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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2018 - Volume 2  - Número 2


Imagens em Alergia e Imunologia

Trombose de seio cavernoso e aneurisma micótico como complicações de rinossinusite aguda

Cavernous sinus thrombosis and mycotic aneurysm as complications of acute rhinosinusitis

Luana Pereira Maia1,2; Rita Garcia2; Lukas Ogorodnik2; Silvia Macedo2,3


1. Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia da FMUSP, Sao Paulo, SP
2. Universidade Federal de Pelotas, UFPEL, Pelotas, RS
3. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS


Endereço para correspondência:

Luana Pereira Maia
lulupmaia@yahoo.com.br


Submetido em: 07/03/2018
Aceito em: 08/03/2018

Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao deste artigo.




INTRODUÇAO

Define-se rinossinusite aguda (RSA) como a inflamaçao sintomática da cavidade nasal e dos seios paranasais que dure menos de quatro semanas1. Muito frequentemente deve-se à etiologia infecciosa, afetando um a cada sete indivíduos por ano nos Estados Unidos1, estando geralmente associada ao resfriado comum de etiologia viral. As RSA, de maneira geral, apresentam-se como um quadro autolimitado, no entanto, em aproximadamente 0,5 a 2,0% dos casos pode ocorrer infecçao bacteriana secundária como complicaçao1, a qual costuma se resolver sem tratamento em 60% dos casos1. Em raras situaçoes, essas infecçoes bacterianas podem apresentar complicaçoes graves, tais como meningites, celulites orbitárias e trombose do seio cavernoso.

O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um paciente jovem com evoluçao para meningite, trombose do seio cavernoso (TSC) e aneurisma micótico (AM) de artéria carótida como comorbidades de uma RSA complicada, bem como revisar a literatura sobre as principais complicaçoes da RSA.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, negro, 18 anos é admitido na Unidade de Terapia Intensiva, com história de meningite bacteriana por complicaçao de pansinusite. Paciente relata que, há três semanas da internaçao, iniciou quadro de cefaleia intensa, febre, vômitos, anorexia, rigidez cervical e confusao mental, associados à edema ocular súbito, proptose e dificuldade de abduçao de olho direito, acompanhado de fotossensibilidade. Procurou serviço de emergência, onde realizou TC de crânio que nao mostrou anormalidades. Foi submetido à punçao lombar, a qual teve os seguintes resultados: proteína de 73 mg/dL, glicose de 38 mg/dL e 448 leucócitos/mm3, com 97% de polimorfonucleados. Foi iniciado piperacilina/tazobactam e ceftriaxona, o paciente sendo transferido para a UTI em 24 horas. Permaneceu na UTI por 16 dias, onde apresentou momentos de deterioraçao clínica atribuídos a infecçoes nosocomiais, sendo o esquema antibiótico alterado para polimixina B, o que acarretou disfunçao renal, sendo necessária diálise renal. Realizada tomografia computadorizada (TC) de tórax e seios da face, cujas imagens e resultados estao disponíveis nas Figuras 1 e 2.

 


Figura 1 TC de seios da face revelando pansinusite

 

 


Figura 2 TC de tórax revelando áreas de consolidaçao alveolar heterogênea, comprometendo principalmente o lobo superior esquerdo. Presença de inúmeros nódulos escavados dispersos nos pulmoes, indicativo de embolia séptica

 

Dezesseis dias após sua admissao na UTI do hospital, o paciente foi transferido para a enfermaria de pneumologia. Apresentava-se lúcido, orientado, consciente e com sinais vitais estáveis. Relatou ser tabagista (3 maços/ano) e usuário de maconha. Referiu ter perdido 6 kg em três semanas. Ao exame físico, apresentava ptose palpebral, edema, proptose ocular e dificuldade de abduçao do olho direito, além de dificuldade de movimentaçao ocular superior. A fundoscopia nao revelou alteraçoes e os reflexos pupilares estavam preservados. Nao apresentava sinais de irritaçao meníngea ou défice motor. A ausculta pulmonar, apresentava estertores crepitantes em base direita e roncos de transmissao e, à oroscopia, apresentava segundo molar escavado por sequela de cárie dentária. O restante do exame físico era normal. Os exames laboratoriais demonstravam anemia normocítica e normocrômica, leucocitose sem desvio à esquerda, disfunçao renal e marcadores inflamatórios alterados. Na internaçao, manteve-se com sinais vitais estáveis, com melhora progressiva do quadro neurológico e respiratório, e da funçao renal após a suspensao da Polimixina B.

Uma semana após a internaçao, no entanto, paciente apresentou três episódios de crises convulsivas tônico-clônicas generalizadas. Realizada nova TC de crânio sem contraste, a qual evidenciou lesao hipodensa acometendo a regiao parieto-occipital esquerda, de avaliaçao limitada ao estudo sem contraste, sugestivo de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi). Iniciada fenitoína e solicitada ressonância nuclear magnética (RNM) para complementaçao do estudo. Este exame evidenciou lesao tumefaciente na topografia do seio cavernoso direito junto ao sifao carotídeo, medindo 18 mm no maior diâmetro, de características inespecíficas e que provavelmente estaria relacionada a processo infeccioso (trombose do seio cavernoso). Também identificada área de edema vasogênico, poupando a extrema corticalidade do lobo parietal esquerdo. A avaliaçao neurológica indicou a solicitaçao de uma TC de crânio com contraste para exclusao de processo infeccioso na topografia do suposto AVCi e para confirmaçao do diagnóstico. Realizada ultrassonografia de carótidas, a qual revelou ausência de aterosclerose, porém com importante assimetria de fluxo entre as carótidas interna esquerda e direita, sendo que a direita apresentava fluxo vascular significativamente reduzido (30 cm/segundo na artéria carótida interna direita e 159 cm/segundo na artéria carótida interna esquerda).

Durante o período de internaçao, realizou-se rastreamento para doença reumatológica e vasculite, bem como para investigaçao de imunossupressao. O anticorpo anti-HIV foi negativo, a dosagem de imunoglobulinas normais e os painéis para doença do tecido conjuntivo, síndrome de anticorpo antifosfolípide e vasculites negativos. Solicitada avaliaçao oftalmológica, que orientou a realizar tratamento com oclusao do olho contralateral e exercícios ortópticos na tentativa de recuperar a funçao do músculo reto-lateral. Nova RNM de crânio sugerida pela avaliaçao otorrinolaringoscópica demonstrou dilataçao da artéria carótida ao nível do seio cavernoso à direita (aneurisma) e uma hipoplasia do seio transverso e/ou recanalizaçao do seio transverso ipsilateral (Figura 3). O paciente recebeu alta hospitalar por indicaçao das especialidades envolvidas. Atualmente, paciente vem sendo observado por nossa equipe ambulatorial com plano de solicitar nova angiorressonância para controle do aneurisma, possivelmente micótico.

 


Figura 3 Imagem da angiorressonância de crânio, demonstrando dilataçao da artéria carótida ao nível do seio cavernoso à direita (aneurisma).

 

DISCUSSAO

A incidência de complicaçoes da RSA vem diminuindo nos últimos 50 anos, o que está vinculado principalmente ao advento da antibioticoterapia e ao surgimento da tomografia computadorizada (TC)1. No entanto, a alta morbimortalidade associada a essas complicaçoes justifica a necessidade de uma cautelosa avaliaçao das sinusopatias agudas e crônicas e, nos casos em que a evoluçao inicial nao se apresenta de maneira favorável, faz-se necessária uma pronta investigaçao2.

As complicaçoes da rinossinusite podem ser diferenciadas como orbitárias, intracranianas e ósseas2. As mais frequentes sao as infecçoes orbitárias, seguidas pelas complicaçoes intracranianas, tais como meningites, empiemas subdurais, abscessos intracerebrais e epidurais e, menos frequentemente, trombose do seio cavernoso. Outras complicaçoes incluem mucocele, osteomielite, celulite facial e abscesso subperiósteo3.

Como citado anteriormente, as complicaçoes orbitárias sao as mais frequentes, e os indivíduos mais acometidos sao crianças2 e homens4, principalmente nas primeira e segunda décadas de vida. Isso se deve a fatores anatômicos, como, por exemplo, a abundância de veias diploicas e a proximidade com os seios paranasais4. A complicaçao mais encontrada é a celulite pré-septal, que, além de ser um prenúncio de outras complicaçoes orbitárias mais graves, tem o potencial de causar complicaçoes intracranianas devastadoras se nao tratada rapidamente4.

A morbidade das complicaçoes intracranianas pode ser incapacitante em cerca de 25% dos casos, e pode culminar com a morte do indivíduo em até 10% das ocasioes5. O fator predisponente mais comum para complicaçoes intracranianas é a rinossinusite crônica, pois ela altera a fisiologia dos seios paranasais. Isso pode ser resultado de infecçao, abuso de drogas, exposiçao química e trauma. Os seios mais frequentemente associados a complicaçoes intracranianas em ordem decrescente sao o frontal, etmoidal, esfenoidal e maxilares5. A sintomatologia varia de acordo com o seio da face afetado, podendo ser tanto silenciosa, quanto apresentar alteraçoes neurológicas significativas. Ainda assim, o principal sinal de alerta para as complicaçoes intracranianas é a cefaleia aguda ou progressiva5.

Na literatura em geral, o empiema subdural é citado como a principal complicaçao intracraniana, seguido de abscesso cerebral e meningite. No entanto, Bayonne et.al.5 evidenciaram, em estudo realizado com 25 pacientes com complicaçoes intracranianas devido à rinossinusite, que a principal complicaçao foi a osteomielite do osso esfenoide. Segundo os autores, esse achado se deve ao fato de que métodos mais sofisticados de imagem, como a TC, nao eram utilizados antigamente, o que dificultava o diagnóstico de osteomielite. Embora o abscesso cerebral nao seja a complicaçao mais frequente das rinossinusites agudas, essas sao responsáveis por 50-75% dos casos de abscessos intracranianos, fazendo com que sua presença seja altamente sugestiva de um quadro primário de rinossinusite2.

Outras complicaçoes intracranianas também podem ocorrer, como a trombose do seio cavernoso; uma complicaçao rara e potencialmente fatal que tem como etiologia causas sépticas e assépticas6. As assépticas costumam ocorrer após cirurgias e traumas. Já as sépticas, caso do nosso paciente, sao causadas principalmente por rinossinusite. Menos comumente, infecçoes da orofaringe, otogênicas e dentárias também podem ser responsáveis pelo quadro séptico inicial6.

Antes do advento do antibiótico, praticamente 100% dos casos de trombose do seio cavernoso culminavam em morte7. Com o surgimento da antibioticoterapia de amplo espectro, essa taxa caiu para aproximadamente 30%7, mas a morbidade persiste em níveis elevados, cerca de 60 a 75%. Quanto ao quadro clínico, podem ocorrer sinais de toxemia, como por exemplo, taquicardia, hipotensao e febre. Além disso, a cefaleia está presente em 50 a 90% dos casos, e a rigidez de nuca pode ser observada em mais de um terço dos pacientes, indicando acometimento das meninges8. Os principais sintomas oculares sao quemose, edema periorbital e proptose, presentes em aproximadamente 90% dos casos. Há evidências de que a maior parte dos casos em que ocorre trombose do seio cavernoso unilateral evolui para um quadro bilateral em 24 a 48h6. O melhor método diagnóstico ainda nao está bem estabelecido, sendo que, para autores como Desa et al., a primeira escolha para o diagnóstico é a TC com contraste8.

O tratamento da doença deve ser através de intervençao cirúrgica do foco primário o mais breve possível e antibioticoterapia imediata de acordo com o local do foco primário de infecçao8. Após os resultados das culturas, deve-se modificar a terapia de acordo com o agente infeccioso isolado8. Nao há consenso quanto ao tempo necessário de administraçao da antibioticoterapia. O uso de anticoagulantes para trombose séptica do seio cavernoso ainda é bastante discutido, nao existindo um consenso sobre seu risco-benefício. Estudos parecem demonstrar reduçao da morbidade, porém, o efeito sobre a mortalidade ainda permanece controverso7,8. Nao se sabe ainda se o benefício da anticoagulaçao supera o risco de hemorragia sistêmica e intracraniana.

Aneurisma micótico é definido como uma falsa dilataçao vascular causada por microêmbolo bacteriano que gera necrose e enfraquecimento da parede vascular. Esse tipo de aneurisma representa apenas 2-5% de todos os aneurismas intracranianos, sendo, portanto, uma entidade considerada rara9. É mais comumente observada em pacientes imunocomprometidos com septicemia, e é uma complicaçao bastante conhecida da endocardite infecciosa. O abuso de drogas endovenosas também vem sendo relacionada à patologia9. Os aneurismas infecciosos podem se desenvolver por disseminaçao hematogênica de êmbolos sépticos ou, mais raramente, por contiguidade de uma infecçao extravascular, como nas sinusites10. No caso do nosso paciente, a artéria carótida interna foi acometida por contiguidade em decorrência do processo infeccioso dos seios paranasais e do seio cavernoso.

A evoluçao do AM é imprevisível. Aneurismas tratados apenas com antibioticoterapia podem evoluir para a resoluçao, aumento do aneurisma, formaçao de novos AM ou até mesmo ruptura10. O tratamento que parece ter os melhores resultados é a oclusao cirúrgica10. No entanto, nem sempre ela é viável, por conta do alto risco de complicaçoes associadas a intervençoes cirúrgicas, como, por exemplo, a ruptura do aneurisma. Tanto neurocirurgia, quanto procedimentos endovasculares podem ser apontados como tratamento9.

No caso do nosso paciente, optou-se, inicialmente, por conduta expectante por conta do difícil acesso a procedimentos neurocirúrgicos endovasculares, e pelos riscos do procedimento. Após a revisao ambulatorial, foi proposta a conduta neurocirúrgica.

 

REFERENCIAS

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