Avanços em asma a serem abordados no Congresso da ASBAI: compartilhando o cuidado entre Alergistas e Pneumologistas
Advances in asthma to be discussed at the ASBAI Congress: sharing the care among Allergists and Pulmonologists
L. Karla Arruda
MD, PhD. Editora-Chefe do BJAI
Endereço para correspondência:
Luisa Karla Arruda
karla@fmrp.usp.br
Tradicionalmente, asma é vista como uma doença predominantemente de vias aéreas, sem envolvimento do parênquima pulmonar. Pacientes com asma em geral têm hiperresponsividade brônquica e reversibilidade da obstrução de vias aéreas, além de inflamação crônica caracterizada por infiltrado eosinofílico e ativação de células Th2. A maior parte desses pacientes responde a corticosteroide inalatório e imunobiológicos dirigidos contra a inflamação Th2 e eosinofilia. Entretanto, predominância de neutrófilos é vista em alguns asmáticos, que são menos responsivos ou mesmo não responsivos ao tratamento com corticosteroide inalatório. Esta característica tem sido observada em pacientes com asma que são tabagistas, e também na maioria daqueles com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
DPOC inclui bronquite crônica e enfisema. A bronquite crônica é tipicamente associada a acúmulo de muco em excesso e destruição limitada de parênquima, enquanto que o enfisema está associado a lesão significante do parênquima pulmonar, que leva a aprisionamento de ar e obstrução de vias aéreas.
Embora pareça simples distinguir de asma, DPOC e asma frequentemente têm sintomas sobrepostos. Recentemente foi definida a síndrome de sobreposição asma DPOC (ACOS, do inglês, Asthma COPD overlap syndrome), como uma condição caracterizada por obstrução ao fluxo aéreo, com características típicas das duas doenças. A importância do reconhecimento da ACOS é imensa, pois é descrito que pacientes com ACOS experimentam exacerbações mais frequentes, pior qualidade de vida, aumento do uso de serviços de saúde, declínio mais rápido da função pulmonar, e alta mortalidade. Por outro lado, esses pacientes tendem a ter inflamação eosinofílica e resposta a corticosteroides inalados.
O grande desafio hoje, portanto, é compreender melhor as características de cada um desses três grupos de doença das vias aéreas, que podem ser bastante heterogêneos: asma, DPOC e ACOS, caracterizando endótipos específicos, para provermos uma terapia apropriada e efetiva para cada paciente1,2. Em particular, estudos clínicos são necessários para definir a melhor terapia e manejo para pacientes com ACOS, uma vez que os estudos clínicos com pacientes asmáticos em sua grande maioria excluem indivíduos tabagistas ou mesmo ex-tabagistas, e de forma semelhante, estudos com pacientes com DPOC excluem aqueles que apresentam reversibilidade da obstrução brônquica.
Em artigo recentemente publicado na revista Thorax3, do qual participou autor brasileiro Prof. Dirceu Solé, Forno et al. destacaram os aspectos únicos da asma na América Latina. Alguns dos fatores de risco para asma identificados como importantes na América Latina incluíram: alta taxa de tabagismo e exposição a fumaça de cigarro; elevada exposição a poluentes gerados pelo tráfego em áreas urbanas, particularmente os derivados de veículos movidos a diesel; exposição crônica a parasitas intestinais; uso de biomassa como combustível, como por exemplo o uso frequente de fogão a lenha; exposição intradomiciliar a níveis elevados de alérgenos de ácaros da poeira domiciliar; stress psicossocial, incluindo exposição à violência, abuso físico e sexual, e depressão; fatores dietéticos e nutricionais, como deficiência ou insuficiência de Vitamina D; sobrepeso e obesidade, que afetam atualmente entre 16-36% das crianças latino-americanas; etnia e ancestralidade3. Esses fatores foram associados a asma em muitos países da América Latina3.
Resultados nos últimos 5 a 10 anos de estudos de coorte prospectivos desde o nascimento, realizados com crianças cuidadosamente fenotipadas, enfatizam o papel importante das infecções virais do trato respiratório durante os primeiros anos de vida em contribuir para o desenvolvimento de asma atópica de início precoce. Este efeito de infecções virais, particularmente as causadas por Virus Respiratório Sincicial e Rinovírus, é muito mais proeminente quando há sensibilização alérgica preexistente a aeroalérgenos perenes. A demonstração de que o pré-tratamento de crianças alérgicas com anti-IgE foi capaz de bloquear exacerbações sazonais de asma associadas a vírus provê evidência forte de que este conceito de interação entre vírus e alergia é relevante na prática clínica. Entretanto, dados recentes de estudos utilizando culturas tradicionais e análise metagenômica de bactérias para avaliar microbioma sugerem que uma interação paralela com bactérias durante os primeiros anos de vida pode ter um papel adicional em modular a patogênese da asma e contribuir de forma independente para o desenvolvimento da doença. De forma interessante, as novas tecnologias para acessar o microbioma levaram à demonstração de que a superfície das vias aéreas inferiores, mesmo em pessoas saudáveis, é virtualmente recoberta com genomas bacterianos, sugerindo a presença de uma microbiota residente em toda a via aérea, provavelmente derivada da microbiota presente na nasofaringe4.
Além disso, estudos sugerem que pode haver diferenças quantitativas e qualitativas na população bacteriana das vias aéreas inferiores entre asmáticos e não asmáticos. Um estudo de coorte prospectivo desde o nascimento, por Teo et al., analisou aspirados pós nasais de 234 crianças de alto risco para alergia e asma, colhidos durante todos os episódios de infecções respiratórias agudas (534 amostras) e durante períodos assintomáticos ou saudáveis (487 amostras) no primeiro ano de vida. Análise da composição do microbioma de nasofaringe durante períodos saudáveis revelou a presença predominante de Staphylococcus, Alloiococcus, e Corynebacterium. Este padrão mudou radicalmente durante infecções respiratórias agudas, durante as quais houve predominância de Haemophilus, Streptococcus, e/ou Moraxella, acompanhada de frequência reduzida do perfil de grupos microbianos associados ao estado saudável5.
No Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia da ASBAI 2015, em Vitória, a asma estará em foco, com preocupação especial com os aspectos únicos da doença em nosso meio. Preparamos um Programa que inclui abordagem dos mais variados aspectos da asma, incluindo fatores de risco como poluição, exposição a parasitas, alérgenos, infecções virais, obesidade e etnia; conceitos recentes de fisiopatologia da asma, DPOC e ACOS, com implicações terapêuticas; papel do microbioma; e análise crítica do manejo da asma em nosso país. Para isso, convidamos além de alergistas experts em asma, um grupo de pneumologistas de excelência, e palestrantes internacionais, para enriquecer e aprofundar nosso conhecimento desta doença que é tão prevalente no Brasil. Que o Congresso da ASBAI seja uma oportunidade para refletirmos sobre asma e aprimorarmos o diagnóstico e manejo desta doença tanto em nossa prática clínica diária como no âmbito da saúde pública em nosso país.
REFERÊNCIAS
1. Soler X, Ramsdell JW. Are Asthma and COPD a Continuum of the Same Disease? J Allergy Clin Immunol Pract. 2015;3(4):489-95.
2. Barnes PJ. Therapeutic approaches to asthma-chronic obstructive pulmonary disease overlap syndromes. J Allergy Clin Immunol. 2015;136(3):531-45.
3. Forno E, Gogna M, Cepeda A, Yañez A, Solé D, Cooper P, et al. Asthma in Latin America. Thorax. 2015;70(9):898-905.
4. Holt PG. The mechanism or mechanisms driving atopic asthma initiation: The infant respiratory microbiome moves to center stage. J Allergy Clin Immunol. 2015;136(1):15-22.
5. Teo S, Mok D, Pham K, Kusel MMH, Serralha M, Troy N, et al. The infant airway microbiome in health and disease impacts later asthma development. Cell Host Microbe. 2015;17:704-15.