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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Janeiro-Março 2024 - Volume 8  - Número 1


Comunicação Clínica e Experimental

Dermatite de contato alérgica por flores: a importância do teste de contato personalizado

Allergic contact dermatitis to flowers: the importance of personalized patch testing

Lucas Braga Leite; Juliana Emi Dias Ujihara; Flávia Regina Ferreira; Fátima Maria de Oliveira Rabay; Elisangela Manfredini Andraus de Lima


Hospital Universitário de Taubaté, Serviço de Dermatologia - Taubaté, SP, Brasil


Endereço para correspondência:

Lucas Braga Leite
E-mail: lucasbrale@gmail.com


Submetido em: 06/10/2023
Aceito em: 28/02/2024.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

A dermatite de contato por plantas é um problema ocupacional muito comum. Flores e folhas são relatadas como causadoras de dermatite irritativa primária, tanto química como mecânica, dermatite de contato alérgica e fitofotodermatites. Frente à variedade de plantas potenciais causadoras de dermatoses e o modo como foi concluído o diagnóstico, relatamos um caso de dermatite de contato alérgica pelo gênero Chrysanthemum em uma paciente florista que buscou seu diagnóstico por mais de 10 anos. Fragmentos das pétalas e folhas de manuseio mais frequente pela paciente foram utilizados para confecção de um teste de contato personalizado que permitiu a conclusão diagnóstica e correta condução da paciente. Assim, ressaltamos a importância da realização do teste de contato personalizado, em especial nos casos suspeitos de dermatite de contato alérgica, onde o teste (bateria padrão) resultou negativo e/ou as substâncias suspeitas não se encontraram contempladas.

Descritores: Dermatite ocupacional, dermatite alérgica de contato, plantas, Chrysanthemum.




Introdução

As plantas têm grande valor na medicina, tanto por seus efeitos adversos, quanto por seus efeitos benéficos. Dentre os efeitos benéficos, incluem-se o tratamento de úlceras; de doenças infecciosas, como acne, herpes e escabiose; e de doenças inflamatórias, como a psoríase. Entretanto, podem ser responsáveis por diversas dermatoses1.

A dermatite de contato por plantas é um problema ocupacional muito comum2, sendo estimado que 50% das dermatoses observadas em trabalhadores agrícolas seja causada por plantas, enquanto menos que 20% seja devido a reações a pesticidas e outros produtos químicos1,2.

Dentre as plantas mais envolvidas nos casos de dermatite encontram-se as da família Asteraceae (ou Compositae), que apresenta 1.535 gêneros e cerca de 23.000 espécies, cultivadas como ornamentais, medicinais, apícolas, oleaginosas, aromáticas, inseticidas e comestíveis3,4.

Frente à ampla variedade de plantas potenciais causadoras de dermatoses, a longa jornada da paciente até seu diagnóstico e o modo como este foi concluído, relatamos um caso de dermatite de contato alérgica (DCA) por flores do gênero Chrysanthemum, da família Asteraceae, ressaltando a importância do teste de contato personalizado.

 

Relato de caso

Paciente feminina, 63 anos, florista, com queixa de "alergias no corpo" há 10 anos. Ao exame dermatológico apresentava liquenificação nas palmas das mãos (Figura 1), pápulas eritêmato-acastanhadas escoriadas na face, antebraços (Figura 2A) e dorso, além de eritema, descamação fina e hipercromia na região periorbital direita (Figura 2B). Referia prurido e eritema nas mãos por 10 anos, com piora nos últimos dois anos e disseminação para outras áreas do corpo. Afirmou ter consultado seis profissionais anteriormente, realizando a pedido de um deles, teste de contato com bateria padrão, que resultou negativo.

 


Figura 1
Palmas das mãos: espessamento da pele com acentuação das linhas palmares (liquenificação)

 

 


Figura 2
(A) Antebraços: pápulas eritêmato-acastanhadas, algumas escoriadas. (B) Região periorbital direita: hipercromia e descamação fina

 

Questionada sobre sua ocupação, afirmou trabalhar com flores há 25 anos. Partindo dessa informação, optamos pela realização de um teste de contato personalizado, utilizando as flores e folhas de manuseio mais frequente pela paciente.

Foram incluídas duas folhas conhecidas popularmente como "Aricana" e "Avencão" (Geonoma gamiova e Rumohra adiantiformis, respectivamente) e as pétalas e respectivas folhas de quatro flores conhecidas popularmente como "Crisântemo Calábria" (Dendranthema grandiflorum), "Crisântemo Rage" (Dendranthema grandiflorum cv. Rage), "Rosa" (Rosa spp.) e "Tango" (Solidago canadensis), num total de 10 possíveis alérgenos (Figura 3).

 


Figura 3
Possíveis alérgenos testados

 

Os espécimes (folhas/flores) foram extraídos, macerados e aplicados diretamente sobre a pele, sendo fixados com fita micropore.

Na primeira leitura (48 horas) observou-se discreto eritema no número 1 e eritema e pápulas nos números 3, 4, 5 e 6. Na leitura final (96 horas) observado intenso eritema, pápulas e vesículas nos números 3, 4, 5 e 6 correspondentes a pétala do Crisântemo Calábria, folha do Crisântemo Calábria, pétala do Crisântemo Rage e folha do Crisântemo Rage, respectivamente (Figura 4).

 


Figura 4
Teste de contato personalizado: positividade para os alérgenos 3, 4, 5 e 6 (pétala do Crisântemo Calábria, folha do Crisântemo Calábria, pétala do Crisântemo Rage e folha do Crisântemo Rage, respectivamente)

 

Frente ao resultado obtido fortemente sugestivo da relação causal entre a dermatite da paciente e as plantas testadas, concluiu-se o diagnóstico de DCA pelas flores e folhas do gênero Chrysanthemum.

A paciente foi orientada quanto à necessidade do afastamento do agente causal (plantas do gênero Chrysanthemum) e/ou uso de equipamentos de proteção individual como máscaras e luvas. Não foram prescritas medicações tópicas ou sistêmicas, apenas emolientes. Após um ano de acompanhamento, paciente apresenta melhora importante do quadro, referindo apenas contatos acidentais esporádicos com recidiva dos sintomas.

 

Discussão

Flores e folhas são relatadas como causadoras de dermatite irritativa primária, tanto química (ex: venenos) como mecânica (ex: espinhos), dermatite de contato alérgica e fitofotodermatites1-3,5. Além disso, contaminantes como inseticidas, agrotóxicos e artrópodes também podem ser os responsáveis5.

Apesar de poucos estudos, uma alta incidência de DCA e fototoxicidade pela família Compositae/Asteraceae é relatada, sendo a alantolactona, a arteglasina A, a arbusculin A e outras sesquiterpenlactonas, os principais alérgenos associados3-5.

A positividade do teste personalizado para duas flores e respectivas folhas do gênero Chrysanthemum, relatado como importante causador de alergias respiratórias e cutâneas, dentro da família Asteraceae, corrobora a literatura existente sobre o tema4. A face e as mãos, concordando com o presente relato, são os sítios mais envolvidos6.

Para diagnóstico de tais dermatoses, o teste de contato padrão pode ser útil, uma vez que é possível ocorrer reação cruzada entre determinados alérgenos e algumas substâncias da bateria padrão (ex.: parafenilenodiamina), contribuindo no raciocínio diagnóstico5. Uma alternativa mais eficaz relatada utiliza mix de sesquiterpeno lactonas ou mix de extratos de plantas Compositae, detectando até 90% dos casos de alergia a esta família. No entanto, na prática clínica diária, a indisponibilidade de tais produtos é comum, sendo a única alternativa viável a realização do teste de contato com os potenciais agentes causais, aplicados diretamente na pele4.

O mecanismo etiopatogênico do teste de contato é o mesmo da dermatite de contato alérgica. Supondo que houve sensibilização prévia pela planta, a via aferente da dermatite de contato alérgica ao antígeno foi elicitada. A realização do teste de contato com os prováveis agentes causais induz a formação da via aferente pelos linfócitos T sensibilizados e provoca a lesão local. A leitura dos resultados do teste após 48h e 96h se justifica pelo tempo necessário para expandir os linfócitos na epiderme. O teste de contato teve sua indicação única nesse relato por se tratar de DCA. Na dermatite de contato irritativa não existe os fenômenos imunológicos descritos na DCA.

Este relato destaca a importância de uma anamnese detalhada, principalmente em casos crônicos/arrastados, cujos pacientes já passaram por diversas especialidades médicas, submeteram-se a diversos tratamentos, e por vezes já se encontram céticos em relação ao seu problema. Além disso, ressalta que plantas podem desencadear dermatoses, destacando as do gênero Chrysanthemum, muito usadas em floriculturas. Por fim, enfatiza a importância de um teste de contato personalizado, principalmente nos casos altamente suspeitos e nos quais os prováveis agentes causadores não se encontram contemplados na bateria padrão.

 

Referências

1. Otang WM, Grierson DS, Afolayan AJ. A survey of plants responsible for causing irritant contact dermatitis in the Amathole district, eastern cape, South Africa. Journal of Ethnopharmacology. 2014;157:274-84.

2. Modi GM, Doherty CB, Katta R, Orengo IF. Irritant contact dermatitis from plants. Dermatitis. 2009;20(2):63-78.

3. Corazza M, Miscioscia R, Lauriola MM, Poli F, Virgili A. Allergic contact dermatitis due to Cineraria hybrid in an amateur gardener housewife. Contact Dermatitis. 2008;59:128-9.

4. Kuno Y, Kawabe Y, Sakakibara S. Allergic contatc dermatitis associated with photosensitivity from alantolactone in a Chrysanthemum farmer. Contact dermatitis. 1999;40:224-5.

5. Reis VM. Dermatoses provocadas por plantas (fitodermatoses). An Bras Dermatol. 2010;85(4):479-89.

6. Bingham LJ, Tam MM, Palmer AM, Cahill JL, Nixon RL. Contact allergy and allergic contact dermatitis caused by lavender: A retrospective study from an Australian clinic. Contact Dermatitis. 2019;81:37-42.

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