Resposta imune tipo 2
Type 2 immune response
Pedro Giavina-Bianchi
Editor dos Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia
A evoluçao do sistema imune permitiu a adaptaçao e o relacionamento harmonioso do homem com o meio ambiente. Através da imunidade, o organismo pode diferenciar o que é "próprio" do que é "alheio", viabilizando sua defesa contra outros seres e substâncias nocivas.
Em 1798, Edward Jenner desenvolveu a vacina contra a varíola, podendo-se considerar que, neste momento, a ciência Imunologia nascia como um ramo da Microbiologia, propondo-se a estudar e entender as respostas do corpo humano frente a substâncias externas. Pesquisadores têm demonstrado interesse crescente nesta área, que conjuntamente com a Genética, vem sendo palco de descobertas de extrema importância, algumas destas agraciadas com prêmios Nobel nas últimas décadas.
Com o avanço do conhecimento, observou-se que nem todas as respostas imunes sao benéficas para o organismo. Em 1902, Richet e Portier relataram a ocorrência de anafilaxia em caes imunizados com toxina de caravela do mar. Posteriormente, em 1964, Gell e Coombs classificaram os mecanismos de hipersensibilidade em quatro tipos. Esta classificaçao constitui ainda hoje alicerce didático para o ensino e estudo das alergias. O mecanismo de hipersensibilidade do tipo I constitui a fisiopatogenia da anafilaxia alérgica, assim como está envolvido na urticária, angioedema, rinossinusite, conjuntivite, asma, dermatite atópica, micose broncopulmonar alérgica, entre outras doenças e síndromes.
Estudos feitos por Prausnitz e Küstner, em 1921, demonstraram que a reaçao anafilática era ocasionada por uma substância do sistema imune presente no soro dos pacientes, que em 1967 foi identificada pelo casal Ishizaka como sendo a imunoglobulina do isotipo E (IgE). O casal foi agraciado com o prêmio Nobel pela descoberta. Antes de ter sido isolada, a IgE teve suas propriedades descritas em diversos trabalhos com experimentos animais, muitos deles realizados pelo professor brasileiro Ivan Mota, que também contribuiu para a compreensao das propriedades biológicas dos mastócitos e dos mecanismos da anafilaxia.
Na reaçao de hipersensibilidade tipo I, a ocorrência de duas fases da resposta alérgica é bem característica, com fase imediata em decorrência da desgranulaçao de mastócitos e basófilos, e fase tardia, devido ao recrutamento por quimiotaxia de outras células que migram para o sítio inflamatório. Nas doenças onde há reexposiçao perene aos alérgenos, a fase tardia tem grande importância na cronificaçao do processo inflamatório. Tradicionalmente e didaticamente, coloca-se o mastócito e o eosinófilo, respectivamente, como célula central das fases imediata e tardia da reaçao de hipersensibilidade imediata. De fato, para o mastócito ser estimulado por um alérgeno através dos anticorpos IgE, necessariamente há secreçao prévia desta imunoglobulina pelo plasmócito, o qual, por sua vez, teve contato e recebeu estímulo do linfócito T, que foi estimulado por alguma célula apresentadora de antígeno. Os mediadores liberados por estas células descritas acima exercem diversas funçoes, além de atrair para o sítio da inflamaçao outras células que secretarao outras substâncias. Portanto, conclui-se que a responsabilidade pelo início e pela perpetuaçao do processo alérgico nao recai sobre uma única célula.
Para o entendimento da gênese de uma resposta imune protetora ou outra alérgica, muitas vezes maléfica, foi fundamental a descriçao de duas subpopulaçoes de linfócitos T auxiliares em camundongos (Mosmann, Coffman, et al., 1985). Os autores distinguiram duas subpopulaçoes de linfócitos Th através da caracterizaçao do padrao de citocinas secretadas e do tipo de resposta imune da qual estes participavam. Os linfócitos Th1 se caracterizavam pela secreçao de interferom gama (IFN-γ), enquanto os Th2 pelo fator de estimulaçao de linfócitos B (BSF-1), hoje identificado como sendo a interleucina 4 (IL-4). Com a realizaçao de novas pesquisas, deixa-se de falar apenas em subtipos de linfócitos e passa-se a estudar uma "rede Tipo 1 / Tipo 2 (T1/T2) de regulaçao da resposta imune", da qual fazem parte diversas células que assumem determinado perfil de secreçao de citocinas. Enquanto a interleucina 12 (IL-12) e o IFN-γ sao citocinas características da resposta imune tipo 1, a linfopoietina do estroma tímico (TSLP) e as interleucinas 4, 5 e 13 (IL-4, IL-5, IL-13) representam a resposta tipo 2.
De uma maneira didática, porém simplista, afirma-se que enquanto a resposta T1 seria predominantemente celular e responsável pela defesa contra microrganismos intracelulares, a resposta T2 seria humoral, estaria envolvida nos processos alérgicos e na defesa contra verminoses. Após esta descriçao de duas subpopulaçoes de linfócitos Th em camundongos, os pesquisadores começaram a tentar responder duas perguntas fundamentais. Primeiro, se esta divisao existia, e qual seria sua importância no ser humano. Segundo, o que determinaria a polarizaçao de um clone de linfócitos para um dos dois padroes de secreçao de citocinas. Diversos trabalhos, tanto in vivo, como in vitro, comprovaram que embora nao observemos uma dicotomia absoluta dos linfócitos T em Th1 e Th2, existem no homem padroes diferentes de secreçao de citocinas e, portanto, de respostas imunes, as quais determinam resistência ou suscetibilidade a doenças e influenciam a evoluçao destas. Romagnani et al. (1991) foram pioneiros ao demonstrar que clones de linfócitos T humanos provenientes da conjuntiva de pacientes com conjuntivite vernal produziam altas quantidades de IL-4 e baixas quantidades de IFN-γ ao serem estimulados. Diversos fatores interagem e influenciam no desenvolvimento de uma resposta imune predominantemente T1 ou T2: genética; a quantidade, estrutura e porta de entrada do antígeno que induziu a resposta imune; as células (linfócito B ou macrófago, célula dendrítica plasmocitoide ou mielloide) e as moléculas coestimulatórias (B7.1, CD80 ou B7.2, CD86) envolvidas na apresentaçao; e a presença no microambiente inflamatório de hormônios, citocinas, prostaglandinas e outros mediadores.
Em suma, um sistema imune funcionante deve apresentar um balanço entre os polos de resposta imune T1/T2, o qual é geneticamente determinado, mas modificado pelo meio ambiente.