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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Julho-Setembro 2022 - Volume 6  - Número 3


Artigo Original

Qualidade de vida de acordo com o controle e gravidade da asma em pacientes pediátricos atendidos em um hospital em Belém do Pará

Quality of life according to asthma control and severity in pediatric patients at a hospital in Belém do Pará, north of Brazil

Maria Emilia da Silva Coelho1; Gabriele Arja de Abreu1; Mariane Cordeiro Alves Franco1; José Tadeu Colares Monteiro2; Lilian França dos Santos Monteiro Pereira3


DOI: 10.5935/2526-5393.20220039

1. Universidade do Estado do Pará, Medicina - Belém, PA, Brasil
2. Centro Universitário do Pará, Medicina - Belém, PA, Brasil
3. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, Pneumologia Pediátrica - Belém, PA, Brasil


Endereço para correspondência:

Maria Emilia Coelho
E-mail: emiliasc_@hotmail.com


Submetido em: 02/06/2020
Aceito em: 17/07/2022

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

INTRODUÇÃO: A asma é uma doença inflamatória obstrutiva crônica que, mesmo com baixa letalidade, pode prejudicar a qualidade de vida das crianças e adolescentes. Estabelecer o quanto a gravidade da asma e o seu controle podem influenciar na qualidade de vida dos pacientes pode auxiliar em um melhor desfecho para os pacientes.
OBJETIVO: Avaliar a qualidade de vida em crianças asmáticas de acordo com o controle de sintomas e a gravidade da doença.
MÉTODOS: Estudo transversal com inclusão de crianças asmáticas de 7 a 13 anos de idade acompanhadas no ambulatório de pneumologia pediátrica da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMPa). Dados sociodemográficos e clínicos foram obtidos por meio de uma ficha de identificação e do prontuário. O controle de sintomas foi avaliado pelo Teste de Controle da Asma e a gravidade foi determinada com base nos critérios do Global Initiative for Asthma. Para avaliação da qualidade de vida foi utilizado o Paediatric Asthma Quality of Life Questionnaire (PAQLQ).
RESULTADOS: Foram entrevistados 45 pacientes (57,7% meninos) com média de idade de 9,53±1,89 e mediana de 9 anos. Destes, 19, 11 e 15 foram classificados, respectivamente, com asma controlada (AC), asma parcialmente controlada (APC) e asma não controlada (ANC). Quanto à gravidade, 25, 19 e 1 foram classificados, respectivamente, com asma leve (AL), asma moderada (AM) e asma grave (AG). O grupo AC, quando comparado ao APC e ANC, apresentou maiores valores no escore geral do PAQLQ e em todos os domínios (p < 0,05). Quanto à adesão ao tratamento, verificou-se que pacientes com adesão terapêutica têm aproximadamente três vezes mais chance de ter prejuízo mínimo ou ausente na qualidade de vida do que pacientes não aderentes.
CONCLUSÃO: Crianças asmáticas têm comprometimento da qualidade de vida relacionado ao inadequado controle dos sintomas e à não adesão terapêutica.

Descritores: Asma, qualidade de vida, criança.




INTRODUÇÃO

Segundo as diretrizes da Global Initiative for Asthma (GINA), a asma é uma doença inflamatória obstrutiva crônica, caracterizada por uma hiper-responsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxo aéreo1. As manifestações clínicas incluem episódios recorrentes de tosse, sibilância, dispneia e dor torácica, com predomínio diurno e noturno. O quadro pode ser revertido espontaneamente ou com o uso de medicações2.

A asma acomete cerca de 1 a 18% da população em diferentes países1. A prevalência global vem aumentando nas últimas duas décadas, apesar dos avanços terapêuticos e do melhor entendimento de sua patogênese. Do total, 1/3 concentra-se em menores de 18 anos3.

No Brasil, existem cerca de 20 milhões de asmáticos, sendo um dos países com maior prevalência da doença na infância e com um alto índice de asma grave4. Devido sua cronicidade e de ser a doença crônica mais atendida em serviços de emergência na faixa etária pediátrica, a asma tem grande impacto no âmbito econômico5. Segundo o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), as internações por asma na faixa etária de zero a 19 anos totalizaram um custo para o sistema de saúde de 31.844.124,846.

O custo elevado de um quadro de asma não controlada não ocorre somente no sistema de saúde, mas também em nível familiar. Estima-se que entre os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), a asma grave requer gastos superiores a um quarto da renda familiar, e o controle da doença reduziria substancialmente esse ônus7.

O manejo adequado da terapia medicamentosa, aliado à educação em asma para os pacientes e seus cuidadores, são fundamentais para o controle da doença8. Além disso, o acompanhamento com avaliações periódicas do paciente, visando o controle da asma, é importante para determinar o nível da doença e se há necessidade de ajustes no plano terapêutico7.

Associado ao controle dos sintomas e à gravidade da asma há a qualidade de vida. Mesmo tendo uma baixa letalidade, a asma é uma doença que pode prejudicar a qualidade de vida das crianças e adolescentes acometidos, bem como dos cuidadores, por variados motivos, como a instabilidade das condições de saúde, necessidade de tratamentos prolongados, efeitos colaterais às medicações e visitas constantes aos médicos e serviços de urgência9.

A avaliação da qualidade de vida com base na saúde, realizada por meio de questionários voltados a pacientes pediátricos, tem sido estimulada no acompanhamento clínico, a fim de proporcionar um entendimento holístico da saúde nessa faixa etária10. O conhecimento sobre o quanto a gravidade da asma e o seu controle podem influenciar na qualidade de vida dos pacientes auxilia no estabelecimento de estratégias terapêuticas, comportamentais e ambientais pelo sistema de saúde, que venham a melhorar o desfecho de pacientes com asma11.

Embora avaliar a qualidade de vida para um adequado seguimento clínico seja estimulado, ainda há poucas pesquisas com ênfase em pacientes pediátricos asmáticos. Assim, o presente estudo teve como objetivo avaliar a qualidade de vida em crianças asmáticas de acordo com o controle de sintomas e a gravidade da asma em pacientes atendidos em um hospital em Belém do Pará, Brasil.

 

MÉTODO

Estudo clínico analítico, de corte transversal, realizado em um serviço ambulatorial de pneumologia pediátrica em Belém do Pará, no período de abril a dezembro de 2019. Foram incluídas todas as crianças e adolescentes de 7 anos a 14 anos incompletos com diagnóstico prévio de asma que compareceram ao atendimento ambulatorial no período citado. Foram excluídos os pacientes faltosos, portadores de comorbidades com repercussões no seu estado geral, pacientes que realizavam acompanhamento ambulatorial por outra patologia pulmonar, e aqueles com alterações cognitivas que dificultavam a aplicação e o entendimento dos testes.

Os pais e responsáveis, assim como as crianças e adolescentes, foram convidados a participar da pesquisa antes do início da consulta médica, sendo devidamente informados de todos os procedimentos da pesquisa. Todos os participantes e seus respectivos responsáveis que aceitaram participar assinaram o Termo de assentimento e consentimento esclarecido, respectivamente.

Inicialmente, foi aplicada aos pais uma ficha de identificação e avaliação básica objetivando obter as seguintes informações: idade do participante, sexo, procedência (zona urbana ou rural), peso e altura (informações obtidas por meio de acesso aos dados da consulta ambulatorial realizada no mesmo dia), antecedentes mórbidos pessoais do paciente, antecedentes familiares (asma, rinite, sinusite, tabagismo atual de algum cuidador), número de crises de asma no último ano e nos últimos três meses, adesão ao tratamento e sobre a interrupção do uso da medicação na ausência de sintomas ou na presença de algum efeito não desejável relacionado ao uso.

Posteriormente, foi aplicado o questionário de avaliação de controle da asma (ACT) composto por 5 questões referentes a sinais e sintomas da asma, uso da medicação de resgate nas últimas quatro semanas e percepção em relação ao controle da asma. A pontuação das cinco perguntas foi somada ao final para obtenção do escore, considerando as seguintes pontuações como definidoras para os níveis de controle considerados, segundo as Recomendações para manejo da Asma da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia de 2020:

- escore maior ou igual a 20: asma controlada;

- escore de 16 a 19: asma parcialmente controlada;

- escore menor ou igual a 15: asma não controlada.

A avaliação do nível de gravidade da asma foi feito de maneira retrospectiva, pela análise dos prontuários dos pacientes entrevistados de acordo com o esquema de tratamento adotado: asma leve é aquela que necessita de um tratamento não muito intenso para o controle (etapa 1 e etapa 2), asma moderada é aquela que necessita de tratamento em uma intensidade também moderada (etapa 3), e asma grave necessita de tratamento intenso (etapas 4 e 5).

A avaliação da qualidade de vida foi feita pela aplicação do questionário sobre qualidade de vida na asma pediátrica (PAQLQ), específico para indivíduos asmáticos na faixa etária de 7 a 17 anos. O questionário é composto por 23 perguntas divididas em três domínios, conforme descrito a seguir.

- Limitação de atividades: cinco questões referentes ao incômodo que a asma ocasionou na execução de determinadas atividades.

- Sintomas: dez questões relacionadas ao incômodo que crises, tosse, dispneia, sibilos, sensação de aperto no peito e despertares noturnos provocam nos indivíduos.

- Função emocional: oito questões referentes à frequência com que a doença faz o paciente sentir raiva, sentir-se diferente dos outros, sentir medo por conta de alguma crise e ficar irritado ou chateado por não conseguir acompanhar o ritmo das outras pessoas.

Todos os itens possuem peso igual, e ao final, calculou-se a pontuação e média aritmética correspondente a cada domínio para obtenção do escore individualizado e também a média aritmética das 23 questões para se obter o escore geral de qualidade de vida. Para analisar o quanto o nível de controle e a gravidade da asma interferem na qualidade de vida das crianças e adolescentes do estudo, foi considerado:

- escore ≥ 6: prejuízo mínimo ou ausente;

- escore < 6 e ≥ 3: prejuízo moderado;

- escore < 3: prejuízo grave.

A amostra foi avaliada através de estatística descritiva, através de medidas de tendência central (média aritmética e mediana), variância (desvio padrão) e frequências absoluta e relativa. Avaliações considerando variáveis contínuas foram realizadas através dos testes de Kruskal-Wallis (com pós-teste de Dunn em caso de significância estatística) ou Mann-Whitney, de acordo com o número de grupos analisados. Variáveis categóricas foram avaliadas através do Teste G. Para variáveis categóricas dicotômicas foi avaliado o odds ratio, considerando intervalo de confiança de 95%. Toda a inferência estatística foi realizada no software BioEstat 5.4, considerando p-valor significativo ≤ 0,05.

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de ética e Pesquisa envolvendo seres humanos, sob o parecer de número 3.238.653.

 

RESULTADOS

Entre abril a dezembro de 2019, foram realizados 190 atendimentos no serviço ambulatorial pediátrico em questão. Destes, 45 pacientes eram elegíveis para a pesquisa e foram entrevistados; 145 não foram elegíveis, sendo que 76 por estar fora da faixa etária pesquisada e 69 estavam em uma das seguintes categorias: acompanhamento por outra patologia pulmonar, possuíam comorbidades com repercussão sistêmica ou alteração cognitiva que dificultava o entendimento dos procedimentos da pesquisa.

A casuística teve a participação de 26 meninos (57,7%) e 19 meninas (42,2%). A média de idade dos pesquisados foi de 9,53±1,89, com mediana de 9 (7-13,9) anos. A média do IMC foi de 18,5±3,61, mediana de 17,92. A média da altura foi de 139,46±12,59, com mediana de 141.

Em relação a antecedentes mórbidos pessoais dos pacientes, 41 dos entrevistados (91%) também possuíam rinite alérgica e 17 pacientes (37,7%) tinham histórico de internação hospitalar relacionada à asma. Com relação ao histórico familiar, 35 pacientes (77,7%) tinham histórico positivo para asma, e 31 (68, 8%) para rinite alérgica.

Por meio da interpretação dos resultados do ACT, 19 pacientes (42,2%) estavam com a asma controlada, 11 com a doença parcialmente controlada (24,4%), e 15 (33,3%) com asma não controlada. Em relação à gravidade da asma, 25 (55,5%) apresentava asma leve, 19 (42,2%) asma moderada, com apenas 1 caso (2,2%) de asma grave.

Dos pacientes com asma controlada, 14 (73,6%) possuíam asma leve, 4 (21%) asma moderada e 1 (5,2%) asma grave. No grupo de asma parcialmente controlada, 7 (63,63%) tinham asma moderada e 4 (36,3%) asma leve. No grupo com asma não controlada, 8 pacientes apresentavam asma moderada (53,3%), e 7 asma leve (46,6%). Houve associação significativa entre os grupos asma controlada e asma leve (p < 0,05), mostrando que os pesquisados com asma controlada tinham maior probabilidade de serem classificados como asma leve. Não houve a mesma associação entre os outros níveis de controle de sintomas e gravidade no presente estudo.

Não houve associação entre idade, IMC e altura com controle dos sintomas e gravidade da asma, tornando os grupos comparáveis entre si.

Em relação à associação entre controle de sintomas da asma e a qualidade de vida por meio da pontuação do PAQLQ, o grupo asma controlada apresentou valores significativamente maiores no escore geral e em todos domínios do que os grupos asma parcialmente controlada e não controlada (p < 0,05). A distribuição dos valores dos componentes do PAQLQ com a média da pontuação, desvio padrão e mediana de cada domínio encontra-se na Tabela 1.

 

 

No presente estudo, não houve associação significativa entre a pontuação no PAQLQ e a gravidade da asma, sendo os grupos de asma leve, moderada e grave comparáveis entre si nesse aspecto, como pode ser visto na Tabela 2.

 

 

O prejuízo à qualidade de vida de acordo com o controle e a gravidade da asma está relatado nas Tabelas 3 e 4, respectivamente. No escore geral, 25 (55,5%) dos pesquisados apresentaram prejuízo mínimo ou ausente, 18 (40%) prejuízo moderado e 2 (4,4%) prejuízo grave. Houve associação significativa (p < 0,05%) entre controle de sintomas e prejuízo na qualidade de vida, em relação ao escore geral aos domínios limitação de atividades e função emocional. A mesma associação não foi verificada em relação ao ao domínio dos sintomas e controle da asma, sendo que a gravidade da asma também não demonstrou relação com o prejuízo à qualidade de vida no presente estudo (p > 0,05%).

 

 

 

 

Dos pacientes pertencentes ao grupo com prejuízo mínimo/ausente no PAQLQ, 16 (64%) são do grupo asma controlada, enquanto que 85% dos pacientes com prejuízo moderado a grave pertencem aos grupos asma parcialmente controlada e não controlada. Em relação à gravidade da asma, 68% dos pacientes com asma leve apresentou prejuízo mínimo/ausente na qualidade de vida, enquanto que 63,16% dos pacientes com asma moderada apresentou prejuízo moderado a grave.

No domínio limitação de atividades, 24 (53,3%) dos pesquisados apresentava prejuízo mínimo/ausente, 17 (37,7%) prejuízo moderado e 4 (8,8%) prejuízo grave. Dos que apresentavam prejuízo mínimo, 15 (62,5,%) são do grupo asma controlada e 16 (66,6%) tinham asma leve. Dos entrevistados com prejuízo moderado a grave, 17 (80,95%) são dos grupos asma parcialmente controlada e não controlada, sendo 12 (57,14%) do grupo asma moderada.

No domínio dos sintomas, 26 (57,7%) participantes apresentaram prejuízo mínimo/ausente, 17 (37,7%) prejuízo moderado e 2 (4,4%) prejuízo grave. Dezesseis pacientes (61,53%) que possuíam prejuízo mínimo/ausente tinham asma controlada e asma leve, respectivamente. Dos 19 pacientes com prejuízo moderado a grave, 16 (84,2%) pertenciam ao grupo asma parcialmente controlada e não controlada e 10 (52,63%) ao grupo asma moderada.

Em relação ao domínio emocional, 30 (66,6%) pesquisados apresentaram prejuízo mínimo/ausente, 13 (28, 8%) prejuízo moderado e 2 (4,4%) prejuízo grave. Dezoito (60%) dos entrevistados com prejuízo mínimo/ausente eram do grupo asma controlada e possuía asma leve, enquanto que 14 (93,3%) do grupo com prejuízo moderado a grave tinham asma parcialmente ou não controlada, e 8 (53,3%) tinham asma moderada.

A adesão ao tratamento mostrou associação com o prejuízo à qualidade de vida. Como pode ser visto na Tabela 5, levando em consideração o escore geral do PAQLQ, um paciente com a correta adesão ao tratamento teria uma probabilidade cerca de 2,66 maior de ter prejuízo mínimo/ausente do que aquele sem adesão. A mesma relação também foi verificada entre adesão ao tratamento e os outros domínios.

 

 

DISCUSSÃO

A obtenção de um quadro mais completo sobre o estado de saúde da criança envolve, além de parâmetros clínicos, a verificação da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS)12, já que um melhor controle da doença está associado a uma melhor qualidade de vida em crianças13. Um dos obstáculos para tal aferição seria a falta de instrumentos próprios ou versões adaptadas à cultura local de ferramentas já existentes12.

Nesse sentido, o PAQLQ (Pediatric Asthma Quality of Life Questionnaire) foi criado com o objetivo de aferir a QV em crianças e adolescentes, sendo capaz de detectar, quando corretamente aplicado, mudanças sutis nesse sentido14, sendo o único instrumento com validação completa e adaptação cultural para medição da QV em pacientes asmáticos pediátricos no Brasil12. Em estudo realizado por 20 anos com pacientes asmáticos e seus cuidadores, foi demonstrado que crianças e adolescentes com asma têm pior QV se comparados a indivíduos sem asma15.

Na faixa etária pediátrica, há registro de associação da idade dos pesquisados com controle de sintomas, gravidade da asma e QV, como foi demonstrado em estudos realizados no Egito16 e na Sérvia17, em que houve associação de maior gravidade e maior prejuízo à QV em pacientes mais velhos. Tal associação não foi verificada pelo presente estudo, assim como em pesquisas anteriores realizadas no Brasil11, no Líbano18 e na Nigéria19.

Em relação ao índice de massa corporal (IMC) também não houve relação de significância com o controle de sintomas, gravidade da asma e qualidade de vida, o que concorda com resultados obtidos por Matsunaga11 e El-Gilany20. Um estudo dinamarquês21, porém, encontrou relação entre IMC, controle de sintomas e gravidade da asma, sendo estes proporcionais ao IMC do indivíduo pesquisado.

Já é bem documentada a relação entre o controle de sintomas da asma e a QV da criança e adolescente asmático, sendo que um pior controle dos sintomas está relacionado a piores índices de QV5,16,18,22. Essa associação foi demonstrada entre a casuística pesquisada, com piores pontuações no ACT associadas a menores pontuações no escore geral e em todos os domínios do PAQLQ. No presente trabalho, houve relação do escore geral do PAQLQ e de todos seus domínios com o controle dos sintomas, assim como verificado em diferentes estudos5,11,20,23. Porém em relação aos domínios, dois são usualmente mais afetados a depender da casuística pesquisada: limitação de atividades e sintomas24.

Diferente de outras pesquisas que mostraram o domínio dos sintomas como sendo o mais afetado5,16,19, no presente estudo o domínio limitação de atividades foi o mais afetado, como também foi demonstrado em estudo realizado em Portugal25. Essa diferença entre o domínio mais afetado pode ser explicada por diferenças na percepção sobre limitações, nível de atividade física, critérios diferentes de inclusão de cada estudo e seguimento clínico adequado5,16.

No presente estudo, não houve associação significativa entre gravidade da asma e qualidade de vida, o que se assemelha a resultados encontrados por estudos feitos em Israel26 e na Turquia13. Como a classificação da gravidade da asma está relacionada à intensidade do esquema terapêutico estabelecido, podem haver diferenças na categorização da gravidade dos quadros de acordo com o serviço considerado e adoção de diferentes medidas terapêuticas26. Além disso, a falta de correlação entre gravidade e QV vista nos trabalhos citados e no presente estudo pode estar relacionada à presença de poucos casos de asma grave na casuística (neste estudo, apenas um), e ao próprio número relativamente limitado de pacientes entrevistados.

Entretanto, outros estudos atestaram a associação entre QV e nível de gravidade da asma5,11,19,24, porém alguns destes usaram outras ferramentas para aferir a gravidade do quadro asmático, o que poderia explicar a diferença entre os resultados obtidos.

A rinite alérgica é uma comorbidade altamente prevalente entre pacientes asmáticos3,5,27, o que foi verificado na casuística pesquisada, com 91% de prevalência entre os entrevistados. Tal associação também foi vista em estudos realizados anteriormente, que mostraram essa concomitância na maior parte da casuística pesquisada, no Brasil e na América Latina3,27. Pelo fato de a rinite possivelmente também afetar a QV das crianças asmáticas, é necessária a adoção do conceito de via aérea única com mais frequência para um adequado manejo da doença5.

Em doenças crônicas, como a asma, é de suma importância que haja uma correta adesão ao tratamento para alcance dos resultados esperados clinicamente. Nesse estudo, a adesão ao tratamento de manutenção e resgate da asma foi medida de forma subjetiva28, com o questionamento aos responsáveis sobre as medicações em uso atual e comparação destes dados com as informações sobre prescrição presentes no prontuário médico. Dessa forma, a taxa de adesão verificada foi de 71,1%, diferindo da taxa média de 52% encontrada em um estudo de grande escala sobre adesão ao tratamento da asma no Brasil29, porém é compatível com a taxa variável citada em estudo da Bélgica, em que níveis de adesão variam até valores próximos a 70%28.

No presente estudo, houve associação entre correta adesão medicamentosa com a qualidade de vida dos pesquisados, sendo que pacientes com adesão inadequada tinham mais chance de possuir prejuízo na QV. Tal associação também é citada no estudo ADERE29, que verificou associação positiva entre adesão ao tratamento e qualidade de vida do asmático, não sendo vista a mesma relação em estudo feito em um ambulatório especializado no estado de São Paulo5.

Um fator que contribui para menor adesão citado por alguns dos responsáveis entrevistados foi o alto custo do tratamento de manutenção da asma, principalmente dos beta-2 agonistas de longa duração. Em estudos anteriores, a restrição financeira e o alto custo dos medicamentos também foram fatores importantes citados e que predispunham a uma menor adesão medicamentosa28,29.

Para melhora persistente e duradoura do controle de sintomas e da QV de pacientes asmáticos, um acompanhamento continuado é necessário13,16, já que pacientes acompanhados de forma regular têm melhores índices de controle da asma ao longo do tempo3. Dessa forma, o acompanhamento dos índices de qualidade de vida de pacientes asmáticos é importante porque piores índices estão diretamente associados a um pior controle de sintomas da asma23,30. Essa estratégia pode facilitar decisões clínicas e guiar o estabelecimento de esquemas de tratamento mais eficazes30.

Citamos como limitações relacionadas ao presente estudo o número reduzido da casuística e o fato de ser um estudo transversal, sem acompanhamento do quadro clínico dos pacientes em longo prazo. Além disso, houve falta de representatividade do grupo asma grave na pesquisa (com apenas um caso). Outra possível limitação é a verificação da adesão ao tratamento, que foi feita de forma subjetiva, e por isso há o risco de ter sido superestimada pelo relato dos responsáveis, havendo também possibilidade de má técnica inalatória e relatos não acurados em relação a nome de medicamentos e doses utilizadas. Esses fatores contribuem para que os resultados obtidos possam ser uma representação da população estudada localmente, porém não necessariamente representam a realidade dos asmáticos de forma geral, sendo limitada a extrapolação dos dados para outras populações.

 

CONCLUSÕES

Conclui-se que um inadequado controle dos sintomas se relaciona a piores índices de qualidade de vida em pacientes asmáticos. Não se obteve o mesmo resultado em relação à gravidade da asma, possivelmente pela limitação quantitativa de pacientes com asma grave, com apenas um caso dentre os entrevistados ou ainda pela pequena casuística estudada. Além disso, verificou-se que pacientes com adesão terapêutica adequada tiveram chance aproximadamente três vezes maior de ter melhores índices de qualidade de vida do que os pacientes sem adesão. Portanto, a aplicação de questionário que avalie a qualidade de vida em pacientes asmáticos com um adequado seguimento clínico pode demonstrar o real impacto da doença na vida desses pacientes e de seus familiares. A partir da análise dessa percepção individual, podem ser estabelecidas novas estratégias terapêuticas, comportamentais e ambientais a fim de que com o devido controle da doença, estes pacientes tenham melhoria da qualidade de vida.

 

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