Modificações atuais da agricultura no Sul do Brasil: Lolium e Polinose em "uma nova visão"
Current changes in agriculture in Southern Brazil: Lolium and polinosis in "a new vision"
Francisco Machado Vieira
Departamento Cientifico de Alergia Ocular da ASBAI. Clínica de Alergia e Imunologia, Caxias do Sul - Caxias do Sul, RS, Brasil. E-mail: famvieira@hotmail.com
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta
Prezado Editor,
O Lolium multiflorum (LOM), denominado azevém anual, é uma gramínea exótica, nativa da região mediterrânea europeia. Adaptou-se perfeitamente às condições geoclimáticas do Sul do Brasil, servindo como uma excelente pastagem e forrageira, principalmente no período de outono/inverno1.
Quando cultivado, mantém um banco de sementes no solo, que cresce espontaneamente, ao longo dos anos, havendo uma ressemeadura natural.
O LOM, também citado como ryegrass, é caracterizado por produzir uma prodigiosa produção polínica alergênica. Dispersando-se no ar, produz quadros de rinoconjuntivite e/ou de asma brônquica do tipo estacional, na primavera, em indivíduos previamente sensibilizados2.
Essa gramínea foi eleita, em algumas regiões do Sul do Brasil, inicialmente, como pastagem de inverno, seguindo seu uso para outra finalidade, o denominado "plantio direto na palha", uma nova prática agrícola conservacionista1. Foi considerada uma das bases de cobertura do solo sem seu revolvimento (manter propriedades físicas, químicas e biológicas) basicamente em culturas de verão, como a soja e o milho.
O LOM pode também ser ecologicamente considerado uma gramínea invasora, podendo existir nas periferias das cidades, em terrenos abandonados, ao longo de rodovias, entre outros locais. Possui um pólen anemófilo, altamente alergênico com efeito na população atópica basicamente, no período da primavera, no Sul do Brasil2,3.
Foi caracterizado anteriormente, através de estudos epidemiológicos, que associaram agricultura/soja à presença de azevém. Em Santo Ângelo (região das Missões, RS), se obteve 22,1% de prevalência de polinose na população adulta4. Em paralelo e com idêntica metodologia, através de questionário escrito (International Study of Asthma and Allergies in Childhood), validado em Curitiba, estudou-se uma população de soldados do Exército Brasileiro (n= 3.028) em duas grandes regiões (Missões e Pampa, RS). Obteve-se um índice de 21,6% de prevalência na região das Missões, onde predominava a agricultura extensiva de soja (verão), consorciada com azevém (inverno). Na região do Pampa, com vegetação natural, predominando a pecuária extensiva (fronteira com Uruguai e Argentina), houve uma prevalência de 3,2%5. Admite-se a não existência de testes cutâneos para pólen de gramíneas e/ou determinação de IgE específica, que confirmariam o diagnóstico, entretanto as prevalências de polinose coincidentes (22,1% e 21,6%) não seria simplesmente obra do acaso.
Modificações em práticas agrícolas, incluindo-se cultivares de trigo com elevado melhoramento genético e produtividade, e elevado consumo no mercado brasileiro, reativaram o seu cultivo pelos produtores agrícolas em extensas áreas no Sul do Brasil, no período de inverno. Verificou-se que esse poderia substituir o azevém com a vantagem de também produzir palha para a proteção do solo na cultura de soja. O mesmo acontece com a aveia preta (Avena strigosa), uma gramínea que possui características de uma autopolinização, ou seja, sem dispersão polínica. O azevém agora é "indesejado", pois, através de um banco de sementes residuais no solo, comportava-se como uma "planta daninha" competindo com as culturas de verão como aquelas de soja e milho e/ou também com o próprio trigo no ano seguinte6. Afora isso, o azevém tornou-se resistente aos herbicidas em algumas áreas, incluindo o glifosato, fato importante para os agricultores.
Um aspecto, sob o ponto de vista ecológico, é que existiria um potencial para o crescimento de diversos tipos de vegetação, entre os quais o azevém, em áreas de pousio (sem cultivos), durante o período de inverno, aguardando a terra para posterior plantio de soja ou milho no verão. As informações agronômicas atuais invalidam essa hipótese, pois os agricultores possuem máquinas e terras para seu aproveitamento em um ganho extra com culturas de inverno como o trigo, eliminando todo tipo de "erva daninha" antes do cultivo.
No ano de 2019, o RS foi o maior produtor de trigo do Brasil, responsável por mais de 42% da produção (Fonte: Radiografia da Agropecuária Gaúcha, 2020). Esses fatos, de modo semelhante, são verificados no Estado do Paraná, grande produtor de trigo e soja, muitas vezes superando o RS.
Tivemos a oportunidade de observar novas mudanças no cultivo de trigo, em contato pessoal com produtores rurais da região das Missões, em dias de campo, adicionando-se o percurso feito de, aproximadamente, 300 km em estradas do interior, margeando lavouras.
Embora, sob o ponto de vista ecológico, tenhamos a oportunidade de relacionar isso à possível diminuição da prevalência de polinose e à dispersão polínica em áreas com trigo, anteriormente ocupadas com azevém, não existem dados aerobiológicos que poderiam ser analisados em conjunto para confirmar a hipótese.
Os médicos, especialmente os alergistas, com as atuais modificações na agricultura com o trigo, teriam uma "boa-nova" associada aos sofredores de polinose, não unicamente por sensibilização a pólen de gramíneas, mas, principalmente, pela intensidade e frequência dos sintomas. Uma visita prática ao campo poderia "ser prevista" junto com agrônomos ou produtores rurais.
Agradecimento especial pelas informações e práticas atuais de campo na agricultura, recebidas de:
Gilmar Vione, engenheiro agrônomo da EMATER - Santa Rosa, RS, Brasil;
Marcia Dezen, engenheira agrônoma da EMATER - Santo Ângelo, RS, Brasil;
Pedro Antônio Cargnelutti, produtor rural - Catuípe, RS, Brasil;
Nelson Ribeiro Nardes, produtor rural - Alegria, RS, Brasil.
REFERÊNCIAS
1. Vieira FM. Novas práticas agropastoris estão influenciando a relação meio ambiente/polinose no Sul do Brasil? Rev bras alerg imunopatol. 2003;26:37-8.
2. Sopelete MC, Moreira PFS, Silva DAO, Cunha-Júnior JP, Vieira FAM, Jung-Sang J, et al. Sensitization to Lolium multiflorum grass pollen in pollinosis patients: evaluation of allergenic fractions recognized by specific IgE antibodies. Int Arch Allerg Immunol. 2006;140:121-30.
3. Vieira FAM. Pollinosis in Southern Brazil. Abstracts of the fifty-second annual meeting American Academy of Allergy Asthma and Immunology. 1996 march 15-20; New Orleans (USA); 1996;438.
4. Vieira FAM, Ferreira EM, Motter LB. A prevalência de polinose está associada com a cultura de Lolium multiflorum? Rev bras alerg imunopatol. 2005;28:47-52.
5. Vieira FAM, Braga GL, Oliveira Filho P Prevalência de polinose em soldados do exército no Sul do Brasil. Rev bras alerg imunopatol. 2009;32(6):221-6.
6. Agostinetto D, Rigoli RP, Schaedler CE, Tironi SP, Santos LS. Período crítico de competição de plantas daninhas com cultura do trigo. Planta Daninha. 2008;26:271-8.