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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Julho-Setembro 2021 - Volume 5  - Número 3


Artigo de Revisão

Tratamento da UCE refratária aos anti-histamínicos e na impossibilidade do omalizumabe, nos adultos

Treatment of CSU refractory to antihistamines and in the impossibility of omalizumab therapy in adults

Bruna Gehlen; Mariana Mousinho-Fernandes; Paula Natassya Argolo; Grazielly de Fátima Pereira; Jorge Kalil; Antônio Abilio Motta; Rosana Câmara Agondi


DOI: 10.5935/2526-5393.20210037

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Serviço de Imunologia Clínica e Alergia - São Paulo, SP, Brasil


Endereço para correspondência:

Bruna Gehlen
E-mail: brugehlen@gmail.com


Submetido em: 01/02/2021
Aceito em: 21/04/2021

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

Há o empenho contínuo de especialistas no desenvolvimento de tratamentos resolutivos ou eficazes nos controles das doenças, no entanto, a entidade urticária crônica espontânea (UCE), quando refratária à primeira linha de tratamento, os anti-histamínicos, apresenta um prognóstico desfavorável. Existe um arsenal de medicamentos biológicos disponíveis já consolidados como eficazes e seguros, porém eventualmente nos defrontamos com a inacessibilidade a estes medicamentos, devido aos custos dos mesmos e aos trâmites necessários para dar início ao tratamento. Tais fatos fundamentam a discussão sobre terapias alternativas com outros fármacos, visando manter o manejo adequado da doença e a qualidade de vida dos pacientes.

Descritores: Urticária, imunossupressores, ciclosporina.




INTRODUÇÃO

Urticária crônica espontânea (UCE) é caracterizada pelo desenvolvimento de urticas, angioedema ou ambos, com duração de pelo menos 6 semanas. Na UCE, não se identificam agentes externos ou fatores específicos na sua etiologia, e a exclusão de diagnósticos diferenciais se faz necessária1,2.

A fisiopatologia da UCE não está totalmente esclarecida, porém, a ativação dos mastócitos cutâneos e a liberação de seus mediadores inflamatórios são a via final comum de todas as formas de urticária. Estudos sustentam esta hipótese pela demonstração de concentrações aumentadas de histamina no tecido cutâneo e pela resposta clínica da urticária aos anti-histamínicos3.

Portanto, medicamentos anti-histamínicos e aqueles que impeçam a desgranulação dos mastócitos/basófilos são os medicamentos com maior potencial para o controle da UCE. Os anti-histamínicos são agonistas inversos dos receptores H1 da histamina, ou seja, a histamina se liga a sítios específicos no receptor H1 levando à ativação do receptor; os anti-histamínicos se ligam a outros sítios no receptor H1, inativando este receptor. Os anti-histamínicos de primeira geração, mais antigos, incluem clorfeniramina, difenidramina, hidroxizina e cetotifeno, penetram prontamente no sistema nervoso central, onde causam sedação, sonolência, fadiga e prejudicam a concentração e a memória; causam diminuição do desempenho cognitivo e psicomotor. O uso de anti-histamínicos de primeira geração deve ser desencorajado e não é recomendado pelo consenso mundial de manejo e tratamento da urticária crônica1,4,5.

Os anti-histamínicos H1 de segunda geração, mais novos, são mais seguros, causam menos sedação e são mais eficazes. Destes, azelastina, olopatadina, cetirizina e loratadina podem causar sonolência em alguns indivíduos, mas isso geralmente é leve. Publicações recentes sugeriram que, em doses recomendadas pelo fabricante, a levocetirizina é menos sedativa do que cetirizina. A ocupação dos receptores de histamina no cérebro pelas fexofenadina e bilastina é desprezível. Isto ocorre devido ao mecanismo de ação destes dois anti-histamínicos, eles são substratos para a glicoproteína-P, que é uma proteína transportadora transmembrana, uma bomba de efluxo dependente de ATP que limita a passagem destes medicamentos através da barreira hematoencefálica. Os anti-histamínicos de segunda-geração têm um início de ação rápido entre 1 e 4 horas, e são clinicamente eficazes por 24 horas5.

Portanto, o tratamento de primeira linha da UCE, conforme a diretriz mundial, é o anti-histamínico H1 de segunda geração, porém, a terapia com anti-histamínicos H1 leva à ausência de sintomas em menos de 50% dos pacientes com UCE, mesmo esses sendo eficazes na redução do prurido, eritema, número, tamanho e duração da urticária6,7.

Na urticária, devido aos altos níveis locais de histamina na pele, as doses padronizadas de anti-histamínicos frequentemente não são capazes de controlar os sintomas. Nesse caso, se os sintomas persistirem após duas semanas, a segunda linha de tratamento da UCE é aumentar a dosagem de um mesmo anti-H1 de segunda geração em até quatro vezes5.

Por fim, vários estudos apoiam a segurança em utilizar-se anti-histamínicos H1, em doses quadruplicadas ou administradas prolongadamente nos pacientes com UCE1,6,7. Deve-se orientar o paciente quanto à aceitabilidade do medicamento e à adesão ao tratamento, visto que isso afeta os resultados. É importante escolher os anti-histamínicos de modo individualizado a cada paciente, visando controle de sintomas e buscando menos efeitos colaterais, como dificuldade na performance cognitiva e rendimento, além de prejuízo sobre a qualidade de vida dos pacientes, desestimulando os mesmos a seguir o tratamento indicado8.

 

 

Para os pacientes refratários aos anti-histamínicos, conforme a diretriz mundial de urticária, a indicação é adicionar-se o omalizumabe ao anti-histamínico. O omalizumabe é um anticorpo monoclonal humanizado IgG1, anti-IgE. Ele se liga ao domínio Cε3 da IgE livre formando complexos inativos, o domínio Cε3 é o local de ligação da IgE com seus receptores de alta afinidade nos mastócitos e basófilos, portanto, o omalizumabe impede a ligação das moléculas de IgE livres com seus receptores. Com a redução das moléculas de IgE ligadas aos seus receptores nos mastócitos e basófilos, há internalização destes receptores e não há a desgranulação celular1,5,9.

O omalizumabe e os anti-histamínicos em dose indicada em bula são os únicos medicamentos aprovados para o tratamento da UCE, sendo que este último é efetivo e seguro nas doses de 150 e 300 mg ao mês1,10-15.

Zhao ZT e cols.16, em uma metanálise de estudos clínicos randomizados, mostraram que o omalizumabe foi mais eficaz que o placebo no tratamento de pacientes com urticária crônica espontânea e também apresentou um perfil de segurança semelhante ao placebo. A resposta ao algoritmo de tratamento da UCE, recomendado pelo consenso mundial, está em torno de 55% para os anti-histamínicos (uma a quatro vezes ao dia), e entre 65% e 80% para o omalizumabe. Quando o paciente não responde à adição de omalizumabe ao anti-histamínico, a opção é a substituição do omalizumabe pela ciclosporina, sendo que até 70% dos pacientes podem alcançar o controle da UCE com este medicamento; entretanto, a frequência de eventos colaterais é elevada17.

 

TRATAMENTO DA UCE REFRATÁRIA AOS ANTI-HISTAMÍNICOS E INACESSIBILIDADE AO OMALIZUMABE

De acordo com a diretriz mundial de urticária, o objetivo do tratamento da UCE é alcançar o controle completo dos sintomas, até que a doença entre em remissão (the goal of treatment is to treat the disease until it is gone), considerando-se priorizar os medicamentos com melhor eficácia e maior segurança para o paciente1. O algoritmo de tratamento da UCE conforme consenso mundial está demonstrado na Figura 1.

 


Figura 1
Algoritmo de tratamento da urticária crônica espontânea recomendado por consenso mundial
Modificado de Zuberbier et al.1.

 

Existem questionários para a avaliação inicial da doença e que devem ser utilizados para o acompanhamento do paciente após o início do tratamento. São ferramentas de avaliação validadas para o seguimento do paciente: o Escore de atividade da urticária (UAS), o Escore de atividade do angioedema (AAS), o Questionário de qualidade de vida da urticária crônica (CU-Q2oL), o Questionário de qualidade de vida do angioedema (AE-QoL) e o Teste de controle da urticária (UCT). Logo, as pontuações nesses questionários podem ser usadas para orientar a seleção do tratamento de acordo com o status da doença do paciente1,18. Kaplan e cols.19 sugeriram que a resposta ao tratamento poderia ser baseada no UAS7 (UAS usado pelo período de 7 dias, com escore variando de 0 a 42), sendo a resposta completa quando UAS7 = 0 e urticária bem controlada quando UAS7 ≤ 6.

O algoritmo mundial de tratamento da UCE visa utilizar os medicamentos mais eficazes e seguros, entretanto, vários pacientes não respondem aos anti-histamínicos, e alguns outros também não respondem ao omalizumabe ou não têm acesso a este medicamento. Nesta situação, podemos fazer uso de medicamentos alternativos, devendo-se considerar a eficácia, a segurança, a conveniência e o custo destes medicamentos20. Vários medicamentos alternativos têm sido utilizados para o manejo de pacientes com UCE refratária. As evidências que sustentam a eficácia para a maioria destes medicamentos são limitadas e, apesar disso, o uso de medicamentos alternativos tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida e reduzir o uso crônico de corticoide sistêmico21.

Vários medicamentos foram sugeridos na literatura como opções terapêuticas alternativas para UCE, entretanto, as evidências de eficácia são baixas. Embora a manutenção destes medicamentos alternativos em um algoritmo de tratamento não seja recomendada, eles podem ter relevância clínica, pois são acessíveis em alguns sistemas de saúde. Alguns medicamentos podem ser eficazes para certos grupos de pacientes. A escolha do medicamento alternativo dependerá da experiência clínica individual do médico1,22.

Ciclosporina

A ciclosporina é recomendada como quarta linha de tratamento da UCE, conforme as orientações de diretrizes nacionais e internacionais. A ciclosporina é um medicamento imunossupressor potente que inibe a ativação do linfócito T bloqueando a produção de citocinas inflamatórias. A ciclosporina foi o primeiro medicamento imunossupressor descrito que agia seletivamente nos linfócitos, especialmente os linfócitos T helper. O complexo entre a ciclosporina e o seu receptor citoplasmático, a ciclofilina, inibe a atividade da fosfatase de calcineurina, uma fosfatase dependente de calmodulina, resultando na diminuição da transcrição de genes de citocinas (IL-2, 3, 4 e TNF-alfa). Além da inibição de linfócito T, estudos in vitro mostraram que leucócitos pré-incubados com ciclosporina inibiam a liberação de histamina após estímulo com soro de pacientes com UCE. Estudos também mostraram que a ciclosporina inibiu a liberação de histamina mediada por IgE dos mastócitos por um efeito dependente da sua concentração e, também, que após o uso de ciclosporina houve uma redução na atividade de liberação de histamina sérica e na resposta do teste do soro autólogo (TSA). Esses achados sustentam a hipótese de que os mecanismos de ação da ciclosporina, na UCE, podem envolver efeitos nas células T ativadas, nos basófilos, e, também, nos mastócitos1,23,24.

Alguns fatores estariam associados a uma melhor resposta à ciclosporina. Grattan e cols.23 mostraram que dois terços dos pacientes com UCE, com resposta incompleta ao anti-histamínico e teste do soro autólogo positivo, apresentaram melhora clínica após o uso da ciclosporina. Um estudo de metanálise mostrou que a taxa de resposta à ciclosporina dos pacientes com UCE pode chegar a 70%25.

Na UCE, estudos mostraram que a dose entre 2,5 a 3 mg/kg/dia foi considerada eficaz por 4 a 6 semanas, mostrando melhora significante no controle da doença. O tratamento com ciclosporina em baixa dose (2,5 mg/kg/dia) reduziu os níveis séricos de citocinas IL-2, IL-5 e fator de necrose tumoral alfa, que se encontram aumentados nos pacientes com UCE. O tempo exato de duração do tratamento com a ciclosporina não foi definido, a maioria necessitaria deste medicamento por 3 meses, enquanto alguns pacientes utilizariam o medicamento por 2 a 3 anos. O uso de longo prazo, no entanto, não é recomendado. A dose de ciclosporina sugerida por alguns autores é de 3 mg/kg/d (dividida em duas doses) por 6 semanas, seguida de redução gradual por mais 6 semanas24,26.

Vários efeitos colaterais estão associados ao uso da ciclosporina, especialmente com doses mais elevadas. Um dos efeitos colaterais mais comuns é a toxicidade renal, que se apresenta com aumento da creatinina sérica. O quadro pode se apresentar como nefrotoxicidade aguda, reversível e dependente da dose, que é secundária à vasoconstrição das arteríolas aferentes e disfunção dos túbulos. Entretanto, em alguns casos, a nefrotoxicidade também pode se apresentar com dano renal progressivo, crônico e irreversível que resulta da toxicidade renal cumulativa em pacientes com tratamento de longo prazo. O quadro deve ser acompanhado rigorosamente, podendo-se, eventualmente reduzir a dose, mas sugere-se suspender este medicamento26.

Se houver uma elevação da creatinina sérica acima de 25% a 30% do basal em duas leituras separadas, realizadas com 2 semanas de intervalo, a dose da ciclosporina deve ser reduzida em 25% e a creatinina deve ser verificada novamente em 1 a 2 semanas. Além do controle da creatinina sérica, deve-se acompanhar os valores séricos de potássio, bilirrubina, ácido úrico, magnésio e enzimas hepáticas. O controle pressórico também deve ser monitorado26,27.

A hipertensão induzida pela ciclosporina se desenvolve durante os estágios iniciais, nas primeiras semanas de tratamento. Isso ocorre devido à vasoconstricção renal e retenção de sódio, que é dose-dependente e responde bem à redução da dose de ciclosporina26.

Opções terapêuticas alternativas para tratamento da UCE

Montelucaste

Os cisleucotrienos são mediadores pró-inflamatórios potentes cujos efeitos podem ser bloqueados pelos antagonistas dos receptores de leucotrienos, como o montelucaste, zafirlucaste e pranlucaste. Vários estudos avaliaram o efeito destes medicamentos no tratamento da UCE, porém, esta eficácia é controversa na literatura, resultando em uma não recomendação deste medicamento no algoritmo de tratamento da UCE pelas diretrizes nacionais e internacionais. Entretanto, alguns estudos mostraram uma boa eficácia para os pacientes com UCE exacerbada por anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). O montelucaste inibe o receptor de leucotrieno D4 (LTD4), e alguns estudos mostraram redução do UAS7 nos pacientes com UCE. O montelucaste não deve ser usado em monoterapia20,28.

Sarkar TK e cols.29, em um estudo duplo-cego randomizado, compararam o uso da levocetirizina 10 mg/dia isolada à levocetirizina 5 mg/dia associada ao montelucaste 10 mg/dia. Os autores concluíram que ambos os tratamentos melhoram escores de atividade da doença, entretanto, os efeitos colaterais dos anti-histamínicos, como a sonolência, foram mais frequentes nos pacientes que utilizaram levocetirizina 10 mg/dia.

Recentemente, Akenroye AT e cols. avaliaram retrospectivamente o uso do montelucaste associado ao anti-histamínico como segunda linha de tratamento para pacientes com UCE nos quais o angioedema era a manifestação predominante. Os autores observaram que houve uma melhora significante da gravidade e da frequência da doença em mais de 90% dos pacientes. Entretanto, este estudo apresenta limitações, servindo como incentivo a futuros estudos30.

Vários estudos na literatura descreveram a segurança do montelucaste, entretanto, outros mais recentes relataram reações adversas graves ao montelucaste que compreendem as reações alérgicas e dor torácica. Há uma associação entre o montelucaste e a granulomatose eosinofílica com poliangiite não bem esclarecida, entretanto, deve-se ficar atento às manifestações clínicas desta enfermidade rara. Adultos e crianças podem evoluir com alterações neuropsiquiátricas ao se iniciar o tratamento com o montelucaste. Os eventos adversos descritos na literatura, em crianças e adultos, incluem angioedema, depressão, agressividade, cefaleia, pesadelos e ideação suicida31.

Conforme diretrizes mundiais, o nível de evidência que sustenta a utilização do antagonista de receptor de leucotrieno é baixo. Devido ao seu custo e a uma boa tolerância, este medicamento foi recomendado como tratamento complementar em caso de indisponibilidade do omalizumabe, porém, as diretrizes mundiais de manejo e tratamento da urticária crônica não incluíram o montelucaste no algoritmo de tratamento da UC, sendo uma opção terapêutica conforme a experiência do especialista. Entretanto, no momento, seu uso não está aprovado para o tratamento de UCE6.

Hidroxicloroquina

A hidroxicloroquina é um medicamento antimalárico frequentemente usado para reduzir a inflamação nas condições autoimunes e inflamatórias. Em adultos, a hidroxicloroquina pode ser usada como agente alternativo para tratar UCE refratária aos anti-histamínicos. Estudos observaram que a hidroxicloroquina foi eficaz, a curto prazo, como opção terapêutica adjuvante alternativa no tratamento de UCE refratária aos anti-histamínicos em adultos, contribuindo para a remissão da doença32,33. Entretanto, o mecanismo de ação da hidroxicloroquina no tratamento da UCE é desconhecido, e as descrições de êxito do seu uso no tratamento são limitadas. Alguns estudos relatam como possíveis mecanismos na UCE, a supressão da ativação dos linfócitos T e a interferência na apresentação antigênica e na alcalinização de vacúolos intracelulares33,34.

A hidroxicloroquina é considerada um medicamento bem tolerado, administrado por via oral, de baixo custo e com efeitos colaterais graves infrequentes. A dose utilizada de hidroxicloroquina na UCE é de 200 mg duas vezes ao dia32,33,35.

As desvantagens da hidroxicloroquina incluem a necessidade de 2 a 3 meses para se atingir o efeito desejado do medicamento, além da necessidade de monitoração oftalmológica previamente e no seguimento do paciente devido ao potencial de retinopatia pelo medicamento. A medicação eleva o risco de retinopatia, condição que pode ser irreversível, após os primeiros 5 anos de uso, logo se preconiza a avaliação oftalmológica no primeiro ano e anualmente após os 5 primeiros anos. Outros efeitos colaterais, que de modo geral são reversíveis, incluem sintomas gastrointestinais, cefaleia e prurido cutâneo34,35,36.

Dapsona

A dapsona é um antibiótico sulfonamida que inibe a quimiotaxia de neutrófilos e a produção de espécies reativas de oxigênio; isso explicaria sua eficácia em doenças neutrofílicas, como pioderma gangrenoso e urticária vasculite. A dapsona também inibe a 5-lipo-oxigenase nas células polimorfonucleares humanas e em mastócitos de camundongos, levando à redução da produção de leucotrienos37.

O mecanismo de ação na UCE não foi totalmente esclarecido, entretanto, os efeitos anti-inflamatórios da dapsona abrangem uma variedade de possíveis propriedades relevantes na urticária. Estas incluem interferência com a liberação ou função de enzimas lisossomais e com a geração de mieloperoxidase, mas, também interferência com a adesividade de neutrófilos mediada por integrina e inibição da atividade de prostaglandinas e leucotrienos36,38,39.

As doses variam de 50 a 100 mg diários, e para os respondedores, a eficácia foi aparente após uma semana. O principal evento adverso com a dapsona é a anemia, em média 80% dos pacientes em uso de 100-150 mg/dia apresentam uma queda de pelo menos 1 g/dL na concentração de hemoglobina, outro efeito colateral comum é a metemoglobinemia, sendo que a maioria dos pacientes apresenta-se assintomático e este efeito se resolve com a suspensão do medicamento. Outros efeitos colaterais menos comuns incluem anemia hemolítica devido à deficiência de G6PD, agranulocitose, neuropatia periférica, cefaleia, nefrite e hipotireoidismo. Todos os pacientes devem realizar previamente avaliação de hemograma completo, de função renal e de G6PD; além disso, os pacientes deveriam ser monitorados mensalmente através de avaliação de hemograma e função renal nos primeiros 6 meses e depois periodicamente35,39. No entanto, este medicamento continua não comprovado como tratamento eficaz para a urticária crônica e necessita de mais estudos clínicos que favoreçam o uso dessa terapia em UCE27,38.

Sulfassalazina

Os mecanismos de ação não são bem conhecidos, mas estudos mostraram que a sulfassalazina reduziria a síntese de anticorpos e influenciaria a produção de linfócitos T e citocinas. Alguns estudos mostraram que a sulfassalazina atua na liberação de histamina de mastócitos mediada por IgE, mas esses resultados não foram confirmados por outros pesquisadores. A sulfassalazina também aumenta a produção de prostaglandina E2, que pode ter propriedades anti-inflamatórias, como a inibição da liberação de mediadores inflamatórios dos mastócitos. A sulfassalazina também inibe a síntese de leucotrienos. Em um estudo com pacientes com UCE corticodependente, a introdução da sulfassalazina reduziu ou descontinuou o uso de corticoide37.

Estudos sugerem que se inicie a dose de sulfassalazina com 500 mg/dia e que se aumente 500 mg semanalmente até a dose de 2 g/dia. Para os respondedores à sulfassalazina, seu efeitos já podem ser observados com 1 mês do início do tratamento. As doses acima de 2 g/dia não adicionam benefício e estão associadas a efeitos colaterais mais graves. Os efeitos colaterais mais comuns são sintomas gastrointestinais e cefaleia. Outros efeitos colaterais são as alterações hematológicas, especificamente leucopenia. Estas alterações são mais frequentes com doses mais elevadas de sulfassalazina34,36,40.

 

 

Outras opções

O conhecimento atual sobre a complexidade da fisiopatologia da UCE onde outros mediadores e células, além dos mastócitos, basófilos e histamina, participam, nos fornece outros alvos potenciais para o tratamento da UCE. Os medicamentos preconizados para o tratamento de doenças autoimunes e inflamatórias demonstraram eficácia no tratamento da UCE e, portanto, são potenciais alternativas terapêuticas para pacientes que não respondam aos anti-histamínicos. Na ausência de acesso ou de eficácia do omalizumabe, ou ainda no aguardo de outras opções de medicamentos biológicos para tratamento da UCE, outros medicamentos anti-inflamatórios ou imunossupressores poderiam ser utilizados de forma individualizada, além dos descritos acima37.

Azatioprina, metotrexato, interferon, plasmaférese, fototerapia, imunoglobulina intravenosa e outras opções de tratamento têm pouca evidência, ou apenas foram relatadas. Apesar da falta de evidência em publicações, todos esses medicamentos podem ser úteis para pacientes em contexto clínico individualizado1.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devido ao papel central dos mastócitos, basófilos e da histamina na fisiopatologia da UCE, os anti-histamínicos continuam sendo o tratamento de primeira linha. No entanto, o conhecimento atual sobre essa doença complexa também reconhece um papel importante dos linfócitos T, linfócitos B, eosinófilos e autoanticorpos. As implicações desses outros mediadores fornecem, portanto, outros alvos para o tratamento da UCE. Os medicamentos preconizados para o tratamento de doenças autoimunes e inflamatórias demonstraram eficácia no tratamento da UCE e, portanto, são potenciais alternativas terapêuticas para pacientes que não respondam aos anti-histamínicos. Na ausência de acesso ou de eficácia às outras linhas de tratamento para UCE recomendadas pelas diretrizes mundiais, outros medicamentos anti-inflamatórios ou imunossupressores poderiam ser utilizados de forma individualizada.

Porém, antes de indicar qualquer uma das alternativas, devemos sempre levar em consideração as comorbidades de cada paciente; as contraindicações, tempo de ação, efeitos colaterais dos medicamentos, assim como a experiência do médico, custo e disponibilidade da medicação e preferência do paciente. Além disso, são necessários novos estudos para padronizar a indicação precisa de cada medicação.

 


Figura 2
Prováveis alvos terapêuticos na UCE e mecanismos de ação de diversos medicamentos descritos na literatura
Modificado de de Montojoye L37.

 

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