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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2021 - Volume 5  - Número 2


Comunicação Clínica e Experimental

Dermatite fotoalérgica ao pigmento azul de tatuagens: relato de um caso e breve revisão da literatura

Photoallergic dermatitis due to the blue pigment in tattoos: a case report and brief literature review

Fábio Augusto Peroni Garcia; Aline Centenaro Cintra; Flávia Garcia MIchalichen; Flávia Regina Ferreira


DOI: 10.5935/2526-5393.20210032

Universidade de Taubaté, Serviço de Dermatologia - Taubaté, SP, Brasil


Endereço para correspondência:

Fábio Augusto Peroni Garcia
E-mail: fabiopgarcia@hotmail.com


Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Submetido em: 08/07/2020
Aceito em: 10/02/2021

RESUMO

A prática de tatuagens é muito antiga e atualmente tornou-se extremamente popular, porém traz consigo riscos que não podem ser ignorados. As tintas utilizadas nas tatuagens são um fator importante para o aparecimento de reações adversas. A reação de hipersensibilidade aos pigmentos das tintas é uma das mais comuns. Entre elas, encontram-se reações alérgicas tipo dermatites de contato ou reações de fotossensibilidade, sendo esta última o motivo deste relato. O tratamento indicado é o uso de corticoides e a fotoproteção. Neste artigo, discorreremos especificamente sobre a reação de fotossensibilidade ao pigmento azul, com o relato de um caso e breve revisão da literatura.

Descritores: Tatuagem, pigmentação, cobalto, dermatite fotoalérgica.




INTRODUÇÃO

Os primeiros registros de tatuagem datam de muitos anos antes de Cristo, tendo sido detectados em uma múmia de 5.300 anos, em 1991, e possivelmente relacionados a rituais religiosos e terapêuticos1,2. Atualmente a prática das tatuagens encontra-se mundialmente difundida. De acordo com cada período ou lugar, as tatuagens apresentaram diferentes significados. No antigo Egito remetiam à fertilidade e à nobreza; já entre romanos e gregos, podiam ter conotação positiva (identificando grupos religiosos) ou negativa (identificando escravos e criminosos)1.

As tatuagens chegaram ao ocidente, inicialmente à Europa, por meio do capitão John Cook, que, após uma expedição ao Taiti e às ilhas do Pacífico Sul, em 1769, teve contato com esta prática. Nestas regiões era chamada de "tatatau" ou "tattau", uma onomatopeia referente ao som dos instrumentos na pele, a qual originou o termo inglês "tattoo", ainda usado atualmente1.

Desde então, as tatuagens vêm sendo utilizadas por grupos diversos de indivíduos - desde presidiários até ícones da música - com os mais diferentes significados, e pelos mais diversos motivos. Atualmente, as pessoas se tatuam visando expressar sua individualidade, promover alguma melhoria estética, ou apenas por modismo, sem necessariamente vincular a estas algum significado1.

Apesar de tratar-se de uma prática antiga e atualmente extremamente popular, cabe ressaltar que as tatuagens trazem consigo riscos que não podem, nem devem ser ignorados. Entre eles, incluem-se: reações inflamatórias/alérgicas, infecções, neoplasias, e também problemas associados a procedimentos médicos, ou a sua remoção1. As tintas utilizadas para as tatuagens são importante fator determinante de reações adversas devido a seus componentes, e podem causar principalmente importantes reações inflamatórias/alérgicas1.

Neste artigo, abordamos especificamente a reação de fotossensibilidade ao pigmento azul, ilustrando-a com o relato de um caso.

 

CASO CLÍNICO

Paciente do sexo masculino, 27 anos, branco referindo prurido intenso após exposição solar prolongada sobre tatuagem no braço direito. Ao exame dermatológico observavam-se no braço direito (área da tatuagem): pápulas eritematosas isoladas e confluentes formando placas, discretamente liquenificadas localizadas predominantemente sobre área do pigmento azul da tatuagem (Figuras 1 e 2). Paciente referia realização desta tatuagem há um ano, medindo cerca de 21 x 12 cm e com predomínio dos pigmentos preto, azul, vermelho e amarelo. Negava qualquer sintomatologia prévia. Comorbidades ausentes. O tratamento proposto foi o uso de corticoterapia tópica de alta potência, anti-histamínicos e fotoproteção. Após 10 dias de tratamento houve remissão completa do quadro (Figura 3).

 


Figura 1
Pápulas ora isoladas, ora confluentes formando placas, com predomínio sobre área do pigmento azul da tatuagem

 

 


Figura 2
Maior detalhe

 

 


Figura 3
Pré e pós-tratamento (10 dias)

 

DISCUSSÃO

As tatuagens são muito comuns na atualidade e apresentam riscos à saúde, incluindo: reações inflamatórias/alérgicas, infecções, neoplasias, além de problemas associados a procedimentos médicos ou a sua remoção. Destes, apenas as infecções podem ocorrer sem qualquer tipo de relação com as tintas utilizadas. No entanto, estas (tintas) também podem estar contaminadas e determinar quadros infecciosos1.

As reações mais comuns às tatuagens são: prurido, pápulas, edema intermitente e cicatrizes no sítio da tatuagem3.

As tintas utilizadas nas tatuagens possuem diferentes composições, cuja estrutura química e toxicidade ainda são pouco conhecidas1. Geralmente são compostas por solventes, aditivos e pigmentos (inorgânicos, orgânicos ou nanopartículas)4. Os pigmentos podem ser classificados em três grupos, baseados em sua origem: pigmentos vegetais, pigmentos inorgânicos (produzidos a partir de minerais) e pigmentos orgânicos (produzidos sinteticamente)5. Muitos pigmentos inorgânicos como metais estão relacionados à toxicidade, sendo frequentes: o mercúrio nas tintas vermelhas, o cádmio nas tintas amarelas e vermelhas, o carvão nas tintas negras, o cromo nas verdes e o cobalto nas azuis1. As tintas que mais causam reações são as de coloração vermelha6.

Apesar das tintas das tatuagens modernas se-rem compostas em sua maior parte por pigmentos orgânicos, os metais pesados ainda são relevantes e encontram-se presentes na forma de aditivos, cromóforos ou contaminantes. Elucidar o papel dos sais metálicos nas reações alérgicas não é fácil. Isto se deve ao fato dos testes alérgicos não reproduzirem corretamente a fisiopatologia da tatuagem e também ao fato das tintas conterem em sua composição aditivos e sais metálicos que podem causar reações alérgicas7.

Uma das reações mais observadas é a reação de hipersensibilidade aos pigmentos das tintas, que pode ser precoce ou tardia e ocorrer de forma localizada ou generalizada. Dentro das reações de hipersensibilidade, encontram-se as dermatites de contato e as reações de fotossensibilidade2.

As reações de fotossensibilidade são aquelas em que o pigmento contido em determinada tinta reage com a radiação solar levando a uma inflamação, com presença de edema, ardor e, principalmente, prurido, sendo restritos ao local da tinta específica. São descritas principalmente nas tatuagens vermelhas, pretas e azuis8.

O mecanismo envolvido é a hipersensibilidade mediada por células (tardia ou do tipo IV), sendo a radiação solar necessária para converter o pigmento da tatuagem num composto imunopatologicamente ativo (fotoproduto) que vai induzir a resposta imunológica, gerando sintomatologia8,9. Os sintomas podem se manifestar num intervalo de minutos até semanas após a exposição solar, e permanecer por semanas a meses3.

O tratamento de eleição nestes casos, geralmente, é o uso de corticoides; primeiramente de forma tópica, e caso não se obtenha resultado satisfatório, utilizam-se então de forma sistêmica (oral). A fotoproteção deve ser permanente, reduzindo a chance de fotossensibilidade3.

Concluindo, apesar da popularidade atual desta prática antiga, ressaltamos que as tintas de tatuagem podem causar reações dermatológicas, incluindo a dermatite fotoalérgica, motivo deste relato. A maioria dos indivíduos não tem conhecimento dessas possíveis reações, devendo informar-se sobre a segurança destes produtos e procedimentos com seu médico alergologista e/ou dermatologista;

 

REFERÊNCIAS

1. Moretti T. Riscos toxicológicos da tatuagens. Rev Inter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade. 2012;5(2):6-18.

2. Pires LMBAR. Riscos associados às tatuagens decorativas [dissertação]. Porto: ICABS, Universidade do Porto; 2014. https:// repositorioaberto.up.pt/handle/10216/76529

3. Herane MI. Reacción de hipersensibilidad a tatuajes. Rev Chilena Dermatol. 2014;30(1):77-84.

4. Arl M. Tintas de tatuagem: identificação dos componentes e respostas toxicológicas [dissertação]. Florianópolis: Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental; 2018. https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/191494/PGEA0595-D.pdf?sequence=-1∓isAllowed=y

5. Ramos BAO. Desenvolvimento de métodos eletroquímicos para análise de agentes tóxicos em tintas de tatuagem [dissertação]. Évora: Universidade de Évora; 2018. http://rdpc.uevora.pt/bitstream/10174/23846/1/Mestrado-Bioqu%C3%ADmica- Bruna_Alexandra_Oliveira_Ramos-Desenvolvimento_de_m%C3%A9todos_eletroqu%C3%ADmicos....pdf

6. Ono MCC, Balbinot P, Morais RLSL, Freitas RS. Reações ao pigmento vermelho. Surg Cosmet Dermatol. 2014;6(1):82-5.

7. Serup J, Kluger N, Bäumler W. Tattooed Skin and Health. Curr Probl Dermatol. 2015;48:48-60. doi: 10.1159/000369645.

8. Carlsen KH, Serup J. Photosensitivity and photodynamic events in black, red and blue tattoos are common: A 'Beach Study'. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2014;28(2):231-7.

9. Soares MA, Santos D. Reações adversas cutâneas: fotoalergia. In: Soares MA, Santos D. Guia de Reacções Adversas a Medicamentos [Internet]; 2011. Disponível em: http://ufn.med.up.pt/wp-content/uploads/2015/06/fotoalergia.pdf. Acessado em: 25/10/2020.

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