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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Janeiro-Fevereiro 2013 - Volume 1  - Número 1


Artigo Original

Teste de contato atópico com aeroalérgenos: uma ferramenta promissora no diagnóstico da dermatite atópica

Atopy patch test with aeroallergens: a promising tool in the diagnosis of atopic dermatitis

Sérgio Duarte Dortas Junior1; Soloni Afra Pires Levy2; Andrea Huguenim Silva Pires3; Augusto Tiaqui Abe2; Solange Oliveira Rodrigues Valle4; Vilma Perez Coelho2; Ludwig Ruppert Hahnstadt5; Alfeu Tavares França4


DOI: 10.5935/2318-5015.20130011

1. MD, MSc. Serviço de Alergia, Hospital Sao Zacharias, Rio de Janeiro, RJ. Hospital Geral de Nova Iguaçu, Nova Iguaçu, RJ
2. MD. Serviço de Alergia, Hospital Sao Zacharias, Rio de Janeiro, RJ
3. MD, MSc. Serviço de Alergia, Hospital Sao Zacharias, Rio de Janeiro, RJ
4. MD, PhD. Serviço de Alergia, Hospital Sao Zacharias, Rio de Janeiro, RJ. Serviço de Imunologia, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ
5. MSc. FDA Allergenic


Endereço para correspondência:

Sérgio Duarte Dortas Junior
sdortasjr@gmail.com


Submetido em 15.02.2012.
Aceito em 23.09.2012.
Conflitos de interesse: Ludwig Ruppert Hahnstadt é presidente e CEO da FDA Allergenic Group, Representante para América Latina da ALK-Abelló. Nenhum dos outros autores declararam conflitos de interesse associados à publicaçao deste artigo.

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar a padronizaçao do método com relaçao à concentraçao do aeroalérgeno, tempo de oclusao, de interpretaçao; e determinar a especificidade e a sensibilidade do teste de contato alérgico (TCA) em relaçao ao teste por puntura e a dosagem de IgE específica, na verificaçao da sensibilizaçao a ácaros em crianças com dermatite atópica (DA).
MÉTODOS: Foram selecionadas 72 crianças com idade entre 2 e 12 anos, acompanhadas no ambulatório de alergia do Hospital Sao Zacharias. Estas foram submetidas a teste de puntura, dosagem de IgEs específicas e TCA para ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae e Blomia tropicalis). Os testes foram realizados em 3 grupos: (1) DA com ou sem rinite e asma, (2) Rinite e/ou asma sem DA, (3) Saudáveis (controle).
RESULTADOS: No grupo 1, 40% dos pacientes apresentaram reaçao positiva. A sensibilidade foi maior nos pacientes com maior tempo de exposiçao (48 h e 72 h). No grupo 2, o TCA foi mais específico que sensível para todos os extratos, com aumento da sensibilidade quanto maior o tempo de exposiçao (72 h). No grupo 3, apenas 8,3% apresentaram positividade a algum aeroalérgeno do TCA.
CONCLUSAO: O TCA mostrou ter valor diagnóstico em relaçao às reaçoes de fase tardia a ácaros (D. pteronyssinus, D. farinae e B. tropicalis), com elevada especificidade. Ele demonstrou ser um teste confiável quando comparado aos resultados do grupo controle.

Descritores: Dermatite atópica, teste de contato atópico, ácaros.




INTRODUÇAO

A dermatite atópica (DA), é uma condiçao inflamatória e pruriginosa de curso crônico, recidivante, multifatorial, e acomete 10-20% das crianças e 1-3% adultos1.

Alimentos e ácaros estao envolvidos na etiopatogenia da síndrome. Níveis elevados de anticorpos IgE para aeroalérgenos sao importantes fatores de risco, embora nem sempre seja possível detectar uma relaçao causal. Os alérgenos mais frequentemente envolvidos sao os ácaros e outros como insetos incluindo barata, saliva e epitélio de animais (caes e gatos). Entre os ácaros, os mais importantes sao o Dermatophagoides pteronyssinus, D. farinae e a Blomia tropicalis.

Diversos mecanismos estao envolvidos na fisiopatogenia da DA. As reaçoes mediadas por IgE (imediatas) sao bem caracterizadas. Por outro lado, as reaçoes imunológicas do tipo tardio sao pouco compreendidas. Um teste cutâneo de puntura (TCP) positivo parece refletir uma reaçao imediata ao antígeno testado, assim como a dosagem de IgE específica sérica e o teste de provocaçao. O teste de contato alérgico (TCA) parece ter relevância na investigaçao alergológica de pacientes com suspeita de reaçao tardia, com ou sem participaçao de IgE1.

As primeiras descriçoes do TCA datam de 19822, como uma reaçao cutânea induzida em pele íntegra a aeroalérgenos1,2.

Os objetivos deste estudo foram determinar a especificidade e a sensibilidade do TCA em verificar a sensibilizaçao a ácaros em crianças com DA, e avaliar a padronizaçao do método com relaçao à concentraçao do alérgeno ao tempo de oclusao e ao tempo de leitura.

 

MÉTODOS

De abril/2007 a março/2010, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram avaliadas 72 crianças (34 meninas, 38 meninos), com idades entre 2 e 12 anos (média 6,6 anos). Destas, 32 apresentavam DA definida pelos critérios de Hanifin & Rajka3 (grupo 1); vinte e seis pacientes apresenta vam diagnóstico clínico de Rinite Alérgica e/ou Asma segundo critérios das IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma4 sem DA (grupo 2); e 14 eram crianças nao atópicas, que constituiram o grupo controle (grupo 3).

Medida da IgE específica

Foram coletadas amostras de sangue dos pacientes para a dosagem de anticorpos IgE específicos para ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus, D. farinae e Blomia tropicalis) por ImmunoCAP (Phadia). O limite de detecçao foi de 0,35 kU/l, e as crianças foram consideradas sensibilizadas quando a IgE específica encontrava-se acima do limite de detecçao5.

Teste cutâneo de puntura (TCP)

Os antígenos utilizados para TCP foram os ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus, D. farinae e Blomia tropicalis), na concentraçao de 1:10, (FDA Allergenic, Rio de Janeiro, Brasil), tendo a histamina (10 mg/ml) como controle positivo e a soluçao salina como controle negativo. Foi realizada antissepsia com álcool a 70%, na pele sa da regiao volar do antebraço. As aplicaçoes dos antígenos foram feitas com intervalo de 2 cm, e foi utilizado puntor (ALKO, Rio de Janeiro, Brasil). A leitura foi realizada após 20 minutos. O teste foi considerado positivo quando a pápula apresentava diâmetro superior a 3 mm que o controle negativo. Todos os pacientes foram orientados a nao utilizar anti-histamínico oral e/ou aplicar corticosteroide tópico por pelo menos uma semana antes do teste5,6.

Teste de contato alérgico (TCA)

O TCA foi realizado com alérgenos de ácaros (Dermatophagoides pteronyssinus, D. farinae e Blomia tropicalis) na concentraçao de 1:10 (FDA Allergenic, Rio de Janeiro, Brasil), como sugerido por Darsow et al.7, com o veículo vaselina como controle negativo, usando câmaras de alumínio de 8 mm de diâmetro (Finn Chamber on Scanporr, Epitest Ltd Oy, Tuusula, Finlândia). Os testes foram realizados em duplicata, e aplicados em pele saudável do dorso. O primeiro adesivo (TCA I) foi retirado após 24 horas, e o segundo (TCA II) após 48 horas. Foram realizadas leituras do TCA I após 24, 48 e 72h; e TCA II após 48 e 72h. A reaçao foi quantificada segundo os critérios da Revised European Task Force on Atopic Dermatitis (ETFAD) para leitura de TCA8,9.

Análise estatística

Analisamos a correlaçao entre IgE específica, TCP e TCA em cada grupo estudado, entre os grupos de atópicos (grupos 1 e 2) e em relaçao ao grupo controle (grupo 3). Estudamos a sensibilidade e especificidade do TCA quando comparado à dosagem de IgE específica e ao TCP, considerando significante um valor de p < 0,05. A sensibilidade mede a proporçao de TCP e anticorpos IgE específicos positivos que foi corretamente identificada por um TCA positivo. A especificidade mede a proporçao de TCP e anticorpos IgE específicos negativos que foi corretamente identificada por um TCA negativo. Para a análise estatística foi utilizado o software estatístico SPSS versao 13. A concordância ou nao entre os resultados em relaçao ao TCA I e ao TCA II foi baseada no coeficiente Kappa.

 

RESULTADOS

Houve elevada percentagem de positividade ao TCA com ácaros, principalmente com D. pteronyssinus (56% no grupo 1, e 34,6% no grupo 2). No grupo 1, 56% (18/32) dos pacientes apresentaram reaçao após 48 horas a D. pteronyssinus; 15,5% (5/32) a D. farinae; 31,25% (10/32) a B. tropicalis; sendo as reaçoes a D. pteronyssinus mais intensas.

No grupo 2, composto por indivíduos atópicos (com rinite e/ou asma) sem DA, 34,6% (9/26) apresentaram TCA positivo a D. pteronyssinus; 23% (6/26) a D. farinae; 30% (8/26) a B. tropicalis.

No grupo controle (grupo 3), um paciente apresentou positividade a D. pteronyssinus após 72 horas e outro paciente a B. tropicalis, o que corresponde a 7% de positividade.

Nesta amostra nao foram evidenciadas reaçoes imediatas (urticária) ao TCA, e nem piora da reaçao tardia caracterizada por exacerbaçao do eczema em nenhum paciente.

No grupo 1 (DA), um paciente apresentou reaçao irritativa com 24 horas para D. farinae, a qual nao se manteve nas demais leituras. Apenas dois pacientes apresentaram reaçao após24 horas para D. pteronyssinus, que se mantiveram nas demais leituras. Outros pacientes só apresentaram reatividade nas leituras de 48 ou 72 horas. No grupo 3 apenas um indivíduo controle manifestou reaçao irritativa.

Quando comparado à dosagem de IgE sérica específica e ao teste de puntura, o TCA se mostrou um teste altamente específico, porém de baixa sensibilidade. A sensibilidade ao teste aumentou nos testes de maior exposiçao e em leituras mais tardias (72 horas). Além disso, quanto maior o tempo de exposiçao, maior a especificidade (Tabelas 1, 2 e 3). O p valor foi < 0,05, notando-se maior concordância com 48 h e melhor com 72 h.

 

 

 

 

 

 

O índice kappa com 72 h mostrou concordância bilateral, sendo com 48 h mais significativo. No grupo controle, o kappa foi negativo.

 

DISCUSSAO

A dermatite atópica é uma das doenças crônicas mais comuns da infância10, de fácil diagnóstico sindrômico, porém de difícil diagnóstico etiológico. Para muitos, a DA é um estado de hipersensibilidade cutânea, capaz de responder a uma variedade de antígenos internos e do meio ambiente. A associaçao de DA, asma, rinite alérgica com evidência familiar é bem aceita, mas o comprometimento de reaçao tardia pelo contato com aeroalérgenos ainda é controverso11.

Tem sido verificado que os aeroalérgenos têm importância na etiologia da doença em alguns pacientes, embora nem sempre seja possível detectar uma relaçao causal através da anamnese6,10,11. O TCA é um teste diagnóstico importante para definir o processo tardio e de gravidade cutânea em quadros de difícil controle, podendo orientar melhor a terapêutica6.

Os estudos de testes de contato com aeroalérgenos foram iniciados por Mitchell et al. em 19822, e têm variado quanto aos métodos utilizados12. As vias de sensibilizaçao aos aeroalérgenos sao a inalatória e a cutânea11. Mudde et al. observaram que células de Langerhans expressando IgE sao mais eficientes em capturar e apresentar alérgenos às células T alérgeno específicas12; e Stingl & Maurer13 demonstraram, in vitro, que anticorpo IgE ligados a FceRI em células dendríticas aumentam a capacidade de apresentaçao de antígenos às células T antígeno específica em 100-1.000 vezes. Isto explica que a IgE específica é uma via de aumento para resposta ao TCA. Após penetrar a pele, o antígeno se liga a receptor FceRI das células de Langerhans, dando início à cascata de eventos imunológicos. Nas primeiras 48 h ativa células T alérgeno-específicas, principalmente da subclasse TH2, levando ao aumento de IL4, IL5, e reduz Interferon6,10,11. Isto resulta em um infiltrado de células inflamatórias, com participaçao de eosinófilos e produçao de eotaxina por fibroblastos cutâneos14. Após 48 h a resposta muda para Th1 e o quadro histopatológico é semelhante à biópsia cutânea da pele eczematizada da DA15. A presença de células de Langherans IgE positivas é um pré-requisito para um resultado positivo no TCA11. A similaridade macro e microscópica entre os sítios da TCA e da DA indicam que o TCA é um modelo válido de estudo da inflamaçao alérgica da DA10. Diferentemente do teste de contato convencional, o TCA parece ter um pico de reaçao com 48 horas, e após este período, a reaçao tende a diminuir10. A reaçao parece ser específica para pacientes com DA sensibilizados, e nao ocorre em indivíduos saudáveis11.

Na literatura há pouca informaçao a respeito de uma concentraçao ótima para TCA cominalantes. Niggemann e cols.10 sugerem a realizaçao do TCA com extrato in natura e na concentraçao de 1:10 a fim de excluir resultados falso-positivos por irritaçao local. Eles utilizaram Finn Chambers com câmaras de 12 mm a fim de reduzir os resultados falso-negativos10. No nosso estudo, todos os testes foram realizados na concentraçao 1:10, a mesma utilizada nos testes de puntura, e utilizamos vaselina pura (diluente) como controle negativo. Nao houve nenhum caso de reaçao irritativa no grupo controle (falso-positivo). As câmaras utilizadas foram as de 8 mm, as quais também já foram utilizadas em outros estudos7,16. Utilizamos as referidas câmaras, porque na época da realizaçao do estudo, as câmaras de 12 mm nao estavam disponíveis no Brasil.

O TCA parece nao ser específico para DA. Verificamos positividade do TCA em pacientes com outras enfermidades atópicas (rinite e/ou asma) (grupo 2), levando a especular, como relatado em outros trabalhos, que alto nível de IgE no soro nao necessariamente leva à TCA positivo, e vice-versa17. Alguns pacientes nao tiveram teste positivo e a perda de reprodutibilidade tem sido relatada18, e existe uma possível correlaçao entre a concentraçao e o escore de resultado do teste.

Em nosso trabalho, o TCA, quando comparado à dosagem de IgE sérica específica e ao teste de puntura, se mostrou um teste altamente específico, porém de baixa sensibilidade. A sensibilidade aumentou nos testes de maior exposiçao e em leituras mais tardias (72 horas). Além disso, quanto maior o tempo de exposiçao, maior a especificidade.

 

CONCLUSOES

O TCA mostrou ter valor diagnóstico em relaçao às reaçoes de fase tardia a ácaros (D. pteronyssinus, D. farinae e B. tropicalis), apresentando elevada especificidade e moderada sensibilidade, especialmente quando a oclusao permaneceu por 48 horas.

A prevalência de positividade foi maior para D. pteronyssinus e B. tropicalis entre os pacientes atópicos, principalmente entre aqueles com dermatite atópica. A melhor resposta foi ao D. pteronyssinus.

Este teste parece ser uma ferramenta promissora para elucidar a etiologia a ácaros em manifestaçoes tardias de asma e dermatite atópica, uma vez que é difícil se identificar através da anamnese. Entretanto, mais estudos necessitam ser realizados para avaliar a padronizaçao de concentraçao de reagentes, método de aplicaçao e interpretaçao, para seu uso rotineiro na prática clínica.

 

AGRADECIMENTOS

- Phadia divisions Thermo Fisher Scientific.

- Alko do Brasil.

- Rosangela Prendin Tortora (Biomédica SME-Imunologia HUCFF/UFRJ).

 

REFERENCIAS

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