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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
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Número Atual:  Abril-Junho 2019 - Volume 3  - Número 2


Artigo de Revisão

Dermatite de contato à metilisotiazolinona - estamos atentos a essa epidemia?

Contact dermatitis due to methylisothiazolinone - are we aware of this epidemic?

Paulo Eduardo Silva Belluco1; Pedro Giavina-Bianchi2


DOI: 10.5935/2526-5393.20190024

1. Departamento Médico da Câmara dos Deputados - Brasília, DF, Brasil
2. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Disciplina de Imunologia Clínica e Imunologia - São Paulo, SP, Brasil


Endereço para correspondência:

Paulo Eduardo Silva Belluco
E-mail: paulo.belluco@camara.leg.br


Submissão em: 03/06/2019
Aceite em: 07/06/2019

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

Metilclorotiazolinona e metilisotiazolinona (MCI/MI) são os ingredientes ativos no Kathon CG®, um conservante de cosméticos no mercado desde os anos 80. Eles aparecem numa mistura de conservantes na proporção de 3:1. Metilisotiazolinona (MI) isolada tinha sido aprovada como conservante desde 2005, uma vez que foi considerada menos sensibilizante comparado à porção clorada. Entretanto, ela tem sido usada numa concentração muito maior para ser efetiva, e isso tem causado a atual epidemia de alergia a essa substância. O objetivo dessa revisão foi examinar o atual surto de casos de alergia de contato a metilisotiazolinona (MI) no mundo, um fenômeno que tem sido observado em vários países, inclusive no Brasil. As fontes de dados incluíram os principais artigos originais e revisões indexadas nos bancos de dados PubMed, MEDLINE, LILACS e SciELO que foram publicadas nos últimos anos. Os resultados mostram elevado grau de positividade de testes de contato tanto à associação MCI/MI quanto à MI isolada, e significativo aumento da prevalência de alergia a esta substância nos últimos anos. Em conclusão, alertamos que devemos estar atentos a esse importante conservante. Salientamos que a associação MCI/MI nos testes pode não diagnosticar casos de alergia à MI. Apesar dessa substância isolada não se encontrar na bateria padrão brasileira, a pesquisa de sua sensibilidade é fundamental.

Descritores: Dermatite de contato, metilclorotiazolinona, metilisotiazolinona.




INTRODUÇÃO

Conservantes são aditivos químicos essenciais na manufatura de uma ampla variedade de produtos industriais e comerciais, uma vez que eles previnem o supercrescimento de microrganismos. Por isso, são também chamados de microbicidas. Alguns desses conservantes são sensibilizantes bem conhecidos e causam dermatite alérgica de contato1. Metilcloroisotiazolinona/metilisotiazolinona (MCI/MI), denominado como Kathon CG®, é um conservante numa combinação 3:1 que foi introduzido nos anos 80 para aplicações industriais. Casos de dermatite alérgica ocupacional já estavam sendo relatados em 1985. Metilisotiazolinona (MI) como um conservante isolado foi introduzida em produtos industriais nos anos 2000, e em produtos comerciais em 20052. Os primeiros casos de dermatite alérgica de contato causado por MI foram relatados em 2004, e o primeiro relato de alergia de contato a MI relacionado a produtos cosméticos foi publicado em 20103. Desde então, o uso continuado de MI como um conservante em cosméticos, produtos químicos industriais e domésticos tem resultado num aumento sem precedentes na prevalência de alergia de contato a MI na Europa, nos Estados Unidos e em diversas outras partes do mundo. Os dados referentes ao Brasil se referem apenas à associação MCI/MI. No entanto, também mostram uma tendência de elevação da sensibilização4.

Até muito recentemente, a alergia às isotiazolinonas, como um grupo, estava sendo diagnosticada por teste de contato na bateria padrão com o Kathon CG® (MCI/MI), numa combinação 3:1, em preparação aquosa a 0,01%. Isso ocorria tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo. Entretanto, evidências demonstram que o uso da combinação é insuficiente para diagnosticar alergia a MI isoladamente. Atualmente, considera-se essencial a presença da MI (em solução aquosa na concentração de 0,2%) na bateria padrão2.

O presente estudo objetiva levantar os dados que demonstram a importância dessa substância na etiologia da dermatite alérgica de contato, assim como alertar os especialistas sobre o correto diagnóstico dessa importante sensibilização.

 

EPIDEMIA MUNDIAL?

Dados publicados do Grupo Norte Americano de Dermatite de Contato (NACDG) evidenciam incremento marcante na prevalência de alergia às isotiazolinonas nos últimos 4 anos. Nesse trabalho realizado com 4.860 pacientes, houve reações positivas à MCI/MI em 6,3% dos pacientes e 10,7% à MI isolada no período de 2013-2014. Esse valor é significante estatisticamente se comparado à positividade de 5% à MCI/MI no período de 2011-2012 (p = 0,011)2.

A Clínica Mayo publicou um levantamento de sua própria bateria padrão no período de 2011-2015. Foram 2.582 pacientes testados. Grande enfoque foi dado às 15 substâncias com maior índice de positividade. A MI ficou em segundo lugar, ficando atrás apenas do sulfato de níquel. E a associação MCI/MI ficou na décima posição, mostrando também grande relevância5.

Em 2017, foi publicado estudo multicêntrico prospectivo conduzido em 11 centros de 8 países europeus. Nesse estudo foi incluída a MI, em solução aquosa à 0,2%. Nesse grande estudo, um total de 205 indivíduos tiveram testes positivos a essa substância entre 3.434 participantes (6,0%)3. Ressaltamos que dentre os pacientes positivos à MI, 31,3% tiveram teste negativo à associação MCI/MI.

Recente estudo realizado na Turquia mostrou uma alta prevalência de alergia de contato à MI e MCI/MI (8,9%). Estudos prévios no mesmo país mostravam um índice de sensibilidade de menos de 1%6. Na Croácia, alergia de contato à MI foi constatada em 13,2% de 798 pacientes testados. Da mesma forma que em outros estudos, alergia de contato à MI foi considerada ter relevância clínica atual em aproximadamente 90% dos indivíduos positivos7.

Estudo feito em Bangcoc mostra o aumento progressivo de sensibilidade à MCI/MI ao longo do período do estudo. Mostra ainda a grande diferença existente entre a sensibilidade a esse conservante em relação a outros (Figura 1). Os autores reforçam que entre aqueles que tiveram reação positiva à MI, 22,7% mostraram reação negativa a MCI/MI8.

 


Figura 1 Teste positivo a metilcloroisotiazolinona/metilisotiazolinona (MCI/MI) comparado com formaldeído, quaternium-15 e parabeno mix, de janeiro de 2010 a junho de 2014, em Bangcoc8

 

A Austrália parece ter experimentado a mais alta prevalência de alergia a MI relatado na literatura. Foi observado um pico de positividade de 20,3% dos testes em 2015. No entanto, a frequência de sensibilização tem diminuído a partir de então, mas permanece ainda alta em 2017 (11,4%). Especula-se que a razão para essa diminuição possa estar relacionada a progressiva retirada de MI de produtos, notadamente de lenços umedecidos9.

Dados nacionais, em estudo retrospectivo, mostraram 11,4% de sensibilização a MCI/MI durante o período de 2009-2012, contrastando com período prévio de 2006-2009 (3,35%)4. Importante ressaltar que no período do referido estudo, ainda não se dispunha no mercado nacional da MI isolada para teste de contato.

 

INTENSIDADE DA REAÇÃO, COEXPOSIÇÃO E REATIVIDADE CRUZADA

Alergia à MCI e alergia à MI são entidades distintas. MCI é uma substância sensibilizante mais potente e se usada em combinação, a MCI é provavelmente o sensibilizante primário mais frequente. Embora reatividade cruzada entre a maioria das isotiazolinonas tenha sido demonstrada experimentalmente, a melhor evidência sugere que grande parte da sobreposição na reatividade observada nos testes de contato resulta de coexposição, e não de reatividade cruzada propriamente dita. A despeito da MCI ser sensibilizante mais potente, MI apresenta reações mais intensas nos testes. Isso é demonstrado pela clássica curva de dose-resposta. A concentração de MI quando testada à 0,2% é 80 vezes maior do que a concentração de MI quando a combinação MCI/MI é testada a 0,01%. Especula-se que o atual aumento nas alergias às isotiazolinonas decorre provavelmente da ação do MI como sensibilizante primário2.

 

ASPECTOS CLÍNICOS

Dermatite alérgica de contato à MCI/MI e MI geralmente manifesta-se como eczema crônico ou subagudo decorrente do padrão de exposição diária a esses alérgenos. Há predominância feminina da alergia de contato à MCI/MI em alguns estudos, sugerindo que as mulheres com mais de 40 anos sejam predominantemente afetadas. Já em relação à alergia à MI, a variação de idade é ampla, sendo inclusive relatada em lactentes pelo uso de lenços umedecidos1. No estudo europeu, na alergia à MI isolada, as mulheres foram predominantes (69,8%) e a média de idade foi de 47 anos. Interessante notar que 23,4% tinham dermatite atópica prévia ou atual3. Em estudo brasileiro avaliando MCI/MI, as mulheres foram mais afetadas. Em relação à raça, reações positivas foram igualmente observadas em caucasianos, negros e mulatos4.

Embora reações possam aparecer em qualquer parte do corpo, o eczema é frequentemente observado na face por causa da exposição a produtos cosméticos. Dermatite de pálpebras pode usualmente ser relacionada a produtos específicos para uso local ou até mesmo à armação de óculos10. Mais raramente, uma resposta eczematosa aguda pode se assemelhar a angioedema. Esses alérgenos podem também causar urticária e dermatite de contato na face por aerossóis em indivíduos sensibilizados que permaneçam em ambientes recém-pintados11. O diagnóstico nessa situação é facilmente perdido, a menos que especificamente indagado durante a história clínica12. As mãos são também frequentemente afetadas, aonde a apresentação pode mimetizar dermatite por irritação crônica. Diversos relatos de casos têm implicado um brinquedo infantil em forma de gel, feito em casa, denominado "slime" (contém MI). Deve ser considerado como importante diagnóstico diferencial em eczema de mãos na infância. Normalmente, o quadro típico mostra hiperemia e descamação na ponta dos dedos13, porém formas mais graves de eczema podem ocorrer14,15.

Dermatite axilar é relatada por MI presente em desodorantes, na qual as pregas cutâneas dessa região facilitam a penetração e sensibilização, de modo similar ao que ocorre na região anogenital1. Eczema perianal causado pela exposição à MCI/MI e MI em lenços umedecidos é bem reportada16. Uma das primeiras recomendações feita por generalistas em casos de prurido anal é iniciar o uso de lenços umedecidos para melhorar a higiene. Embora possa resolver o problema original, isso introduz ingredientes que são alérgenos de contato em potencial, tais como a MI. Se uma dermatite de contato se desenvolve, o médico e o paciente, não sabendo que a fonte do prurido modificou-se, aumentam o uso de lenços e se desenvolve um ciclo vicioso17.

"Dermatite do sofá" é classicamente devida à substância dimetil fumarato, mas outras isotiazolinonas em produtos de couro podem causar eczema grave e recorrente após o contato com o couro do sofá18. Casos afetando mais de um local no corpo, além de reações graves e mais generalizadas, podem se dever ao efeito cumulativo do uso de vários produtos contendo MI1.

 

FONTES DE EXPOSIÇÃO

Em termos de produtos ao consumidor, essas substâncias são encontradas em cosméticos e produtos de higiene pessoal ("rinse-off" e "leave-on") tais como géis, sabões, shampoos, condicionadores, filtros solares, desodorantes, cremes hidratantes e demaquilantes1,19. Lenços íntimos e lenços umedecidos usados em lactentes são fontes conhecidas de MI17. Elas estão também presentes em produtos de limpeza, tais como detergentes, removedores de manchas, soluções de limpeza de janelas, removedores de gordura e odorizadores ambientais1.

Isotiazolinonas, especialmente MI e também a benzisotiazolinona (BIT), são largamente usadas como conservantes em tintas. Estudo multicêntrico, encontrou MI em 93% e BIT em 95,8% das tintas comercializadas na Europa. Compreensivelmente, o risco de sensibilização à tinta afeta não somente os pintores e trabalhadores de fábricas de tintas, mas também usuários domésticos20.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A bateria padrão brasileira é constituída por 30 substâncias. Ela foi desenvolvida e padronizada pelo Grupo Brasileiro de Dermatite de Contato, com resultados publicados em 2000. O mesmo grupo mais tarde desenvolveu outra bateria com outros antígenos denominada de cosméticos. Porém, nessas baterias apenas encontramos a associação MCI/MI, não existindo o conservante MI isoladamente21.

Em 2015, o Colégio Ibero Latino-Americano de Dermatologia propôs uma bateria mais ampla, contendo 40 substâncias, com a finalidade de aprimorar o diagnóstico da dermatite de contato e uniformizar uma bateria comum aos países da América Latina22. Essa bateria contempla os dois compostos, a associação MCI/MI e a MI em veículo aquoso, na concentração de 0,2%, conforme trabalhos internacionais. Porém, essa bateria ainda não está comercializada em nosso meio.

Assim, estudos mostrando a realidade dos nossos pacientes com os produtos comercializados no Brasil são essenciais. Alertamos que devemos estar atentos a esse importante conservante, e salientamos que a associação MCI/MI pode não diagnosticar casos de alergia à MI. Apesar dessa substância isolada não se encontrar na bateria padrão brasileira, a pesquisa da sensibilização por essa, é fundamental.

 

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