecimento das características da anafilaxia no primeiro ano de vida, os sintomas apresentados e a avaliação da terapêutica aplicada. Neste contexto propõe-se este estudo, cujo objetivo é descrever as manifestações de anafilaxia no primeiro ano de vida em lactentes com APLV, e caracterizar esta população, comparando-os aos pacientes com a mesma alergia que não apresentaram anafilaxia. Foi também um objetivo secundário descrever as condutas terapêuticas que foram realizadas frente à anafilaxia nessa faixa etária.

 

MÉTODO

Foi realizado um estudo observacional transversal retrospectivo que analisou os registros com diagnóstico de APLV que iniciaram seus sintomas no primeiro ano de vida atendidos no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICR-HC/FMUSP), no período de 1990 a 2015. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Anhembi Morumbi com o CAEE: 46370315.6.0000.5492.

População do estudo

Estudo retrospectivo que incluiu dados catalogados no arquivo digital do ICR-HC/FMUSP dos pacientes que apresentaram os seguintes critérios de inclusão:

- início dos sintomas de APLV IgE mediada antes de um ano de idade;

- diagnóstico confirmado através de história clínica sugestiva associado à IgE específica positiva para LV e/ou frações (IgE sérico específico ≥ 0,35 kUA/L ou teste de puntura positivo ≥ 3 mm, considerado controle negativo 0) e reprodutibilidade clínica evidenciada no TPO com LV puro OU História clínica de anafilaxia nos últimos 12 meses após exposição ao LV, associada à presença de IgE específica para LV e/ou frações, mesmo sem a realização de TPO.

Foram excluídos pacientes cujos dados presentes no prontuário não foram suficientes para a análise.

Os dados coletados permitiram a caracterização epidemiológica e clínica da população através de um protocolo que inclui a descrição do sexo, data de início dos sintomas, presença de doenças atópicas, diagnóstico de anafilaxia, descrição dos sintomas manifestados, sistemas acometidos, tratamento instituído e recorrência do quadro anafilático. Os pacientes foram separados em dois grupos: os que apresentaram sintomas característicos de anafilaxia e aqueles que não apresentavam estes sintomas

As manifestações dos pacientes foram nomeadas anafiláticas quando algum dos três critérios propostos pela Organização Mundial de Alergia para diagnóstico de anafilaxia foi preenchido (WAO - 2011)11.

Os dados foram analisados em programa estatístico GraphPad software Inc. através do site http://www.graphpad.com/quickcalcs/index.com. As variáveis numéricas foram descritas em média, desvio padrão e intervalo de confiança de 95% (IC95%) e as variáveis categóricas em porcentagens ou proporções. As variáveis contínuas foram expressas em mediana com seus valores mínimo e máximo.

Para avaliar a associação entre categorias foi utilizado o Teste do Qui-quadrado ou Exato de Fisher e, ainda, a comparação entre grupos foi realizada pelo Teste de Mann Whitney ou Kruskal Wallis de acordo com o número de grupos. Foram reportados os dados de erro padrão, intervalo de confiança de 95% e significância estatística.

Os resultados de p menores de 5% foram considerados significativos.

 

RESULTADOS

Foram analisados 120 prontuários de pacientes que apresentaram sintomas de alergia à proteína do leite de vaca antes de completar um ano de vida. Dentre estes lactentes, 52 (43,5%) eram do sexo feminino, e 68 (56,7%) do sexo masculino. Avaliando criteriosamente o diagnóstico dos 120 pacientes, 85 (70,83%) preencheram os critérios para anafilaxia quando analisamos os sintomas apresentados no primeiro episódio de alergia à proteína do leite de vaca, enquanto 35 (29,17%) não preenchiam os critérios. Ambos os grupos foram nomeados com siglas para facilitar suas menções, o grupo com diagnóstico de anafilaxia foi nomeado como "ANA" e o sem o diagnóstico como "N-ANA". Ainda que este estudo tenha as limitações inerentes a um estudo retrospectivo, vale destacar que todos os sintomas referidos pelos pais foram revisados e o diagnóstico de anafilaxia foi revisto de acordo com os critérios propostos.

As características clínicas e epidemiológicas estão apresentadas na Tabela 1. Não foram observadas diferenças com relação a sexo e idade de início dos sintomas dos pacientes (Teste Exato de Fisher). O acometimento por sistemas dos sintomas foi prioritariamente cutâneo, acometendo 102 (85%) lactentes, seguido de sintomas gastrointestinais, com 58 (48,3%), respiratório com 38 (31,6%) e cardiovascular/sistêmico com 13 (10,8%) (Tabela 1).

 

 

Nos pacientes com diagnóstico de anafilaxia, as principais manifestações foram a urticária [39 (45,8%)], vômito [36 (42,3%)] e dispneia [19 (22,3%)]. Nos pacientes que não tiveram o diagnóstico de anafilaxia, as principais manifestações foram urticária [7 (20%)], hiperemia perilabial [7 (20%)] e vômito [9 (25,7%)] (Tabela 1).

Houve recorrência de episódios de anafilaxia em 41 (34,16%) pacientes, que sabidamente já tinham recebido o diagnóstico de anafilaxia previamente. A avaliação da recorrência de anafilaxia foi realizada somente nos pacientes com diagnóstico de anafilaxia com menos de um ano de idade.

Dentre os pacientes que não tiveram o diagnóstico prévio de anafilaxia, nove tiveram sua primeira manifestação após o primeiro ano de vida, não sendo possível através da análise de prontuário definir precisamente a quantidade de episódios que ocorreram, apenas sua existência (Tabela 1).

Com relação a doenças atópicas associadas ao longo do seguimento, a rinite foi a mais prevalente, com 50 (41,7%) pacientes com diagnóstico, seguida da asma, com 48 (40%) e da dermatite atópica, com 25 (20,8%) não apresentando diferenças significantes entre os dois grupos (Tabela 1).

Com relação ao tratamento instituído na anafilaxia (Tabela 2), considerando toda a amostra (n = 120), observamos que a adrenalina (45%) e o anti-histamínico (63,3%) foram os medicamentos mais prevalentes. Em se tratando dos pacientes com diagnóstico de anafilaxia, esse padrão se repete [adrenalina (61,1%) e anti-histamínico (51,7%)], e nos pacientes sem o diagnóstico de anafilaxia, os tratamentos mais prevalentes foram o anti-histamínico (91,4%) e o corticoide (68,5%). Observa-se também que 6 (7%) pacientes com diagnóstico de anafilaxia não receberam nenhum tratamento. Em contrapartida, 2 (5,7%) dos pacientes sem o diagnóstico de anafilaxia receberam adrenalina.

 

 

O Teste Exato de Fisher foi realizado para comparar os pares ANA e N-ANA no que tange às manifestações respiratórias (p = 0,6832) e gastrointestinais (p = 0,1098), não obtendo valor de p significativo. Já ao avaliar as manifestações cutâneas (p = 0,01) e cardiovasculares (p = 0,003), houve significância estatística.

A taxa de recorrência de anafilaxia foi elevada, 41/120 pacientes tiveram anafilaxia e recorreram no quadro posteriormente. Nove pacientes não tiveram anafilaxia antes de 1 ano e depois desta idade apresentaram anafilaxia ao leite de vaca. Não houve correlação entre anafilaxia precoce e recorrência de anafilaxia (p = 0,2928). Foi observada uma elevada prevalência de outras sem relação com presença de anafilaxia antes do primeiro ano de vida.

 

DISCUSSÃO

A maior contribuição deste estudo foi a melhor compreensão das manifestações de anafilaxia em lactentes jovens, em especial no primeiro ano de vida. Há poucos estudos na literatura que avaliem especificamente crianças nesta faixa etária. Sabe-se que alimentos são as principais causas de anafilaxia, e as proteínas do leite de vaca figuram entre os mais frequentes desencadeadores de alergia11,12. A precocidade do início dos sintomas é um dos destaques deste estudo, com relatos de sintomas como placas eritematosas e vômitos já no primeiro dia de vida. Estas manifestações reforçam a possibilidade de sensibilização por via intrauterina e ressaltam a oferta de fórmula polimérica ainda no berçário como possível desencadeante de sintomas. A mediana de início de sintomas das alergias IgE mediadas foi bastante precoce (4 meses), mas não houve distinção quanto à idade de início de sintomas entre pacientes anafiláticos ou não. Um aspecto a ser discutido e uma limitação deste estudo é a não uniformidade das quantidades de leite ingeridas pelos pacientes dos grupos anafiláticos e não anafiláticos. Como as ingestões foram casuais, é possível especular que pacientes com anafilaxia possam ter ingerido quantidades maiores ou preparações mais alergênicas (alimentos não processados) que os pacientes que não apresentaram anafilaxia no primeiro ano de vida, sendo este um possível fator de confusão. É importante destacar que não são totalmente esclarecidas as razões porque determinados pacientes com APLV desenvolvem anafilaxia e outros não. Mas fatores como jejum, presença de infecções ou quantidade do alimento ingerido podem ser relevantes no desfecho da anafilaxia, e estes fatores não foram avaliados neste estudo.

As manifestações clínicas de alergia alimentar IgE mediada ocorreram principalmente na pele em ambos os grupos, mas de maneira significantemente mais frequente entre os anafiláticos. A frequência das manifestações cutâneas neste grupo foi semelhante às descritas nas populações mais velhas. Sabe-se que as manifestações cutâneas costumam ser as mais frequentes, aproximadamente 80%, em crianças que têm diagnóstico de anafilaxia, independente do agente desencadeante13-15. Logo após a pele, o sistema gastrointestinal parece ser o mais afetado, acometendo quase metade dos pacientes. Neste estudo, sintomas respiratórios foram bem mais frequentes nos pacientes com anafilaxia, sendo descritos de maneira isolada numa minoria dos casos. Vale o destaque que manifestações respiratórias de maneira isolada são mesmo as menos frequentes entre pacientes com alergia IgE mediada, mas não são desprezíveis. Entretanto, vale sempre a observância de que os sintomas respiratórios associados à alergia alimentar IgE mediada ocorrem cerca de duas horas após a administração do alimento, e não permanecem de maneira contínua, como outras causas de sibilância13-15.

Em nosso trabalho, não houve relação entre a ocorrência de anafilaxia e desenvolvimento de outras doenças atópicas, em especial dermatite atópica. É conhecida a associação entre dermatite atópica e anafilaxia, sendo um fator de risco já conhecido, compreendendo cerca de 58% dos casos analisados em um estudo multicêntrico realizado na Itália11. Entretanto, o resultado do presente estudo nos permite discutir que, embora a anafilaxia e dermatite atópica estejam fortemente correlacionadas, a precocidade da anafilaxia abaixo de um ano de idade não configure um fator de risco ainda maior. Outro fator de risco analisado neste estudo italiano foi o sexo, sendo os meninos os mais acometidos11. Esse dado é compatível com nossa amostra, que demonstrou mais pacientes do sexo masculino, mas este não foi um fator de risco para o desenvolvimento de anafilaxia durante o primeiro ano de vida.

A recorrência de anafilaxia foi outro ponto levantado e estudado em nosso trabalho, alcançando, nos dados gerais, uma porcentagem de 34,1%. Acreditamos que o número de pacientes incluídos neste estudo foi insuficiente para nos mostrar uma relação entre o episódio prévio de anafilaxia e sua recorrência, no entanto é importante ressaltar que existe a possibilidade de escapes, pois pacientes que sabidamente já haviam sido diagnosticados com anafilaxia recorreram, mostrando a importância da orientação para os pais, de modo a evitar os escapes.

O tratamento realizado durante as crises anafiláticas também foi levantado, demonstrando uma desigualdade entre condutas tomadas frente ao quadro anafilático em lactentes com idade igual ou inferior a um ano. Chama atenção perceber que pacientes com quadros de anafilaxia não receberam o tratamento adequado, mas não somente, o mais agravante é que houve pacientes que sequer receberam algum tratamento, felizmente não houve nenhum desfecho fatal. Isso reflete uma dificuldade dos médicos em realizar o diagnóstico de anafilaxia e também uma falta de conhecimento no que tange a escolha da medicação adequada. Todos estes fatores podem ser ainda mais agravados em crianças abaixo de um ano de idade. A inexperiência dos pais, dos pediatras em alguns serviços de emergência, o medo da utilização da adrenalina, a dificuldade de se estabelecer o diagnóstico são apenas alguns dos fatores que podem contribuir para o retardo na medicação, como também destacado por Simons e cols.15.

O uso da adrenalina como terapia de resgate é uma realidade largamente difundida em outros países, e a recomendação de uso é dada em grande escala. Visto que a adrenalina é a medicação com melhores resultados diante de uma reação anafilática, seu uso, inclusive em mais de uma dose, poderia ser mais recomendado e conhecido pelos profissionais que atuam no primeiro atendimento16,17. A injeção de adrenalina por via intramuscular é o tratamento de escolha na anafilaxia. Seu pico plasmático alcança altas concentrações em um curto período de tempo, trazendo efeitos quase imediatos ao paciente18.

Um estudo realizado no Japão demonstra que os pediatras são pouco treinados e pouco aptos a identificar um quadro anafilático em curso, e tão pouco são capacitados a tratar corretamente os pacientes pediátricos em crise anafilática, sendo que com isso suas deficiências no manejo podem resultar em falha no diagnóstico e na prevenção de recorrências de anafilaxia19.

Uma vez que o diagnóstico nesses pacientes pode ser bastante difícil dada a inespecificidade dos sintomas, faz-se importante uma adequação do reconhecimento dos lactentes de risco, fatores desencadeantes, fatores de risco e recorrência presentes nos antecedentes pessoais, e tratamento adequado.

Existem diversas hipóteses para explicar o crescimento da alergia alimentar em lactentes, como por exemplo o uso de antibioticoterapia pela gestante no período perinatal e prematuridade. O uso de antimicrobianos afetaria a resposta imune fetal, diminuindo as citocinas de tolerância intestinal como IL-10 e TGFB; já na prematuridade a imaturidade da barreira gastrointestinal poderia estar relacionada à quebra da barreira intestinal e menor evolução de tolerância17. Em nossa amostra, não foi possível coletar esses dados sobre o período perinatal, não sendo viável estabelecer relações.

Anafilaxia em lactentes abaixo de um ano de idade é um evento que precisa ser conhecido especialmente com o aumento da prevalência de alergia alimentar. Nesta faixa etária o leite de vaca se destaca como o alimento mais frequente. Ainda que as manifestações se assemelhem aos sintomas em faixas etárias mais elevadas, há um grande número de crianças que não recebem o tratamento adequado mesmo nos serviços de emergência. O aumento de informações e educação continuada para familiares e médicos em sala de emergência podem minimizar a recorrência dos sintomas e permitir tratamento mais adequado.

 

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