Características demográficas e clínicas de pacientes com alergia ocular em ambulatório de hospital universitário em São Paulo
Demographic and clinical characteristics of patients with ocular allergy in an outpatient clinic of a university hospital in São Paulo, southeastern Brazil
Clóvis E. S. Galvão1; Ricardo Guimaraes Marim1; Giovanna Hernandes Battagello2; Rosana Camara Agondi1; Fábio Fernandes Morato Castro3; Jorge Kalil3; Cynthia Mafra Fonseca de Lima4,5
1. Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Serviço de Imunologia Clínica e Alergia - São Paulo, SP, Brasil
2. Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Instituto da Criança - São Paulo, SP, Brasil
3. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia - São Paulo, SP, Brasil
4. Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Medicina - Maceió, AL, Brasil
5. Centro Universitário de Alagoas - CESMAC, Curso de Medicina - Maceió, AL, Brasil
Endereço para correspondência:
Clóvis E. S. Galvão
E-mail: clovis.galvao@hc.fm.usp.br
Submetido em: 01/02/2025
Aceito em: 27/04/2025.
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
RESUMO
INTRODUÇÃO: A alergia ocular (AO) engloba um conjunto de doenças que podem ser classificadas em diferentes fenótipos. Apesar de sua prevalência, existem poucos dados sobre AO no Brasil. Este estudo teve como objetivo descrever as características demográficas e clínicas de pacientes diagnosticados com AO.
MÉTODOS: Foi realizada uma análise retrospectiva dos prontuários de pacientes com AO atendidos entre 2002 e 2022 em um ambulatório de hospital universitário. Foram investigadas variáveis como idade, sexo, manifestações clínicas, doenças atópicas associadas, início dos sintomas e tipo de tratamento. A análise estatística foi conduzida utilizando o software STATA, adotando um nível de significância de 5%.
RESULTADOS: O estudo incluiu 100 pacientes, sendo 57% do sexo masculino, com idades variando entre 5 e 66 anos. Oito em cada dez pacientes relataram início dos sintomas na infância. A conjuntivite alérgica perene foi a forma mais comum da doença, e os sintomas mais frequentes foram prurido e hiperemia. A rinite alérgica foi a comorbidade mais associada à AO. O tratamento mais frequentemente utilizado foi a combinação de colírios de olopatadina e lágrimas artificiais. Além disso, 61% dos pacientes foram submetidos à imunoterapia. Complicações oftalmológicas, como ceratocone e úlcera de córnea, foram observadas em 26% dos casos, e 7% dos pacientes necessitaram de intervenção cirúrgica. Não foi encontrada correlação entre as variáveis estudadas e as complicações oftalmológicas.
CONCLUSÕES: A AO foi mais prevalente no sexo masculino e teve início na infância, com a rinite alérgica sendo a comorbidade atópica mais comum. O tratamento mais utilizado foi a combinação de lágrimas artificiais e colírios de múltipla ação. Embora mais de um quarto dos pacientes tenha apresentado complicações oftalmológicas, não houve correlação significativa entre as variáveis e essas complicações.
Descritores: Conjuntivite alérgica, rinite alérgica, fenótipo, imunoterapia, demografia.
Introdução
A alergia ocular (AO) engloba um conjunto de doenças com sintomas comuns, como prurido ocular, hiperemia, edema, lacrimejamento, sensação de corpo estranho, fotofobia e formação de papilas na conjuntiva tarsal superior1. A prevalência de AO é difícil de estimar, pois os sintomas oculares frequentemente não são relatados espontaneamente nas consultas médicas, sendo muitas vezes negligenciados por médicos e pacientes2. Em uma análise de prontuários de 1.549 pacientes com asma, 44% apresentaram sintomas sugestivos de AO, mas apenas 16% receberam o diagnóstico de conjuntivite alérgica3. A maioria dos estudos sobre AO foca na rinoconjuntivite alérgica, que acomete de 30% a 70% dos pacientes com rinite alérgica4.
Em um estudo realizado no estado do Paraná, em 3.120 adolescentes, encontrou-se a prevalência de 51% de prurido ocular, sendo a manifestação mais frequente o lacrimejamento ocular, em 74% dos casos5. Nos Estados Unidos, estima-se que 1520% da população geral tenha AO2, e alguns autores relataram que a AO representa 25% das consultas com alergistas, 10% com oftalmologistas e 5% com pediatras naquele país6.
As alergias oculares podem ser classificadas em três tipos, com base no mecanismo imunológico envolvido: mediadas por IgE (conjuntivite alérgica sazonal e perene), mediadas por IgE e não-IgE (ceratoconjuntivite vernal e atópica) e não-IgE mediadas (conjuntivite papilar gigante, blefarodermatite e conjuntivite de contato). As principais características das formas clínicas (fenótipos) mais frequentes estão resumidas na Tabela 168.
O diagnóstico da AO é baseado na história do paciente, antecedentes pessoais e familiares, além de história de exposição a alérgeno capaz de provocar a sintomatologia, mas para confirmar a etiologia alérgica são usados os testes alérgicos cutâneos (prick test e patch test) estabelecendo a presença de sensibilização a determinado alérgeno, e em alguns casos, os testes de provocação conjuntival9-10.
A AO envolve uma resposta inflamatória causada por reações de hipersensibilidade tipo I e/ou IV após exposição ao alérgeno11. A gravidade da reação depende da intensidade da inflamação, da idade do paciente e de fatores genéticos e geográficos. Alterações oculares, como opacidades corneanas, ceratocone e catarata, podem impactar a acuidade visual, especialmente em pacientes com ceratoconjuntivite alérgica12.
Dada a falta de dados nacionais sobre AO e suas consequências oftalmológicas, este estudo visou apresentar uma descrição demográfica e clínica dos pacientes atendidos em um ambulatório especializado de Hospital Universitário. Foram analisadas variáveis como idade, sexo, idade de início dos sintomas, fenótipos, manifestações clínicas, doenças atópicas associadas, alterações oftalmológicas e tratamento realizado. Além disso, verificamos as associações entre algumas variáveis (idade do início dos sintomas, quantidade de sintomas apresentados e medicamentos utilizados) e as alterações oftalmológicas na amostra de pacientes com alergia ocular atendida no dentro do período estudado.
Metodologia
Desenho do estudo
Este foi um estudo descritivo, retrospectivo e de corte transversal, realizado com pacientes atendidos no ambulatório de AO de Serviço especializado em Alergia e Imunologia Clínica de um Hospital Universitário em São Paulo, entre janeiro de 2002 e dezembro de 2022. O estudo incluiu apenas pacientes com diagnóstico confirmado de AO. Os dados foram extraídos dos prontuários eletrônicos (PRONTMED), contendo informações sobre características demográficas (idade, sexo), histórico pessoal e familiar de atopia, idade de início dos sintomas oculares, diagnóstico clínico de alergia ocular, tratamentos realizados, evolução do quadro clínico e eventuais complicações oftalmológicas associadas.
Aspectos éticos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em 24 de novembro de 2023 (CAAE: 73221018.3.0000.0068). Todos os pacientes incluídos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para a utilização de seus dados clínicos de acordo com as normas de confidencialidade e ética da pesquisa. Este foi um fator limitante na inclusão, pois apesar de retrospectivo, o comitê de ética da instituição exigiu assinatura do TCLE e foram incluídos apenas os pacientes que ainda se encontravam em acompanhamento e aqueles que responderam à convocação para autorizar o uso das informações no seu prontuário.
Análise estatística
A análise dos dados foi realizada utilizando o software STATA versão 13.1 (StataCorp, Texas, EUA). As variáveis numéricas (como idade) foram descritas por média, desvio padrão e intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Para variáveis com distribuição assimétrica, foram apresentadas como mediana, com os valores mínimo e máximo. A associação entre variáveis categóricas foi avaliada pelo Teste Qui-quadrado ou o Teste Exato de Fisher, conforme adequado. Comparações entre grupos foram realizadas utilizando o Teste de Mann-Whitney (para duas amostras independentes) ou o Teste de Kruskal-Wallis (para mais de duas amostras independentes), dependendo do número de grupos e da natureza das variáveis consideradas: idade do início dos sintomas, uso de medicação, uso e tempo de imunoterapia alérgeno específica (ITAE) e presença de alterações oftálmicas.
Resultados
Durante o período de janeiro de 2002 a dezembro de 2022, 602 pacientes foram triados no ambulatório da Alergia, com hipótese diagnóstica inicial de alergia ocular. Desses, 472 tiveram o diagnóstico confirmado após avaliação clínica. Após contato com 148 pacientes, 100 indivíduos aceitaram participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Figura 1).
A maioria dos participantes (57%) era do sexo masculino, com idades variando de 5 a 66 anos (média de 26,4 anos). Desse grupo, 8% tinham 12 anos ou menos, 21% estavam na faixa etária de 13 a 18 anos, e 71% eram maiores de 19 anos. A maioria (80%) relatou que o início dos sintomas de AO ocorreu antes dos 12 anos (Tabela 2).
Em relação ao diagnóstico, 83% dos pacientes foram diagnosticados com conjuntivite alérgica perene, 12% com ceratoconjuntivite atópica, 4% com ceratoconjuntivite primaveril e 1% com conjuntivite papilar gigante. Não foram encontrados casos de conjuntivite alérgica sazonal nem dermatite de contato periocular ou blefarodermatite. O tempo médio de evolução da doença foi de 14,9 anos.
Os sintomas mais comuns foram prurido (presente em 90% dos casos), seguido por hiperemia (65%) e lacrimejamento (42%). Apenas dois pacientes relataram comprometimento da acuidade visual. Mais de um quarto dos pacientes (26%) apresentou alterações oftalmológicas, incluindo ceratocone (15%), úlcera de córnea (9%), papilas tarsais (5%), pontos de Tantra (3%) e pseudo halo senil (2%).
Além da alergia ocular, 93% dos pacientes apresentaram rinite alérgica, 55% tinham asma e 30% tinham dermatite atópica. Apenas um paciente relatou alergia alimentar. O número de doenças atópicas associadas foi maior entre as crianças (até 12 anos), com uma média de 3,5 doenças por paciente, enquanto adolescentes e adultos (13 anos ou mais) apresentaram uma média de duas doenças.
O tratamento mais comum foi o uso de anti-histamínico de ação dual por via tópica ocular (olopatadina) em 86% dos casos, seguido por colírios lubrificantes oculares (hidroximetilcelulose) em 61%. Outros tratamentos incluíram anti-histamínicos orais de segunda geração (loratadina) em 13%, estabilizadores de mastócitos (cromoglicato dissódico) em 6%, imunossupressores de uso tópico ocular (tacrolimus, ciclosporina) em 7% e corticoides tópicos oculares (dexametasona, acetato de fluormetolona) em 6%. A maioria dos pacientes (73%) estava em uso concomitante e regular de corticoide tópico nasal (budesonida 32 µg/jato) para tratamento de rinite alérgica associada.
A ITAE foi indicada para 61% dos pacientes, sendo que 39 deles (52%) realizaram o tratamento por mais de 3 anos. O tempo médio de tratamento com ITAE foi de 41,6 meses, com a idade média para início da imunoterapia sendo de 11,3 anos. A comparação entre os pacientes que receberam ITAE e os que não receberam mostrou que os primeiros apresentaram sintomas mais graves: prurido (p < 0,05), hiperemia (p = 0,004) e lacrimejamento (p < 0,05). A maioria dos pacientes que receberam ITAE era do sexo feminino e apresentava asma concomitante (Step 1).
Todos os pacientes foram encaminhados para avaliação oftalmológica, e 47% mantiveram acompanhamento com essa especialidade. Em 7% dos casos, foi indicado procedimento cirúrgico, incluindo transplante de córnea (3%), cirurgia de catarata (1%), cirurgia de ducto lacrimal (1%), cirurgia estética para hipertrofia de papilas (1%) e colocação de lentes (1%). As características clínicas e demográficas dos pacientes estão apresentadas na Tabela 3.
A idade de início dos sintomas oculares não se associou às alterações oftalmológicas (p = 0,23). A quantidade de sintomas e medicamentos utilizados também não apresentou associação significativa com alterações oftalmológicas (p > 0,05). O tempo de tratamento com ITAE não mostrou diferenças significativas em relação ao número de classes de medicamentos utilizados (p = 0,69), embora a quantidade de medicamentos utilizados tenha diminuído ao longo do tratamento. Os pacientes com tempo médio de diagnóstico de 17,3 anos apresentaram uso significativamente menor de medicamentos (p = 0,03).
Discussão
Estudos sugerem que a AO tem maior incidência em meninos na infância e em meninas após a puberdade13. No nosso estudo, observamos que, até os 12 anos e em maiores de 18 anos, a distribuição por sexo foi semelhante. Contudo, entre os adolescentes (13 a 18 anos), houve uma maior prevalência no sexo masculino. Esse perfil pode ser em parte explicado pela organização dos atendimentos, já que as crianças são atendidas preferencialmente no ambulatório pediátrico de alergia da instituição.
Embora a literatura descreva o início da AO em adultos jovens, com início médio aos 20 anos14,15, em nosso estudo, 80% dos participantes relataram o início dos sintomas na infância. Esse dado está alinhado com o perfil de nossos pacientes, que frequentemente apresentam comorbidades atópicas, e o início precoce dos sintomas é característico de indivíduos atópicos. Esta divergência também pode ser atribuída aos diferentes fenótipos prevalentes em cada casuística estudada.
No que se refere aos fenótipos de AO apresentados na nossa casuística, constatamos uma predominância de conjuntivite alérgica perene (83%), o que está de acordo com a literatura, que descreve a conjuntivite perene e/ou sazonal como a mais prevalente entre as formas clínicas de AO11,16. A ausência de casos de conjuntivite alérgica sazonal pode ser explicada pela característica da região metropolitana onde o estudo foi realizado, que não apresenta predominância dessa forma clínica. Os pacientes com conjuntivite alérgica perene apresentaram elevada associação com rinite, e este fenótipo pode ser denominado na prática como rinoconjuntivite alérgica.
Pacientes com AO costumam apresentar outras doenças atópicas associadas. Na nossa casuística observamos concomitância de rinite alérgica associada, seguida de asma e de dermatite atópica. Esses dados estão de acordo com o que é relatado na literatura17. Além disso, os participantes deste estudo apresentaram uma média de 3,5 doenças atópicas na infância, 2 doenças na adolescência e 2 doenças na idade adulta. A maior prevalência de doenças atópicas na infância pode ser explicada pela marcha atópica, que caracteriza a evolução de doenças como a dermatite atópica, rinite, asma e, em alguns casos, alergia alimentar. A imaturidade do sistema imunológico na infância também pode favorecer o desenvolvimento de diversas condições atópicas18.
Quanto aos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes, encontramos prurido, hiperemia conjuntival e lacrimejamento como os sintomas mais frequentes, e menos frequentemente fotofobia, edema palpebral, secreção e diminuição da acuidade visual. O prurido ocular é o sintoma mais característico da AO e está presente na grande maioria dos casos, e sua ausência torna o diagnóstico de AO menos provável8. A hiperemia, apesar de estar presente na maioria dos casos de AO, não é específica dessa doença. A associação dos sintomas citados acima com o tempo de surgimento, duração, estações do ano, intensidade dos sintomas, local de acometimento ocular, auxiliam no diagnóstico do tipo de AO19,20.
Os tratamentos para alergia ocular dividem-se em quatro linhas de ação. A primeira inclui medidas preventivas, como evitar agentes causadores, uso de compressas frias e lágrimas artificiais. A segunda envolve anti-histamínicos, com ação estabilizadora de mastócitos e fármacos de múltipla ação. A terceira utiliza corticosteroides tópicos em crises e imunomoduladores como ciclosporina e tacrolimus para inflamações crônicas. A quarta abrange tratamentos cirúrgicos (exérese de papilas, enxertos) e terapias sistêmicas, como corticoides orais em ciclos curtos, além dos imunomoduladores mencionados. Estas abordagens visam aliviar os sintomas e evitar complicações do uso prolongado de corticosteroides2,8,21. Entre as terapias utilizadas, a combinação de colírio de olopatadina e lágrimas artificiais foi a mais comum. A olopatadina, pertencente a um grupo de fármacos de múltipla ação, tem se mostrado eficaz tanto como anti-histamínico quanto como estabilizador de mastócitos. Já as lágrimas artificiais são usadas para promover a lubrificação e hidratação da córnea e conjuntivas2,8.
Em casos mais graves, foram utilizadas medicações tópicas imunomoduladoras como tacrolimus, fluorometolona e ciclosporina. Uma pequena parte dos pacientes apresentou complicações com alterações oftálmicas como ceratocone, úlcera na córnea e papilas gigantes, e em alguns deles, o tratamento cirúrgico foi necessário, como o transplante de córnea e cirurgia de hipertrofia de papilas. Nesses casos o acompanhamento foi feito em conjunto com o Serviço de Oftalmologia, que indicou e realizou os procedimentos citados.
Pouco mais de um quarto dos pacientes avaliados neste estudo apresentaram alterações oftálmicas, sendo o ceratocone a alteração mais frequentemente encontrada, o que está de acordo com a literatura22, e reforça a recomendação das diretrizes nacionais e internacionais para que o indivíduo com AO tenha uma avaliação conjunta do alergista e oftalmologista, para uma abordagem terapêutica mais adequada e melhora da qualidade de vida. Pelo fato da maioria dos pacientes incluídos terem apresentado o fenótipo de conjuntivite alérgica perene, já esperávamos uma incidência menor de alterações oftálmicas, que na literatura estão mais associadas a formas clínicas mais graves como a ceratoconjuntivite primaveril e a ceratoconjuntivite atópica7,22. De uma maneira geral, a abordagem terapêutica utilizada neste grupo de paciente está de acordo com outros estudos e segue diretrizes atuais de tratamento, mas foi limitada por refletir o uso de medicações que são padronizadas e fornecidas pelo SUS.
A maioria dos pacientes recebeu a imunoterapia alérgeno especifica com alérgenos de ácaros da poeira (Dermatophagoides pteronyssinus e Blomia tropicalis) como tratamento adicional neste grupo de pacientes. O tempo mínimo recomendado para a realização da ITAE é de 36 meses, segundo a literatura23, e nossos pacientes receberam ITAE por um tempo médio de 41,6 meses. Em nossa casuística, a maioria dos pacientes apresentou início dos sintomas ainda na infância, e a ITAE foi iniciada em média com a idade de 11,3 anos, ou seja, em nossos pacientes a imunoterapia teve uma indicação logo no início do quadro. Em nosso serviço, por gestão de recursos, priorizamos a ITAE como tratamento adicional para os pacientes mais graves, e por esta razão, os pacientes que fizeram ITAE tinham sintomas (prurido, hiperemia e lacrimejamento) mais intensos, e apresentavam mais asma que o grupo que não recebeu ITAE. Segundo dados da literatura, a Imunoterapia com alérgenos é eficaz na melhora dos sintomas e redução das exacerbações em pacientes com rinoconjuntivite alérgica durante o curso do tratamento, e as evidências sugerem que esses benefícios são mantidos após a descontinuação da terapia23.
Em nosso estudo, não observamos a interferência entre o tempo de tratamento com ITAE e número de classes de medicamentos utilizados. Embora a redução no uso de medicação ao longo do tratamento sugira eficácia da ITAE, devemos destacar que o desenho transversal do estudo não permitiu uma avaliação robusta da eficácia do tratamento. Para um diagnóstico mais preciso da eficácia da ITAE, seriam necessárias ferramentas de acompanhamento longitudinal.
Não observamos também nenhuma associação entre tempo de início dos sintomas oculares e a ocorrência das alterações oftálmicas, nem a quantidade de sintomas apresentados e as classes de medicamentos utilizados e a presença de alterações oftalmológicas.
Conclusão
Após a análise de 100 prontuários de pacientes com alergia ocular atendidos num ambulatório especializado em São Paulo, observou-se predominância do sexo masculino, com início dos sintomas antes dos 12 anos. Os fenótipos mais comuns foram conjuntivite alérgica perene e ceratoconjuntivite atópica, com sintomas como prurido, hiperemia e lacrimejamento. Rinite e asma foram frequentemente associadas, especialmente em crianças. O tratamento habitual incluiu anti-histamínicos oculares de ação dual e lágrimas artificiais, com imunoterapia indicada na maioria dos casos. Alterações oftálmicas, como ceratocone e úlcera de córnea, afetaram mais de um quarto dos pacientes, sem correlação significativa com sintomas ou tratamentos.
Referências
1. Galvão CES, Giosa JTB, Ribeiro LFM, Mello YAMF, de Mello JF. Conjuntivite alérgica perene - Avaliação clínica e oftalmológica. Rev bras alerg imunolpatol. 1999;22(5):161-4.
2. Bielory L, Delgado L, Katelaris CH, Leonardi A, Rosario N, Vichyanoud P. ICON: Diagnosis and management of allergic conjunctivitis. Ann Allergy Asthma Immunol. 2020;124(2):118-34. doi: 10.1016/j.anai.2019.11.014.
3. Chong-Neto HJ, Rosário NA, Westphal GL, Riedi CA, Santos HL. Allergic conjunctivitis in asthmatic children: as common as underreported. Ann Allergy Asthma Immunol. 2010;105:399-400.
4. Gelardi M, Leo ME, Quaranta VN, Uannuzzi L, Tripodi S, Quaranta N, et al. Clinical characteristics associated with conjunctival inflammation in allergic conjunctivitis. J Allergy Clin Immunol Pract. 2015;3:387-91.
5. Geraldini M, Chong Neto HJ, Riedi CA, Rosário NA. Epidemiology of ocular allergy and co-morbidities in adolescents. J Pediatr (Rio J). 2013;89:354-60.
6. Bielory L. Allergic and immunologic disorders of the eye. In: Middleton Jr, Reed CE, Ellis EF, Adkinson Jr N, Yunginger JW, Busse WW, eds. Allergy - principles and practice. 5ª ed. Missouri: Laura DeYoung; 1998. p. 1148-59.
7. Ronconi CS, Issaho DC, Ejzenbaum F, Hopker LM, Solé D, Chong Neto HJ, et al. Brazilian guidelines for the monitoring and treatment of pediatric allergic conjunctivitis. Arq Bras Oftalmol. 2022;85(4):415-25. doi: 10.5935/0004-2749.20220053.
8. Chong-Neto HJ, Cepeda A, Moreira AS, Leonardi A, Rosário C, Solé D, et al. Diretriz Latino-americana sobre o diagnóstico e tratamento da alergia ocular - Em nome da Sociedade Latinoamericana de Alergia, Asma e Imunologia (SLAAI). Arq Asma Alerg Imunol. 2022;6(1):4-48.
9. La Rosa M, Lionetti E, Reibaldi M, Russo A, Longo A, Leonardi S, et al. Allergic conjunctivitis: a comprehensive review of the literature. Ital J Pediatr. 2013 Mar 14;39:18. doi: 10.1186/1824-7288-39-18.
10. Leonardi A, Bogacka E, Fauquert JL, Kowalski ML, Groblewska A, Jedrzejczak-Czechowicz M, et al. Ocular allergy: recognizing and diagnosing hypersensitivity disorders of the ocular surface. Allergy. 2012 Nov;67(11):1327-37. doi: 10.1111/all.12009.
11. Trocme SD, Sra KK. Spectrum of ocular allergy. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2002;2(5):423-7.
12. Canonica GW, Bousquet J, Casale T, Lockey RF, Baena-Cagnani CE, Pawankar R, et al. Sub-lingual immunotherapy: World Allergy Organization Position Paper 2009. Allergy. 2009 Dec;64 Suppl 91:1-59. doi: 10.1111/j.1398-9995.2009.02309.x.
13. Keller T, Homann C, Santi M, Wjga AH, Gehring U, Melen E, et al. The sex-shift in single disease and multimorbid asthma and rhinitis during puberty - a study by MeDALL. Allergy. 2018;73:602-14.
14. Singh K, Axelrod S, Bielory L. A epidemiologia da alergia ocular e nasal nos Estados Unidos, 1988-1994. J Allergy Clin Immunol. 2010;126:778.
15. Rosário N, Bielory L. Epidemiologia da conjuntivite alérgica. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2011;11:471.
16. Bielory L, Friedlander MH. Allergic conjunctivitis. Immunol Allergy Clin North Am. 2008;28(1):43-58.
17. Gradman J, Wolthers OD. Allergic conjunctivitis in children with asthma, rhinitis and eczema in a secondary outpatient clinic. J Pediatr Allergy Immunol. 2006;17(7):524-6.
18. Punekar YS, Sheikh A. Establishing the sequential progression of multiple allergic diagnoses in a UK birth cohort using the General Practice Research Database. Clin Exp Allergy. 2009;39:1889-95.
19. Lemp MA, Bielory L. Contact lenses and associated anterior segment disorders: Dry eye disease, blepharitis, and allergy. Immunol Allergy Clin North Am. 2008;28:105-17.
20. Peralejo B, Beltrani V, Bielory L. Dermatologic and allergic conditions of the eyelid. Immunol Allergy Clin North Am. 2008;28:137-68. A post hoc analysis of data from conjunctival allergen challenge study. Clin Ther. 2006;28:1630-38.
21. Mantelli F, Santos MS, Pititti T, Sgrulleta R, Cortes M, Lambiase A, et al. Systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials on topical treatments for vernal keratoconjunctivitis. Br J Ophthalmol. 2007;91(12):1656-61.
22. Rodrigues J, Kuruvilla ME, Vanijcharoenkarn K, Patel N, Hom MN, Wallace DV. The spectrum of allergic ocular diseases. Ann Allergy Asthma Immunol. 2021;126:240-54.
23. Dhami S, Nurmatov U, Arasi S, Khan T, Asaria M, Zaman H, et al. Allergen immunotherapy for allergic rhinoconjunctivitis: A systematic review and meta-analysis. Allergy. 2017;72(11):1597-1631. doi: 10.1111/all.13201.