O papel dos alergistas brasileiros na eliminação da epidemia de febre amarela
Gustavo Silveira Graudenz
Universidade Santo Amaro, Saúde do Idoso, Disciplina de Reumatologia e Imunologia - São Paulo, SP, Brasil
Endereço para correspondência:
Gustavo Silveira Graudenz
E-mail: ggraudenz@gmail.com
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.
Prezado Editor,
A Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo alerta a população para o período de maior risco de transmissão da febre amarela, o verão. Além de ser uma época propícia para procriação do mosquito transmissor, é quando muita gente circula pelo país.
O estado de São Paulo vem, desde 2016, enfrentando um surto de Febre Amarela Silvestre, e a melhor forma de prevenção da doença é a vacinação. A maioria dos casos confirmados ocorreram em pessoas não vacinadas que se expuseram a áreas e ou atividades de risco (ambientes silvestres ou de mata)1. A série histórica dos óbitos por febre amarela no Estado de São Paulo mostra uma progressão assustadora. Em 2016 foram 3 casos e 3 óbitos, em 2017 foram 75 casos e 38 óbitos, em 2018 foram 503 casos, com 178 óbitos2. Se continuarmos nessa proporção, em 2020 teremos 32.000 casos com 2.400 mortes.
O perigo do surgimento de surtos de febre amarela urbana e de surtos globais resultaram na articulação internacional encampada pela Organização Mundial de Saúde, denominada Estratégia para Eliminar a Epidemia de Febre Amarela (Iniciativa EYE). Esta estratégia prioriza ações focadas nos países mais vulneráveis, baseadas na prevenção e preparo para epidemias3.
Desde abril de 2017, o Brasil adota o esquema vacinal de apenas uma dose durante toda a vida, medida que está de acordo com as recomendações da iniciativa EYE da OMS. Toda pessoa que reside em áreas com recomendação da vacina contra febre amarela e as que viajarão para essas áreas devem se imunizar pelo menos 10 dias antes do deslocamento. Para informações atualizadas sobre as áreas com recomendação para vacinação, acessar a Nota Informativa do Ministério da Saúde Nª 118 - Recomendação para vacina4.
Existem algumas contraindicações para a aplicação da vacina. Como sua forma de imunização se dá por meio de inoculação do vírus vivo atenuado, cuidados adicionais devem ser observados. Conforme o guia da febre amarela 2018 do Ministério da Saúde1, são elas:
1. crianças menores de 6 meses de idade e gestantes: a administração deve ser analisada caso a caso, na vigência de surtos;
2. pessoas com história de eventos adversos graves em doses anteriores;
3. pacientes com imunossupressão grave de qualquer natureza, incluindo lúpus, pacientes transplantados e com doenças do timo;
4. pessoas com história de anafilaxia comprovada em doses anteriores ou relacionada a substâncias presentes na vacina (ovo de galinha e seus derivados, gelatina bovina ou a outras).
Esta última orientação é a que dá mais margem para dúvidas e, consequentemente, pode deixar uma grande parcela da população descoberta. A falta de avaliação criteriosa e orientação aos indivíduos que se julgam alérgicos ao ovo, resultam na recusa de vacinar tanto por parte dos pacientes, quanto pelas equipes de vacinação. Conforme estudo nacional, a taxa de sintomas de alergia alimentar referida foi de 10,8% entre os pacientes questionados, porém o número de diagnósticos de alergia alimentar caiu para 1,0% após a avaliação médica, sendo que ovo não constava entre os dois principais alérgenos envolvidos5.
A contribuição dos alergistas brasileiros é fundamental neste momento, para que sejam esclarecidos os casos que não se imunizaram contra a febre amarela devido à suspeita de alergia ao ovo, ou qualquer outro componente da vacina. Aqueles que não preencherem critérios de alergia relevante devem ser encaminhados prontamente para vacinação, e aqueles que de fato preencherem critérios, devem ser avaliados e submetidos aos procedimentos de fracionamento ou dessensibilização à vacina, caso aplicável. Existem protocolos de dessensibilização, variando de 1 a 3 dias, disponíveis na literatura, e especialistas com experiência nesta prática em nosso país, com altas taxas de sucesso6,7.
Dessa forma, poderemos contribuir para bloquear o avanço desta grave doença em nosso país e no mundo, em concordância com as diretrizes internacionais de combate à epidemia de febre amarela.
REFERÊNCIAS
1. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Febre amarela: guia para profissionais de saúde. 2017.
2. SINAN/Divisão de Doenças Transmitidas por Vetores e Zoonoses/CVE/CCD/SES-SP. Dados atualizados em: 17/06/2019.
3. Organização Mundial de Saúde (OMS-WHO). A global strategy to eliminate yellow fever epidemics (EYE) 2017-2026. 2018. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/272408/9789241513661-eng.pdf.
4. Brasil, Ministério da Saúde. Nota Informativa Nª 118-SEI/2017-CGPNI/DEVIT/SVS/MS. Atualização das áreas de recomendação para vacinação contra febre amarela. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/novembro/30/SEI_MS-1521369-Nota-Informativa-118-recomendacao-vacina-fa.pdf.
5. Silva LA, Silva AF, Ribeiro AC, Silva AO, Vieira FA, Segundo GR. Adult Food Allergy Prevalence: Reducing Questionnaire Bias. Int Arch Allergy Immunol. 2016;171(3-4):261-4.
6. Rutkowski K, Ewan PW, Nasser SM. Administration of yellow fever vaccine in patients with egg allergy. Int Arch Allergy Immunol. 2013;161(3):274-8.
7. Gerhardt CMB, Feitosa GDSJ, Aquilante BP, de Barros Dorna M, dos Santos CDJN, Pastorino AC, et al. Segurança da vacina de febre amarela em pacientes comprovadamente alérgicos à proteína do ovo. Arq Asma Alerg Imunol. 2019;3(2):143-50.