Alterações climáticas, qualidade do ar e suas repercussões sobre o desempenho escolar de crianças e adolescentes: o que 2024 nos reservou?
Climate change, air quality and their impact on the academic performance of children and adolescents: what does 2024 have in store for us?
Clóvis Francisco Constantino1,2; Marilyn Urrutia-Pereira1,3; Raquel Prudente de Carvalho Baldaçara1,3; Marcelo de Paula Corrêa1,3; Maria Isabel Amando de Barros1; Evangelina da Mota Pacheco Alves de Araújo1; Luciana Rizzo3; Carlos Augusto de Mello1; Fátima Rodrigues Fernandes4; Gustavo Falbo Wandalsen5; Luciana Rodrigues Silva6; Dirceu Solé6,7,8
1. Grupo de Trabalho Saúde Planetária - Saúde Única, Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
2. Presidente da SBP
3. Comissão de Biodiversidade, Poluição e Clima - Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI)
4. Presidente da ASBAI
5. Diretor Científico da ASBAI
6. Diretora Científica Adjunta da SBP
7. Diretor Científico da SBP
8. Diretor de Pesquisa da ASBAI
Endereço para correspondência:
Dirceu Solé
E-mail: dirceu.sole@unifesp.br
Submetido em: 14/04/2025
Aceito em: 18/04/2025.
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
RESUMO
As alterações climáticas têm gerado para o planeta e para os seres vivos uma série de consequências que comprometem a existência de algumas espécies e afetado a qualidade de vida de todos. Neste artigo apresentamos o resumo de três importantes documentos mundiais que estudaram a qualidade do ar: "Relatório Mundial sobre a Qualidade do Ar - IQAir 2024", "Estado Global do Clima 2024" (Organização Mundial de Meteorologia), e o Relatório UNICEF "Aprendizagem interrompida: panorama global das interrupções escolares relacionadas ao clima em 2024". Estas publicações apontam dados alarmantes sobre as condições ambientais a que a população, em diferentes partes do mundo, está exposta, e a repercussão destas condições sobre a educação das crianças. Tais informações merecem ampla divulgação para que, pelo conhecimento e conscientização da população e de autoridades, possamos minimizar os efeitos adversos e encontrar formas mais adequadas de adaptação às mudanças do clima.
Descritores: Mudança climática, poluição, aprendizado, crianças, adolescentes.
Introdução
No início dos meses de fevereiro e março de 2025 houve a publicação de três documentos muito importantes com relação à saúde planetária, o "Relatório Mundial sobre a Qualidade do Ar - 2024", publicado pela IQAir1; o "Estado do Clima Global - 2024", publicado pela Organização Mundial de Meteorologia2; e o Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) intitulado "Learning interrupted: Global snapshot of climate-related school disruptions in 2024"3. Estas publicações apontam dados alarmantes sobre as condições ambientais a que a população, em diferentes partes do mundo, está exposta, e a repercussão destas condições sobre a educação das crianças. Tais informações merecem ampla divulgação para que, pelo conhecimento e conscientização da população e de autoridades, possamos minimizar os efeitos adversos e encontrar formas mais adequadas de adaptação às mudanças do clima.
A seguir apresentaremos um resumo das principais informações fornecidas pelos referidos documentos.
"State of the Global Climate - 2024"
Elaborado pela Organização Mundial de Meteorologia (OMM)2, esse relatório foi publicado em 19 de março de 2025 e traz informações relevantes sobre diferentes parâmetros atmosféricos.
Gases de efeito estufa
Em 2023, a concentração atmosférica de dióxido de carbono (CO2), bem como de metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), atingiu os níveis mais altos dos últimos 800.000 anos. Dados coletados em tempo real, em diferentes locais do planeta, mostram que os níveis desses três principais gases de efeito estufa continuaram a aumentar em 2024.
Temperatura média global próxima à superfície
A temperatura média global anual, próxima à superfície, em 2024 foi 1,55 ºC ± 0,13 ºC acima da média observada entre os anos 1850 e 1900. O ano de 2024 foi o mais quente no registro observacional de 175 anos, superando o recorde anterior estabelecido em 2023 (1,45 ± 0,12 ºC). Embora o registro de um único ano com média de aquecimento acima de 1,5 ºC não indique que as metas de temperatura de longo prazo do Acordo de Paris estejam fora de alcance, é um alerta de que estamos aumentando os riscos para nossas vidas, para as economias e para o planeta. Afinal, para a temperatura média global, cada um dos últimos dez anos, entre 2015 e 2024, foram individualmente os dez anos mais quentes registrados.
Enquanto isso, o clima extremo continua a ter consequências devastadoras em todo o mundo. Ao longo de 2024, os oceanos continuaram a se aquecer, os níveis do mar continuaram a subir e a acidificação aumentou. As partes congeladas da superfície da Terra, conhecidas como criosfera, estão derretendo de forma alarmante. As geleiras continuam a recuar e o gelo marinho da Antártida atingiu a segunda menor extensão já registrada.
Em resposta, a OMM e a comunidade científica global estão intensificando esforços para fortalecer os sistemas de alerta precoce e serviços climáticos para ajudar os gestores que podem tomar decisão e a sociedade em geral a serem mais sensíveis às questões climáticas e ao clima extremo. Está havendo progressão, mas esta deve ser mais rápida para se conseguir melhores resultados. Apenas a metade dos países do mundo tem sistemas adequados de alerta precoce multirrisco. O investimento em Serviços Meteorológicos e Hidrológicos Nacionais é mais importante do que nunca para enfrentar os desafios e construir comunidades mais seguras e resilientes, além de mais atentas. Informações confiáveis e conhecimento científico são fundamentais para processos eficazes de tomada de decisões, principalmente nestes tempos de rápidas mudanças. Este relatório fornece a mais recente atualização científica sobre o estado do nosso conhecimento a respeito dos principais indicadores climáticos.
Impactos sobre os oceanos
O impacto das mudanças climáticas sobre os oceanos é analisado principalmente com base nas medidas de calor, nível médio global do mar e acidificação (nível do pH).
Em 2024, o calor dos oceanos atingiu o nível mais alto no registro observacional de 65 anos, superando o recorde anterior estabelecido em 2023. Nos últimos oito anos, cada ano estabeleceu um novo recorde para o conteúdo de calor dos oceanos. A taxa de aquecimento dos oceanos nas últimas duas décadas, 2005-2024, é superior ao dobro da observada no período de 1960-2005.
O nível médio global do mar em 2024 atingiu um recorde no registro por satélites, iniciado em 1993. A taxa de elevação média global do nível do mar nos últimos 10 anos (2015-2024) foi maior que o dobro da taxa observada na primeira década de registro por satélite (1993-2002).
Por fim, também se observou que o aumento da acidificação dos oceanos continuou nos últimos 39 anos, conforme mostrado pela diminuição constante do pH médio global da superfície dos oceanos. Regionalmente, a acidificação dos oceanos não está aumentando de modo uniforme.
Impactos sobre as geleiras
A perda de massa glacial entre no triênio compreendido entre os períodos 2021-2022 a 2023-2024 representa o balanço de massa mais negativo já registrado. Em particular, sete dos dez balanços de massa glaciar anuais mais negativos, desde 1950, ocorreram desde 2016. Balanços de massa excepcionalmente negativos foram registrados na Noruega, Suécia, Svalbard e nos Andes tropicais.
A extensão diária mínima do gelo marinho do Ártico em 2024 foi a sétima mais baixa nos registros observados desde 1979. De acordo com observações de satélites, os 18 valores mínimos de extensão de gelo marinho do Ártico ocorreram nos últimos 18 anos.
Direção climática: El Niño - Oscilação Sul
Os fenômenos El Niño e La Niña são fenômenos climáticos naturais que alteram padrões de temperatura e precipitação global. O El Niño é a denominação dada para o aquecimento anormal das águas do Pacífico equatorial, causando chuvas intensas e secas em diferentes regiões da América do Sul, com impactos para todo o planeta. Por outro lado, a La Niña é o resfriamento anormal das águas do Pacífico, levando a condições mais secas em áreas tropicais e tempestades mais frequentes em outras. Ambos os fenômenos afetam correntes de ar, influenciando furacões, safras agrícolas e ecossistemas marinhos e ocorrem com frequências irregulares, com durações de meses a anos.
O forte El Niño de 2023/2024 ocorreu após três anos consecutivos de La Niña, iniciada no final de 2020, com término no início de 2023. As condições do El Niño, estabelecido em meados de 2023, tornaram-se fortes no final de 2023 e se dissiparam no segundo trimestre de 2024.
Padrões globais de temperatura e precipitação
Temperatura
Em 2024, a maioria das áreas terrestres esteve mais quente do que a média climatológica do período compreendido entre 1991 e 2020, exceto poucas áreas limitadas de temperaturas abaixo da média ao redor da Islândia, partes da Antártida e o extremo sul da América do Sul. Temperaturas médias anuais recordes, ou quase recordes, foram observadas em grandes áreas dos trópicos, da América do Sul e Central a leste do Pacífico ocidental. Regiões fora dos trópicos também experimentaram temperaturas anuais excepcionalmente altas, incluindo o leste da América do Norte, Norte da África e Europa, e sul e leste da Ásia.
As temperaturas da superfície do mar atingiram recordes no Atlântico Tropical e Norte, Oceano Índico Tropical, partes do Pacífico Ocidental e partes do Oceano Antártico. Apesar das condições de El Niño no início do ano, águas mais frias do que a média foram observadas ao longo da costa oeste da América do Sul, com temperaturas acima da média mais evidentes mais a oeste ao longo do Equador.
Precipitação
Em 2024, condições mais secas do que a média histórica (1991-2020) foram observadas em grande parte da África Meridional, alguns locais na costa oeste da África, bem como ao longo da costa norte da África. Grandes partes da América do Sul, das terras baixas da Amazônia e do norte dos Andes até as zonas úmidas do Pantanal, também estavam mais secas do que o normal; assim como o noroeste do México, algumas ilhas no Caribe e partes do norte da América do Norte que tiveram totais de precipitação anormalmente baixos. O mesmo padrão foi observado na Oceania, onde áreas ao longo da costa sul da Austrália, partes do norte da Nova Zelândia, Nova Caledônia e ilhas centrais e orientais na Polinésia tiveram quantidades de precipitação menores do que o normal. A falta de chuva, abaixo da normal climatológica, também foi observada nas regiões sul e o sudeste da Europa.
Por outro lado, partes da região do Sahel e do centro e sul da África Oriental, assim como as partes central e ocidental da Europa, estiveram, em 2024, mais úmidas do que o normal. As ilhas ocidentais da Polinésia, norte da Melanésia, bem como o sul da Nova Zelândia e partes do leste e norte da Austrália também estavam mais úmidas do que a média. Na América do Norte, o arquipélago ártico canadense e alguns locais ao redor do Golfo do México também mostraram padrões de umidade maior que o normal. Níveis totais de precipitação pluvial, maiores que a normal climatológica, foram observados em grandes áreas do nordeste, leste e centro da Ásia e, em me-nor extensão, nas regiões sudeste, sul e sudoeste daquele continente.
Eventos climáticos de alto impacto
Eventos climáticos extremos em 2024 determinaram maior número de novos deslocamentos populacionais registrados em um ano desde 2008. Novos deslocamentos, contínuos e prolongados, afetaram número significativo de pessoas, principalmente aquelas em contextos frágeis e afetadas por conflitos. Acompanhados da destruição de moradias, infraestrutura, florestas, terras agrícolas e biodiversidade, esses eventos climáticos extremos prejudicam a resiliência e representam riscos significativos para as pessoas em movimento e aquelas que já vivem em deslocamento.
Os efeitos compostos de vários choques, como intensificação de conflitos, secas e altos preços de alimentos, levaram a crises alimentares cada vez mais intensas em 18 países até meados de 2024. Em relação ao máximo anual de 2023, oito países tiveram pelo menos 1 milhão a mais de pessoas enfrentando insegurança alimentar aguda em 2024. A colheita global reduzida de cereais está associada à seca generalizada em 2024, ligada em algumas regiões, como no Sul da África, às condições do El Niño.
Os ciclones tropicais foram responsáveis por muitos dos eventos de maior impacto de 2024. O tufão Yagi, no início de setembro, atingiu o norte do Vietnã após cruzar as Filipinas e o sul da China. Vítimas fatais e deslocamentos populacionais foram relatados no Vietnã, Filipinas, Laos, Tailândia e Mianmar. Danos significativos pelo vento ocorreram na China e nas Filipinas.
Nos Estados Unidos, os furacões Helene, no final de setembro, e Milton, em outubro, atingiram a costa oeste da Flórida provocando grandes impactos em terra. O furacão Helene gerou chuvas excepcionais e inundações extremas no interior do sudeste dos Estados Unidos, especialmente no oeste da Carolina do Norte. Ambos os furacões geraram impactos econômicos de dezenas de bilhões de dólares. Mais de 200 mortes foram associadas ao Helene, o maior número associado a um furacão continental dos Estados Unidos desde o Katrina, em 2005.
No hemisfério sul, em dezembro de 2024, o ciclone tropical Chido cruzou Mayotte antes de atingir Moçambique e seguir em frente à Malawi, com grandes danos e perda significativa de vidas nos três países. Em Moçambique, cerca de 100.000 pessoas foram deslocadas, casas foram destruídas, e estradas e redes de comunicação foram severamente danificadas, dificultando os esforços de socorro em áreas que já abrigavam um grande número de pessoas deslocadas. Da mesma forma, comunidades vulneráveis em Mayotte enfrentaram riscos maiores por causa da destruição trazida pelo ciclone Chido.
O Afeganistão e as áreas vizinhas do Paquistão e do Irã sofreram uma sucessão de desastres naturais entre o final do inverno e a primavera, com frio anormal e neve nas terras altas no final de fevereiro e início de março de 2024. O degelo dessa neve provocou vários eventos de inundação nos meses seguintes, o pior dos quais afetou o Afeganistão entre 10 e 17 de maio. Cerca de 35.000 ha de terras agrícolas foram inundadas até o final de maio.Várias centenas de mortes foram relatadas nas inundações, e a onda de frio também resultou em perda significativa de vidas.
A partir de meados do ano em diante, uma monção anormalmente ativa trouxe grandes inundações para muitas partes do Sahel na África. As monções são caracterizadas pela mudança sazonal na direção dos ventos, causada pela variação de temperatura e pressão entre as superfícies e os oceanos, durante
o inverno e o verão. Quase todos os países da região relataram impactos significativos, com inundações afetando grandes áreas de terras agrícolas e levando a número significativo de mortes. Entre março e maio, as enchentes impactaram principalmente a África Oriental equatorial, com grandes perdas de vidas em países como Quênia e Tanzânia, bem como deslocamentos, destruição de terras de cultivo e perda de gado. Nesta época, o Lago Vitória atingiu níveis recordes de água, com consequentes inundações a jusante afetando gravemente, inclusive país mais distantes, como o Sudão do Sul no final do ano.
Em contraste, a falta de chuvas observada durante a esperada estação chuvosa, entre o final de 2023 e início de 2024, resultou em seca significativa no noroeste da África e em muitas partes do interior da África Austral, particularmente Zimbábue, Zâmbia, Botsuana e Namíbia. A seca severa levou a impactos significativos na agricultura e na produção hidrelétrica.
Na América do Sul, o Chile sofreu incêndios florestais destrutivos no início do ano. Um incêndio ao redor da cidade de Viña del Mar, em 2 e 3 de fevereiro de 2024, resultou em mais de 300 mortes e danos a vários milhares de propriedades. Este evento está entre as piores perdas em um incêndio florestal em qualquer lugar do mundo neste século.
A temporada de incêndios florestais também foi muito ativa no Canadá, onde as emissões de carbono por incêndios florestais foram as segundas maiores já registradas desde 2003, e a área queimada foi uma das cinco maiores já registradas desde 1983. O oeste dos Estados Unidos também teve uma temporada ativa de incêndios florestais. No total, mais de 300.000 deslocamentos foram relatados em ambos os países.
A seca afetou outras partes das Américas. A seca severa no México e partes da América Central em 2023 persistiu nos primeiros meses de 2024, enquanto também houve seca significativa em grande parte do interior da América do Sul. O Rio Negro, em Manaus, e o Rio Paraguai, em Assunção, atingiram níveis recordes de baixa, e o número de incêndios florestais na Amazônia brasileira foi o maior desde 2010.
Em contraste às condições geralmente secas na América do Sul, o estado do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil, enfrentou fortes inundações no início de maio. Chuvas fortes e persistentes resultaram em inundações em grande parte da cidade de Porto Alegre e muitas áreas vizinhas, com efeitos significativos na agricultura e pesca, bem como mais de 200 mortes.
Chuvas extremas também foram observadas na Europa e resultaram em inundações repentinas e severas na região de Valência, na Espanha, em 29 de outubro, associadas a uma "piscina" de ar em níveis superiores da atmosfera sobre o sul da Espanha. Esse fenômeno é uma região de ar excepcionalmente frio localizado na média e alta troposfera, geralmente associado a sistemas de baixa pressão em altitude, denominados vórtices ciclônicos. Esses sistemas são importantes para a formação de tempestades e outros fenômenos convectivos intensos. A cidade de Turis, no oeste de Valência, recebeu 185 mm de chuva em uma hora, um recorde nacional espanhol. Em seis horas, 621 mm de chuva caíram e 772 mm foram registrados em 24 horas. A precipitação levou a inundações excepcionais a jusante, afetando particularmente a parte sul da área metropolitana de Valência. Mais de 200 mortes e danos graves foram relatados na Comunidade Valenciana e áreas vizinhas.
Houve inúmeras ondas de calor significativas em 2024, muitas com períodos prolongados de altas temperaturas e recordes quebrados. De acordo com o relatório State of Climate Services, da OMM de 2023, os impactos do calor extremo e das ondas de calor são subestimados, e a mortalidade relacionada ao calor pode ser muitas vezes maior do que as estimativas atuais.
Durante o verão do hemisfério norte, as áreas particularmente afetadas pelas ondas de calor incluíram o Leste Asiático, o Sudeste da Europa, o Mediterrâneo, o Oriente Médio e o sudoeste dos Estados Unidos. Isso ocorreu após um calor recorde em muitas partes dos trópicos do hemisfério norte durante o período pré-monções do final de março a maio, incluindo o Sudeste Asiático, a África Ocidental e o Sahel, e a América Central, bem como o norte da Índia.
Entre os eventos mais significativos esteve a onda de calor de junho na Arábia Saudita, quando as temperaturas próximas a Meca atingiram 50 ºC durante a peregrinação do Hajj. Ao menos 1.300 pessoas morreram, entre 14 e 19 de junho de 2024, durante a peregrinação. A maioria dessas mortes foi, parcial ou totalmente, atribuível ao calor extremo.
Os sistemas de alerta precoce provaram ser sistemas eficientes que os governos podem usar para tirar comunidades do perigo antes de um desastre ou gerenciar o evento in situ. Dados confiáveis e rotineiros e políticas eficazes de redução de risco de desastres são cruciais para salvar vidas. Dados desagregados - mostrando a frequência, gatilhos e sequência de deslocamento - podem ajudar os planejadores de resposta e desenvolvimento a mitigar os impactos sobre pessoas deslocadas e comunidades anfitriãs.
Relatório de Qualidade do Ar Mundial - 20241
Este relatório reúne dados de mais de 40.000 estações de monitoramento da qualidade do ar em 8.954 locais de 138 países, territórios e regiões. Esses dados foram analisados pelos cientistas de qualidade do ar da IQAir, que destacam tendências alarmantes nas áreas mais poluídas do mundo em 2024. Apesar disso, segundo os autores, alguns progressos estão sendo feitos.
Quais foram as principais descobertas apontadas pelo Relatório de Qualidade do Ar Mundial de 2024?
Apenas 17% das cidades do mundo atendem à diretriz de poluição do ar da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apenas sete países atenderam à diretriz sobre presença de material particulado com diâmetro inferior a 2,5 µm (PM2,5) da OMS, que recomenda que a concentração média anual de PM2,5 no ar não exceda 5 µg/m3. São eles: Austrália, Bahamas, Barbados, Estônia, Granada, Islândia e Nova Zelândia.
Quais foram os cinco países mais poluídos em relação à concentração de PM2,5 em 2024?
A Tabela 1 apresenta a relação dos cinco países mais poluídos em 2024, considerando a concentração de PM2,5.
Cento e vinte e seis (91,3%) dos 138 países e regiões avaliadas excederam o valor anual preconizado pela OMS de PM2,5 de 5 µg/m3.
A cidade de Byrnihat, na Índia, foi a área metropolitana mais poluída em 2024, tendo concentração média anual de PM2,5 de 128,2 µg/m3. A região da Ásia Central e do Sul abrigou as sete cidades mais poluídas do mundo, sendo que a Índia respondeu por seis das nove cidades globais mais poluídas.
Nos Estados Unidos da América, a cidade mais poluída foi Los Angeles, Califórnia, enquanto que a cidade de Seattle, Washington, foi a cidade mais limpa.
Em Porto Rico, América Central, Mayaguez foi a área metropolitana mais limpa do mundo em 2024, com uma concentração média anual de PM2,5 de 1,1 µg/m3.
Na África, a escassez de dados de monitoramento da qualidade do ar em tempo real e acessíveis ao público é tão grave que há apenas uma estação de monitoramento para cada 3,7 milhões de pessoas.
O Brasil ocupa a 73ª posição na classificação geral. A cidade de São Paulo, por exemplo, está na categoria que excede entre 3 e 5 vezes o limite de PM2,5 estabelecido pela OMS, e o mesmo vale para Salvador. Na capital, Brasília, o total ficou entre 1 e 2 vezes acima. Incêndios florestais na Floresta Amazônica impactaram vastas áreas da América Latina em 2024, com os níveis de PM2,5 em algumas cidades dos estados de Rondônia e Acre, no Brasil, quadruplicando em setembro.
A Oceania foi identificada como a região mais limpa do mundo, com 57% das cidades regionais atendendo ao valor anual de diretriz de PM2,5 da OMS.
Houve um progresso notável na expansão do monitoramento da qualidade do ar em vários países, regiões e territórios nos últimos 12 meses. No entanto, ainda existem lacunas consideráveis nos sistemas regulatórios operados pelos governos em muitas partes do mundo. Monitores de qualidade do ar de baixo custo - usados por cientistas, cidadãos, pesquisadores, defensores da comunidade e organizações locais - provaram ser ferramentas eficazes para abordar essas lacunas de dados. Esses monitores aumentaram a disponibilidade de dados cruciais sobre os níveis de poluição do ar em todo o mundo.
Relatório UNICEF - aprendizagem interrompida3,4
Segundo o UNICEF, os eventos climáticos extremos estão interrompendo a educação das crianças, colocando sua aprendizagem e seu futuro em risco. Análise recente revela que pelo menos 242 milhões de estudantes em 85 países ou territórios tiveram suas aulas interrompidas por eventos climáticos extremos, incluindo ondas de calor, ciclones tropicais, tempestades, inundações e secas em 2024, agravando uma crise de aprendizagem já existente.
O Relatório da UNICEF de 2024 destaca ainda os pontos relacionados a seguir.
1. Globalmente, pelo menos 242 milhões de estudantes - da educação infantil ao ensino médio - sofreram interrupções escolares devido a eventos climáticos.
2. Pelo menos um em cada sete estudantes teve suas aulas interrompidas por causa de riscos climáticos.
3. Oitenta e cinco países ou territórios tiveram suas escolas afetadas por riscos relacionados ao clima, com 23 países enfrentando múltiplas rodadas de interrupções escolares.
4. Pelo menos 20 países tiveram interrupções escolares em todo o país devido a desastres causados pelo clima que causaram o fechamento de suas escolas.
5. Setenta e quatro por cento dos 242 milhões de estudantes afetados estão em países de baixa e média-baixa renda, com uma pontuação média de 7 em 10 no Índice de Risco Climático Infantil (CCRI).
6. O Sul da Ásia foi a região mais atingida, com 128 milhões de estudantes afetados, seguida do Leste Asiático e a região do Pacífico, onde 50 milhões de estudantes foram impactados.
7. As ondas de calor foram o risco climático mais significativo em todo o mundo a interromper o ensino, afetando cerca de 171 milhões de estudantes:
- o dia 8 de abril registrou o maior número de interrupções escolares relacionadas a ondas de calor, afetando pelo menos 118 milhões de crianças em Bangladesh, Camboja, Índia, Filipinas e Tailândia;
- o dia 9 de setembro registrou as mais frequentes interrupções escolares relacionadas ao clima. Em uma época do ano em que as escolas reabrem em muitas partes do mundo, pelo menos 18 países suspenderam as aulas. O tufão Yagi afetou 16 milhões de crianças no Leste Asiático e no Pacífico, tornando-se o principal risco em setembro.
8. Na África, embora mais de 107 milhões de crianças já estejam fora da escola, as interrupções relacionadas ao clima colocaram mais 20 milhões de crianças em risco de abandono escolar.
Em conclusão, os eventos extremos de 2024 deixaram claro que a crise climática é uma realidade urgente e mostra uma relação causal preocupante entre as mudanças climáticas e o aumento da morbimortalidade, direta ou indiretamente, relacionada ao clima. Ondas de calor, tempestades devastadoras e secas prolongadas mostram como o aquecimento global já está alterando radicalmente os padrões climáticos e provocando consequências preocupantes para a humanidade. Há consenso entre os cientistas de que esses fenômenos serão cada vez mais frequentes e intensos, exigindo respostas imediatas em iniciativas para minimizar os impactos e, principalmente, para promover a adaptação. A preparação de cidades, melhoria e adequação de infraestruturas, políticas públicas de prevenção, investimentos em saúde e educação, dentre outros, são imprescindíveis e urgentes. Os custos humanos e os impactos econômicos tenderão a aumentar e, portanto, a vigilância de agravos sensíveis ao clima e a capacitação em "medicina climática" deve ser priorizada, principalmente aquela voltada às faixas da população mais sensíveis, tais como idosos e crianças5-7.
Contribuição dos GT Saúde Planetária-Saúde Única (SBP) e Comissão de Biodiversidade, Poluição e Clima (ASBAI): medidas para a redução do impacto de mudanças climáticas à saúde humana
As mudanças climáticas já impactam diretamente a saúde humana. Eventos extremos como ondas de calor, inundações e incêndios florestais têm aumentado em frequência e intensidade, agravando doenças respiratórias, cardiovasculares, neurológicas, transtornos mentais e eventos obstétricos adversos. Diante desse cenário, os profissionais da saúde têm papel crucial, não apenas no cuidado clínico, mas também como agentes de transformação ambiental. A educação dirigida a pacientes sobre os danos ocasionados por mudanças climáticas e poluição deve ser realizada, especialmente sobre as consequências destes eventos para os grupos populacionais vulneráveis como crianças, gestantes, idosos e pacientes com comorbidades. Considerar a realização de planos de ações para o controle de exacerbações de doenças crônicas em ambientes poluídos e durante catástrofes ambientais é primordial. Os profissionais de saúde podem apoiar políticas que visem à redução da poluição e proteção ambiental e participar de redes locais de resiliência comunitária, especialmente em regiões com histórico de inundações e desastres naturais.8
Orientações gerais a pacientes durante catástrofes ambientais e ambientes extremamente poluídos
- Acompanhar índices de qualidade do ar, especialmente em locais com incêndios florestais ou ambientes com poluição atmosférica intensa.
- Em situações de alerta máximo, considerar a evacuação temporária.
- Em dias de maior concentração de fumaça, evitar atividades físicas ao ar livre.
- Manter portas e janelas fechadas durante eventos de queimadas ou de incêndios florestais para evitar a entrada de fumaça. Em locais onde haja polinose, faça o mesmo durante a época de maior dispersão dos polens.
- Usar máscaras faciais apropriadas (N95 ou PFF2).
- Evitar áreas próximas a incêndios e fumaça intensa.
- Evitar ações que aumentam a poluição dentro de casa.
- Evitar exposição ao cigarro e outros poluentes intradomiciliares como excesso de produtos de limpeza com perfumes e substâncias químicas.
- Evitar o uso de pesticidas dispersíveis no interior da residência.
- Evitar acender velas, incensos, especialmente durante incêndios florestais.
- Evitar assar ou fritar alimentos que aumentem a fumaça, especialmente em regiões com queimadas ou incêndios florestais.
- Além de máscaras e óculos, utilizar vestuário e calçados adequados para se proteger de produtos de combustão.
- Evitar ventiladores e ar-condicionado sem filtros. Limpá-los pelo menos uma vez ao mês.
- Usar purificadores de ar com filtros HEPA (High Efficiency Particulate Arrestance).
- Criar espaços seguros em casa, selando frestas e portas para minimizar a entrada da fumaça e polens.
- Após diminuição das queimadas ou de poluição atmosférica relacionada ao tráfego, quando melhorar a qualidade do ar, mesmo que temporariamente, deixar a casa arejada para diminuir a poluição intradomiciliar.
- Incentivar a hidratação, estimular a ingestão de água potável e ter uma alimentação saudável com consumo de frutas, hortaliças, legumes oriundos de uma agricultura sustentável, reduzir consumo de alimentos ultraprocessados para não agravar as condições de saúde.
- Em locais com inundações, estar atento às orientações da Defesa Civil.
- Durante enchentes não atravessar pontes, ruas ou avenidas inundadas mesmo utilizando veículos. Procurar se abrigar em local alto e aguardar o nível de água reduzir. Se for imprescindível trafegar, cuidado com bueiros sem tampas encobertos pela água.
- Aparelhos elétricos durante inundações devem ser desligados. Não usar equipamentos elétricos que foram atingidos por inundações. Desligar o disjuntor geral do quadro de energia da casa durante a inundação.
- Alimentos e bebidas que tiveram contato com águas de enchentes devem ser descartados, não utilizar água de fontes naturais ou poços em locais de inundação.
- Se houver estufamentos, trincas em paredes com risco de desabamento, abandonar o imóvel. Usar luvas e botas ou sacos plásticos duplos em mãos e pés, se possível, ao sair deste imóvel.
- Verificar serviços de rádios ou aplicativos para verificar rotas seguras.
- Se tiver tempo hábil por avisos da Defesa Civil, antes do desastre ambiental, preparar kits com água potável, roupas, remédios, lanternas e pilhas, e guardar documentos em sacos plásticos.
- Após enchentes, cuidados com a contaminação por fungos, toxinas de bactérias, poluentes de materiais de construção de ambientes domiciliares. Verificar as orientações da Defesa Civil para retorno com segurança ao domicílio após inundações.
- Em locais com desastres ambientais ou extremamente poluídos, atentar à saúde mental de vítimas.
Políticas públicas para redução do impacto ambiental e poluição
- Identificar zonas de risco de desastres naturais.
- Aprimorar sistemas de alertas meteorológicos e monitorização por satélites.
- Estimular o uso de energias limpas como a eólica e a solar.
- Aumentar o número de estações de monitorização da qualidade do ar.
- Proibir construções em áreas de risco de desastres ambientais.
- Elaborar planos emergenciais para a atuação da Defesa Civil local, promover políticas de gestão de risco para uma resposta rápida em catástrofes ambientais.
- Gerência adequada de resíduos, descarte adequado do lixo, evitando contaminações ambientais e riscos ocupacionais.
- Estimular a reciclagem de plásticos, reduzir a produção destes materiais, pois a exposição a microplásticos é intensa e com danos à saúde humana.
- Estimular transporte ativo (caminhada, bicicleta) e o uso de transporte coletivo como estratégias de promoção da saúde e redução das emissões de carbono, redução da pegada ambiental, redução de gases do efeito estufa.
- Estimular o reflorestamento e agricultura sustentável.
- Fiscalização e aplicação rigorosa da legislação para reduzir incêndios florestais criminosos.
- Realizar o saneamento básico e obras de escoamento para a gestão de águas pluviais.
- Treinamento de profissionais de saúde para atendimento em emergências por catástrofes ambientais.
- Criar políticas específicas para proteção de comunidades expostas a riscos ambientais crônicos, como regiões ribeirinhas, áreas urbanas periféricas e territórios indígenas.
- Integrar ações de assistência social, saúde mental e reabilitação às vítimas de desastres, com garantia de acesso equitativo aos serviços de saúde.
Conclusão
A adoção de medidas sustentáveis fortalece a prevenção de doenças, melhora a qualidade de vida e contribui para um sistema de saúde mais resiliente e responsável. Pequenas ações, quando replicadas em rede, têm o poder de promover grandes mudanças. A resposta às mudanças climáticas exige políticas públicas baseadas em ciência, com atuação intersetorial e foco na equidade. O setor saúde deve liderar e apoiar essas transformações, protegendo a população e promovendo um futuro mais saudável e sustentável.
Referências
1. IQAir World Air Quality Report 2024 [Internet]. Disponível em: https://www.iqair.com/gb/world-air-quality-report. Acessado em: 15/03/2025.
2. World Meteorological Organization. State of the Global Climate - 2024 [Internet]. Disponível em: https://wmo.int/publication-series/state-of-global-climate-2024. Acessado em: 19/03/2025.
3. UNICEF - Learning interrupted: Global snapshot of climate-related school disruptions in 2024. Disponível em: https://www.unicef.org/reports/learning-interrupted-global-snapshot-2024. Acessado em: 09/04/2025.
4. Dados para um Debate Democrático na Educação - D3e. Nota Técnica 9 - O impacto das mudanças climáticas na educação: iniciando um debate (Internet). Disponível em: https://d3e.com.br/wp-content/uploads/nota-tecnica_2412_impacto-mudancasclimaticas-educacao.pdf?utm_source=Dados+para+um+Debate
+Democr%C3%A1tico+na+Educa%C3%A7%C3%A3o&utm_campaign=84b0507195-EMAIL_CAMPAIGN_2024_11_27_06_41_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_-9b5c60da4c-675874932. Acessado em: 07/04/2025.
5. Annesi-Maesano I, Maesano CN, Biagioni B, D'Amato G, Cecchi L. Call to action: Air pollution, asthma, and allergy in the exposome era. J Allergy Clin Immunol. 2021;148(1):70-2.
6. Jutel M, Mosnaim GS, Bernstein JA, Del Giacco S, Khan DA, Nadeau KC, et al. The One Health approach for allergic diseases and asthma. Allergy. 2023.78(7):1777-93.
7. Urrutia-Pereira M, Silva CAM, Prado CC, Fruchtengarten LVG, Amorim MLP, Tavares RFS. Incêndios Florestais e a Saúde. Nota de Alerta do Departamento Científico de Toxicologia e Saúde Ambiental da Sociedade Brasileira de Pediatria [Internet]. 20 de outubro de 2023. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/24288c-NA-Incendios_florestais_e_a_saude.pdf. Acessado em: 04/03/2025.
8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Saúde Ambiental, do Trabalhador e Vigilância das Emergências em Saúde Pública. Plano de Contingência para Emergência em Saúde Pública por Inundação [Internet]. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_contingencia_saude_inundacao.pdf. Acessado em: 12/04/2025.