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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Janeiro-Março 2019 - Volume 3  - Número 1


ARTIGO ESPECIAL

Homenagem à Profª Drª Cristina Miuki Abe Jacob

Tribute to Prof. Cristina Miuki Abe Jacob, PhD

Antonio Carlos Pastorino


DOI: 10.5935/2526-5393.20190003

Unidade de Alergia e Imunologia – Departamento de Pediatria – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP – São Paulo, SP, Brasil




Falar sobre a Dra. Cris, nossa Professora e amiga, se reveste de grande emoção. Por um lado vou tentar resumir tudo o que a Dra. Cristina Jacob fez para a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), para a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), e pelos inúmeros ensinamentos para pediatras e especialistas. Por outro lado, trazer lembranças de fora do âmbito acadêmico, da pessoa admirável que foi e que nos influenciou na vida até seus últimos dias.

 


Profª Cristina Miuki Abe Jacob
(03.04.1955 – 12.03.2019)

 

Vinda de uma pequena cidade do interior de São Paulo, Tatuí, e de uma família de poucas posses, as oportunidades eram reduzidas e somente com grande esforço e inteligência uma menina mestiça de mãe portuguesa e pai japonês poderia se sobressair. Mesmo com todas as dificuldades da perda precoce da mãe e da família desestruturada, foi morar com seus tios, que não viam na educação um ponto importante. Sua inteligência sobressaiu e ganhou bolsa no cursinho na Faculdade Luiz de Queiroz, em Piracicaba, onde precisou trabalhar como babá de um dos filhos de seus professores para se manter. Passou na Medicina da USP/Pinheiros, uma faculdade em uma cidade e ambiente distantes de seus recursos. Veio para São Paulo após ter conseguido uma bolsa da Academia de Medicina, que seria paga ao final do curso, com seu empenho em fazer o mesmo para outro aluno da USP. Começa aqui a aventura de um grande ser humano e futura professora, que valorizou todos os seus ganhos, e que via na reciprocidade ao próximo um ponto importante de sua vida.

Na FMUSP escolheu a Pediatria por influência de um grande inspirador e mestre, Prof. Gabriel Oselka, que ensinava com tanta facilidade e desprendimento, que bastava um giz num quadro negro para partir de sinais e sintomas para uma grande árvore de diagnósticos. Seguiu como preceptora homenageada pelos alunos e, depois de poucos meses de uma craniotomia com retirada de um craniofaringioma, foi selecionada, tornando-se assistente e posteriormente chefe desse serviço – Grupo Geral da Pediatria, onde formou inúmeros pediatras, inclusive a mim. Desse Grupo Geral foram surgindo as especialidades pediátricas que nos levaram, quando da sua extinção no ano de 1992, à escolha de participar da Unidade de Alergia e Imunologia, então chefiada pela Profª Magda M. S. Carneiro-Sampaio, por considerarmos a especialidade mais abrangente. O título de especialista em Alergia e Imunologia pela ASBAI só foi possível dois anos após (1994), e tornou-se assistente da Unidade de Alergia e Imunologia e posteriormente Chefe até 2014, quando de sua repentina doença.

Foram 20 anos na Chefia da Unidade de Alergia e Imunologia. Um período que transformou a Unidade em um grande serviço de alergia e de imunologia, com centenas de alunos e de pós-graduandos, de diferentes estados brasileiros e com o sentido de multidisciplinaridade que aprendemos ainda no Grupo Geral da Pediatria. A Profª Cristina já era Doutora em Ciências quando da vinda ao serviço de Alergia (por estudos relacionados à toxocaríase), e foi num congresso em Roma, em 1998, que certamente inspirou a sua mente para a formação de um grupo de estudos e uma linha de pesquisa em alergia alimentar (AA) em 2000, época em que poucos ou nenhum centro brasileiro possuía. Foi pioneira em criar um ambulatório específico de AA, com protocolos bem definidos e participação de nutricionista. Desenvolveu o Teste de provocação DCPC, que originou um Mestrado em 2011, e vários trabalhos sobre percepção de familiares sobre a AA e da pesquisa de termos de alimentos em rotulagem. Baseou sua Livre-Docência em 2008 nos “Fatores de risco associados à persistência da alergia ao leite de vaca”, utilizando os dados prospectivos desse ambulatório. Ao todo foram dezenas de trabalhos em congressos, muitos premiados, foram concluídos 4 mestrados e 2 doutorados com assuntos relacionados à AA, além de sua Livre-Docência. Foi uma das poucas pesquisadoras brasileiras a ser convidada pela Academia Americana da Alergia, Asma e Imunologia para uma palestra sobre a AA na América Latina, em seu congresso de 2007.

 

 

Em 2003, deu início a um dos primeiros cursos de Pós-graduação relacionados à resposta imune aos alimentos, seus aspectos clínicos e imunológicos, e que formou um grande grupo de estudiosos em vários centros brasileiros, que se dedicam ao estudo dessa área da Alergia e Imunologia.

Ao longo desses 20 anos foi incansável na organização do ensino em Pediatria, e não deixou de participar das atividades de graduação e pós-graduação relacionadas à especialidade, onde assumiu diversos cargos de liderança, tanto no Departamento de Pediatria da FMUSP, já como Professora Associada, como na SBP e na própria ASBAI.

Falar da pessoa, da querida Cris, é reviver um convívio de mais de 35 anos desde meu 6º ano da FMUSP, e de nossas “batalhas” diárias, sucessos e desalentos na vida profissional e pessoal. Vivenciamos juntos nossos casamentos, filhos (seu filho Bruno sempre foi uma paixão em sua vida) e muitas, muitas festas e viagens sempre regadas a boas risadas e felizes encontros gastronômicos. Seria difícil comentar todos esses momentos, mas fora do ambiente acadêmico e institucional, a Cris era uma pessoa amorosa e sensível, alegre, muito vaidosa, resiliente, mas ao mesmo tempo gastava o que fosse preciso para trazer lembranças a cada uma das pessoas que a cercava. Foi incansável em me animar nos momentos de minha própria doença, e mesmo nos momentos de reflexão com aspectos familiares e institucionais, mantendo seu papel de liderança e influenciando a todos nós. No último congresso da Academia Europeia de 2014, em Copenhagen, onde estivemos juntos, ela estava muito feliz de poder ficar distante de seus problemas pessoais e institucionais. Sua aguda doença ocorreu em agosto de 2014, enquanto fazia o que mais apreciava: dar aula sobre o assunto que mais a empolgava: Alergia Alimentar.

Após sua saída de cena e nesses quase cinco anos de ausência, permanecia com o semblante sereno, chegava a cantarolar alguns trechos de música, como que nos ensinando que a vida é passageira, e que a importância de cada momento não deve deixar de ser vivido intensamente.

Toda a nossa admiração, respeito e carinho.

São Paulo, março de 2019.

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