Prática clínica, diagnóstico molecular por componentes e polinose: o que aprendemos com nossos pacientes
Clinical practice, component-resolved molecular diagnosis, and pollinosis: what we learn from our patients
Francisco M. Vieira
MD. Caxias do Sul - RS
Endereço para correspondência:
E-mail: famvieira@hotmail.com
Nao foram declarados conflitos de interesse associados à publicaçao desta carta.
Prezada Editora,
O monitoramento aéreo contínuo, por dois ou mais anos consecutivos do meio ambiente externo, através de coletor volumétrico de polens e esporos de fungos, permite uma seleçao mais precisa de extratos alergênicos para o diagnóstico e tratamento de pacientes.
Em nosso meio, esse monitoramento acontece há mais de uma década, através de aparelho Burkard, localizado no terraço do Hospital Geral, no Campus da Universidade de Caxias do Sul (RS), com ampla circulaçao aérea. É estimado que os dados obtidos das concentraçoes de polens aéreos repitam-se em um raio aproximado entre 20-30 km distantes da estaçao de aerobiologia.
Entre os polens alergênicos, as gramíneas sao os principais e podem alcançar elevadas concentraçoes no mês de novembro (primavera), entre 512 e 949 graos/m3 de ar nessa área específica1.
Calcula-se que a maioria dos pacientes alérgicos a gramíneas apresentem sintomas com níveis diários entre 30-50 graos/m3 de ar. Uma segunda estaçao polínica de árvores com a família Cupressaceae (Ciprestes), verifica-se nos meses de inverno, com menor potencial de morbidade, considerando-se o meio ambiente local. A contagem de polens de gramíneas é avaliada em conjunto, pois a identificaçao das diferentes espécies torna-se praticamente impossível por sua semelhança, através de microscopia ótica.
Estudo multicêntrico através do diagnóstico molecular por componentes, denominado ImmunoCAP-ISAC (Immuno Solid-phase Allergen Chip), usando 103 alérgenos purificados e recombinantes, indica uma típica sensibilizaçao para a subfamília Pooideae em pacientes com polinose na área de Caxias do Sul2.
Foram incluídos, nesse estudo, 78 indivíduos (100% positivos para pólen de Lolium multiflorum e gramíneas mix, através de prick test), e houve a identificaçao de positividade para a subfamília Pooideae, em 77 (99%) utilizando o ISAC. Portanto, infere-se elevada sensibilidade. Os mais frequentes componentes reconhecidos foram o Phl p1 (95%) e Phl p5 (82%) e da subfamília Chloridoideae, o Cynodon dactylon (grama Bermuda) representado pelo seu maior alérgeno o Cyn d1 em 66 (85%). Atente-se que Phleum pratense (Phl p) possui extensa reatividade cruzada com o Lolium, pertencendo a mesma subfamília Pooideae, e expresso como antígenos moleculares recombinantes no painel diagnóstico, entretanto sem sua presença, como gramínea, no Brasil2-4.
Quando o Cyn d1 for maior que Phl p1 e, quando existir alergia para Phl p5, ter-se-á uma verdadeira dupla sensibilizaçao3. Isso foi encontrado, em parte, com os dados obtidos em pesquisa multicêntrica, realizada por Moreira et al.2. O fato gerou a oportunidade de se poder analisar separadamente uma parcela selecionada de pacientes, estando expressos na Tabela 1.
Os resultados apresentados permitem uma nova visao, sendo que somente 17 (22%) e nao 66 pacientes (85%) seriam candidatos verdadeiros à imunoterapia específica com Cynodon dactylon. Julga-se que nao seriam obtidos os mesmos, através de prick test, mesmo usando antígenos polínicos padronizados obtidos de plantas.
O grupo 5 de alérgenos está restrito à subfamília Pooideae, como o Lolium, existindo limitada reatividade cruzada para os componentes das subfamílias Chloridoideae e Panicoideae, nas quais o grupo 1 é o principal2,3.
A associaçao de positividade para Phl p 1 e Phl p 5 caracteriza uma verdadeira alergia polínica para a subfamília Pooideae3. Esse fato sugere que o diagnóstico e a imunoterapia específica também poderiam ser realizados com alérgenos recombinantes de Phleum pratense na populaçao estudada2.
Por outro lado, o Cynodon dactylon, largamente distribuido nos climas subtropical e tropical, deve ser avaliado separadamente. O mesmo ocorre com o Paspalum notatum (grama Bahia), da subfamília Panicoideae, entretanto ausente do painel de alérgenos do ISAC.
Poucos pacientes tinham anticorpos IgE para para profilinas: Phl p 12 (18%), Phl p 11 (18%) e nenhum para Phl p 7, com ausência de síndrome de alergia oral2,5. Esses alérgenos se encontram expressos em algumas frutas e vegetais, principalmente da família Rosaceae (maça, pera, pêssego), largamente produzidas e consumidas nessa área do Brasil.
Outro interessante aspecto a considerar sobre o perfil da reatividade de IgE nesse grupo foi que os pacientes mostraram poucas e concomitantes sensibilizaçoes para outras fontes importantes de alérgenos, tais como: ácaros do pó domiciliar, animais, fungos, árvores e alimentos, que diferem substancialmente daqueles indivíduos alérgicos por polens de gramíneas da Europa e América2,6.
Esse encontro torna-se também peculiar porque os pacientes, incluídos nesse estudo multicêntrico, nao tinham sido pré-selecionados para serem monossensibilizados para polens de gramíneas, mas foram consecutivamente recrutados em nossa clínica privada, principalmente no período da primavera, quando estavam sintomáticos.
Por exemplo, nao mais que dez deles reagiram com os alérgenos maiores de ácaros domiciliares tais como Der p 1 e Der p 2, respectivamente. O alérgeno principal de gato, Fel d 1 e aquele encontrado no cao Can f 1 foram reconhecidos por seis e dois pacientes respectivamente. Dois pacientes reagiram com o alérgeno maior de Alternaria, Alt a 1, e nenhum a aquele do amendoim, Ara h 22.
Considerando-se que se está no Brasil, à primeira vista seria difícil explicar a baixa frequência de sensibilizaçao para ácaros do pó domiciliar, tao prevalente em nosso meio.
Por outro lado, deve-se considerar o grande potencial de os polens de gramíneas produzirem sintomas agudos de rinoconjuntivite, difíceis de tolerar pelos pacientes, ao contrário daqueles que anteriormente poderiam ser produzidos pelos ácaros. Poucos (somente quatro) possuíam asma brônquica sazonal, que seria também motivo especial de atendimento médico. Considera-se que a sintomatologia aguda da conjuntivite é um fator adicional de morbidade encontrado em 60 indivíduos desse grupo.
Alergistas que possuem experiência tratando pacientes com polinose no Sul do Brasil poderao entender com maior facilidade a hipótese pelas poucas e concomitantes sensibilizaçoes encontradas em alérgenos perenes, principalmente os ácaros da poeira domiciliar. Pode-se evidenciar isso quando apresentam sintomas agudos na primavera, que antes nao possuíam, difíceis de controlar e procuram atendimento médico.
Conforme os resultados obtidos se poderia, preliminarmente, sugerir em nosso meio brasileiro, um pequeno "pacote" diagnóstico para alergia a polens de gramíneas formado basicamente por Phl p 1, Ph l p 5 e Cyn d 1, existentes no ImmunoCAP. Adiciona-se o fato de possuir elevada sensibilidade, menor custo, podendo, entre outros, empregar-se quando houver uma polissensibilizaçao com alérgenos perenes, associada a uma nao bem caracterizada rinoconjuntivite estacional.
Generalizando, pode-se considerar que, atualmente, o diagnóstico molecular por componentes a polens nao seja um fim, mas uma ferramenta extra no apoio à prática clínica.
REFERENCIAS
1. Vergamini SMN, Zoppas BCDA, Valencia-Barrera RM, Fernandéz González D. Dinâmica aeropalinológica de Gramineae na cidade de Caxias do Sul, RS. Rev bras alerg imunopatol. 2006;29:14-7.
2. Moreira PF, Gangl K, Vieira F de A, Ynoue LH, Linhart B, Flicker S, et al. Allergen microarray indicates Pooideae sensitization in Brazilian grass pollen allergic aatients. PloS One 2015;10(6):e0128402 doi:10.1371/journal.pone.0128402.
3. Popescu FD. Molecular biomarkers for grass pollen immunotherapy. World J Methodol. 2014;4:26-45.
4. Bernardes CT, Moreira PF, Sopelete MC, Vieira FA, Sung SS, Silva DA, et al. IgE cross-reactivity between Lolium multiflorum and commercial grass pollen allergen extracts in Brazilian patients with pollinosis. Braz J Med Biol Res. 2010;43:166-75.
5. Vieira FM. Polinose com síndrome de alergia oral: uma raridade no Brasil? Vamos visitá-la. Braz J Allergy Immunol. 2013;1(6):345-6.
6. Bousquet PJ, Castelli C, Daures JP, Heinrich J, Hooper R, Sunyer J, et al. Assessment of allergen sensitization in a general population-based survey. Ann Epidemiol. 2010;20:797-803.