Alergia alimentar: um guia padrão ouro
Food allergy: a gold standard guide
Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinho
Professor Titular, Departamento de Pediatria, Universidade Federal de Pernambuco. Presidente Vitalício da ASBAI 2021-2022. Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria. Especialista em Pediatra e Alergia e Imunologia
O Guia de atualização em alergia alimentar 2025, com o posicionamento conjunto da Associação Brasileira de Alergia Imunologia e da Sociedade Brasileira de Pediatria, é um material de alta qualidade e que chega em boa hora, pois houve mudanças consideráveis na abordagem desta condição clínica que atinge crianças, em muitos casos, na idade de lactentes, que é a fase mais vulnerável do crescimento e desenvolvimento1.
Importante ressaltar que o diagnóstico errôneo, com dietas restritivas desnecessárias gera um evento traumático familiar e pode trazer prejuízos ao neurodesenvolvimento e distúrbios alimentares e nutricionais graves. Por outro lado, o diagnóstico tardio coloca a vida do pequeno paciente em risco e traz sofrimento considerável e desnecessário. É fundamental apropriar-se do conhecimento para o diagnóstico correto e o tratamento adequado e precoce.
Ao longo das últimas décadas tem havido um considerável aumento da prevalência da alergia alimentar, que pode ser atribuído à melhor preparação dos médicos para o diagnóstico desta condição, mas sem dúvida parece existir um aumento de fatores externos ambientais que favorecem alterações epigenéticas em pacientes predispostos, gerando um exposoma indutor de alergia alimentar nos dias atuais.
Este guia, pela classificação atual da alergia alimentar, enfatiza duas novas condições que estão se tornando comuns: o crescente diagnóstico de esofagite eosinofílica, e o de enteropatia induzida pela proteína alimentar, muitas vezes com quadro clínico dramático. Precisamos estar alertas e reconhecer que a etiopatogenia e a fisiopatologia da alergia alimentar estão ancoradas em um tripé de fatores: a disfunção imunológica, a ruptura da integridade da barreira epitelial e o acometimento da sinapse neuroimune.
As fontes proteicas mais utilizadas na alimentação das crianças de baixa idade, que habitualmente são oriundas de alimentos com alto valor biológico e de maior complexidade, são aquelas que possibilitam com maior frequência a reação imune exacerbada, resultando na alergia alimentar. Aqueles indivíduos predispostos geneticamente adoecem por agentes agressores epigenéticos e pela disbiose intestinal. Além disso, recentemente, tem sido descrita uma mudança na história natural da alergia alimentar, com tendência mais frequente da sua persistência, mesmo com o avançar da idade do paciente.
Outro aspecto muito bem descrito nesta atualização é a abordagem sobre a prevenção da alergia alimentar, valorizando as medidas ambientais que promovem a integração do ser humano tentando recuperar a harmonia com a natureza, tanto no que se refere à conquista de espaços verdes e azuis para pacificar a floresta do microbioma agredida pela selvageria da urbanização descontrolada, e o cinza do asfalto complementado por uma alimentação artificializada e ultraprocessada, a "comida de mentira".
O guia alerta aos médicos e profissionais de saúde que, sempre que possível, a dieta da gestante deve ser bem natural, rica em diversidade, com alimentos integrais e em quantidade moderada. Além disso, o parto normal deve ser estimulado, e também deve-se evitar o uso desnecessário e maléfico de antibióticos. Não há dúvida de que o melhor alimento para o bebê nos seis primeiros meses de vida é o leite materno de forma exclusiva, e a mamadeira assassina em berçários deve ser terminantemente proibida.
Após o sexto mês, o lactente deve entrar em contato com os alimentos verdadeiros e naturais ou minimamente processados. A prescrição de fórmulas infantis deve sempre ser motivo de cuidado e preocupação, principalmente aquelas restritivas que devem ser indicadas apenas quando há certeza das vantagens para a criança atingir o pleno potencial de crescimento e desenvolvimento com segurança em relação aos eventuais riscos da utilização.
Essa atualização também apresenta uma excelente revisão que abrange as várias formas clínicas de alergia alimentar, e destaca, ainda, a relação desta condição com a dermatite atópica e com a esofagite eosinofílica, entre outros aspectos.
Em relação ao diagnóstico com exames complementares, é importante frisar a importância da história clínica, da anamnese bem realizada, do exame físico adequado, e da escuta atenta, mas alguns exames de sensibilização alérgica tanto in vitro quanto in vivo podem ser necessários como discriminatórios. O representante máximo é o teste de provocação oral, que deve ser realizado quando houver uma dúvida consistente do diagnóstico, e que precisa ser implementado na prática clínica em todo o país. Os exames como endoscopia digestiva alta e colonoscopia em determinados casos podem auxiliar. O cuidado com testes não balizados cientificamente, e sem adequada reprodutibilidade deve ser uma preocupação constante.
Em relação à abordagem da alergia alimentar, a exclusão adequada do suposto alimento hipersensível deve ser substitutivamente realizada com outra fonte proteica para evitar agressões nutricionais e emocionais ao paciente. As recomendações de diretrizes adicionais e sempre com observação da criança como pessoa avaliando os riscos, são essenciais.
A atualização da questão da imunização em crianças com alergia alimentar, em especial ao ovo, teve consideráveis avanços, e hoje sabe-se que não se deve perder a oportunidade vacinal nestes pacientes. A reflexão sobre a necessidade do uso de probióticos e de vitamina D, bem como o cuidado da criança alérgica na escola, onde ela fica boa parte do tempo, também não foi esquecido.
Os cuidados com a anafilaxia de origem alimentar estão bem atualizados e balizados em revisão ampla com os aspectos necessários para as grandes mudanças que ocorreram em tão curto prazo de tempo. Assim, neste documento ainda constam as recomendações para imunoterapia na alergia alimentar, na era em que os imunobiológicos estão sendo utilizados como adjuvantes, bem como orientações para a boa prática deste procedimento.
Esta atualização, baseada e discutida a partir das evidências existentes, mas adaptada à nossa realidade, sem dúvida vai contribuir muito para o tratamento destes pacientes em nosso país. O trabalho conjunto de vários especialistas na área, chancelado por duas sociedades médicas, valoriza a robustez científica do documento, que resultou em uma atualização primorosa.
Parabéns aos autores e a todos os pediatras e alergistas e imunologistas que terão acesso a este documento para melhor abordagem da alergia alimentar de nossas crianças e adolescentes.
Referências
1. Oliveira LCL, Silva LR, Franco JM, Watanabe AS, Pinto Júnior AB, Capelo A, et al. Atualização em Alergia Alimentar 2025: posicionamento conjunto da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia e Sociedade Brasileira de Pediatria. Arq Asma Alerg Imunol. 2025;9(1):5-96.