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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Janeiro-Março 2024 - Volume 8  - Número 1


Artigo Original

Análise do perfil clínico e epidemiológico das internações por asma no período de 2020 a 2021 em um hospital do sul de Santa Catarina

Analysis of the clinical and epidemiological profile of hospitalizations due to asthma in the period 2020-2021 in a hospital in southern Santa Catarina, Brazil

Alice Assis Pacheco; Kelser de Souza Kock


Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL, Curso de Medicina - Tubarão, SC, Brasil


Endereço para correspondência:

Kelser de Souza Kock
E-mail: kelserkock@yahoo.com.br


Submetido em: 09/09/2023
Aceito em: 28/02/2024.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

RESUMO

INTRODUÇÃO: A asma brônquica é uma doença crônica inflamatória de alta frequência mundialmente, e em especial no Brasil, onde ocorreram mais de 100.000 internações por ano, segundo dados do DATASUS. Identificar pacientes em admissão hospitalar que poderão necessitar de leito em UTI ou uso de ventilação mecânica por conta de crises asmáticas é um desafio ao profissional de saúde, portanto, faz-se importante analisar variáveis clínicas que possam predispor agravos e avaliar pacientes mais vulneráveis, para que as condutas realizadas sejam efetivas e rápidas.
OBJETIVO: Analisar o perfil clínico e epidemiológico de pacientes internados em um hospital do sul do Brasil e avaliar os preditores relacionados ao maior tempo de internação.
MÉTODOS: Estudo epidemiológico observacional, do tipo transversal, que utilizou como fonte de informação dados secundários, os quais foram obtidos através de prontuários de pacientes internados em um hospital do sul do Brasil.
RESULTADOS: Foram analisados 261 prontuários. Verificou-se que a população menor de 40 anos de idade teve maior prevalência, representando 57% das internações. Além disso, em relação a gênero e etnia, mulheres e caucasianos foram as populações com maiores taxas de hospitalização, sendo 63% e 87% das admissões hospitalares, respectivamente.A necessidade de internação em UTI foi encontrada em 1,1% dos casos (3 pacientes), cerca de 6,9% tiveram internações prolongadas (maiores de 3 dias), e 0,8% vieram à óbito (2 pacientes). Identificou-se que a baixa saturação de oxigênio e a alta frequência cardíaca tiveram relação significativa com internação prolongada.
CONCLUSÃO: É importante analisar sinais vitais no momento das admissões hospitalares e o perfil epidemiológico dos pacientes para que as populações mais prevalentes e os fatores preditivos de desfechos mais graves possam ser acompanhados e a conduta a ser tomada seja adequada e efetiva.

Descritores: Asma, hospital dia, sinais vitais, prognóstico.




Introdução

A asma é uma patologia resultante da interação de diversos fatores externos, como a exposição a alérgenos, e intrínsecos, no que tange à genética individual de cada paciente. É uma doença crônica inflamatória que se caracteriza pela presença de hiper-reatividade de vias aéreas superiores e apresenta-se, na clínica, por episódios de dispneia, tosse, sibilância e constrição torácica recorrentes, que tendem a piorar durante o período noturno e ao despertar matutino. A necessidade de internação hospitalar indica que houve descompensação da doença ou resposta ao tratamento ausente ou inadequada, levando ao aumento da susceptibilidade do paciente a complicações associadas1,2.

Segundo o DATASUS, banco de dados do Sistema Único de Saúde, no ano de 2011 o Brasil contou com mais de 100.000 internações por asma em todo seu território3. Somente na Região Sul do país, estima-se que dentre as crianças em idade escolar, 20% têm asma e, em sua maioria, casos graves e não controlados, fatores que afetam o desempenho escolar e têm como consequência a internação4. Sendo assim, a asma brônquica é um problema que afeta negativamente as rotinas diárias dos pacientes acometidos, visto que é uma patologia limitante tanto física quanto emocional e socialmente. Alguns estudos indicam que a gravidade do quadro asmático pode ser considerada inversamente proporcional à qualidade de vida, ou seja, quanto mais grave o quadro e o grau de atividade da doença, maior a limitação e pior a qualidade de vida do paciente7.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a asma é uma patologia que no Brasil é causa importante de hospitalizações pelo SUS, colocando-se entre a terceira e quarta maiores causas. Apesar da mortalidade por asma ter decaído na última década, seu tratamento segue enfrentando certas limitações no território brasileiro, e um número significativo da população ainda continua sem tratamento adequado6. Contudo, a hospitalização por agravamento de crise asmática apresenta-se com um importante número de óbitos associados6.

No Brasil, de 1996 até 2015 ocorreram mais de cinco mil óbitos por asma, sendo a maioria em crianças menores de cinco anos. Dentre estas mortes, avaliou-se também que a ocorrência era maior dentro do ambiente hospitalar (cerca de 80% dos casos)7. Assim, considerando que durante a infância os quadros asmáticos são recorrentes, é possível afirmar também que este fator representa um grande impacto na qualidade de vida8.

É um desafio ao profissional da saúde identificar os pacientes que, por conta de crises asmáticas, serão hospitalizados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou utilizarão ventilação mecânica; portanto, é importante identificar os perfis clínicos mais propensos a estas necessidades. Ao avaliar fatores que predispõem ao agravamento da asma, evidenciou-se que frequências cardíacas e respiratórias elevadas, bem como a baixa saturação de oxigênio, tiveram importante associação com as internações em UTI pediátrica (UTIP) em crianças asmáticas9-10.

Por conseguinte, evidenciou-se que a identificação de pacientes vulneráveis pode ser feita de forma mais eficaz e rápida por meio da atenção aos sinais vitais no momento de admissão do paciente na emergência9,10. Foi identificado que o escore Modified Pulmonary Index Score (MPIS) pode ser utilizado para avaliação de prognóstico na triagem de pacientes e, quando elevado, tem associação com maior permanência em UTIP9-11.

Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi analisar o perfil clínico e epidemiológico de pacientes internados em um hospital do sul do Brasil e avaliar os preditores relacionados ao maior tempo de internação.

 

Metodologia

A presente pesquisa é um estudo epidemiológico observacional, do tipo transversal, unicêntrico, que utilizou como fonte de informação dados secundários. O estudo foi realizado por meio de prontuários eletrônicos (Sistema Philips Tasy®) disponibilizados por um hospital localizado no sul de Santa Catarina. O presente estudo analisou pacientes de ambos os sexos e sem delimitação de faixa etária, que foram hospitalizados durante o período de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, e cuja causa da internação tenha sido o CID J 45. Foram incluídos no estudo os pacientes hospitalizados no HNSC entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021, pacientes cujo prontuário eletrônico esteja disponível no HNSC, e pacientes cuja causa da hospitalização tenha sido o agravo do quadro asmático. Importante comentar que o desconforto respiratório foi o critério de internação considerado pelos plantonistas do hospital. E foram excluídos do estudo os pacientes cujos prontuários estiveram incompletos a ponto de impossibilitar o registro de dados, e pacientes que estiveram hospitalizados durante a coleta de dados.

Este trabalho foi realizado por meio de um formulário de pesquisa. Tal formulário foi elaborado contendo variáveis sociodemográficas, relacionadas à internação e sinais vitais dos pacientes participantes da pesquisa. Os dados clínicos foram coletados na admissão do paciente no hospital. Sendo as variáveis idade (descrita numericamente e categorizada em 0 a 9 anos, 10 a 19 anos, 20 a 39 anos, 40 a 59 anos e ≥ 60 anos), etnia, sexo, comorbidades respiratórias associadas, quadro de COVID-19, tabagismo, necessidade de internação em UTI, necessidade de ventilação mecânica (VM) ou oxigenoterapia (O2) durante a internação, tempo de internação, mortalidade e sinais vitais na admissão: pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD) saturação periférica de oxigênio (SpO2), frequências cardíaca (FC) e respiratória (FR).

A coleta dos dados teve início apenas após anuência do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Este trabalho foi aprovado sob o Parecer nº 5.542.011, assinado em 24 de julho de 2022. Para esta pesquisa, o TCLE foi dispensado.

Os dados foram organizados no software Microsoft Excel® e, posteriormente, exportados para análise no software SPSS 20.0. As variáveis quantitativas foram descritas através de medidas de tendência central e dispersão de dados, e as qualitativas através de frequência absoluta e percentual. As diferenças de proporções foram testadas pelo teste de Qui-quadrado (χ2). Foi realizada regressão logística bivariada e multivariada para obtenção do odds ratio (OR). Na análise multivariada, foram consideradas as variáveis com p < 0,2, utilizando o método backward. O nível de significância estatística adotado foi de 5% (valor de p < 0,05).

 

Resultados

Na presente pesquisa foi avaliado um total de 261 pacientes submetidos à internação por asma no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, e um hospital do sul de Santa Catarina. A média de idade verificada foi de 39,9 anos (desvio padrão (DP): 16,8). A faixa etária dos pacientes foi avaliada em três categorizações, sendo a primeira com menores de 40 anos, a segunda de pacientes entre 40 e 60 anos, e a terceira de pacientes com mais de 60 anos de idade.

Na Tabela 1 pode-se avaliar a existência de associação entre a faixa etária e a necessidade de hospitalização, visto que em mais da metade dos casos (57,1%) as internações ocorreram em pacientes menores de 40 anos. Também é possível identificar que mulheres foram mais acometidas que homens, representando 62,8% das internações. Ainda na Tabela 1, evidencia-se que na variável de etnia, a população branca foi muito mais frequentemente hospitalizada que as demais populações, representando 87% dos casos de hospitalização por agravo da crise asmática.

 

 

Em relação às comorbidades respiratórias preexistentes, verificou-se que estavam presentes em cerca de 15% dos casos, e, dentre elas, a de maior frequência foi a doença pulmonar obstrutiva crônica, que acometia 4,6% dos pacientes. Sobreposições de comorbidades respiratórias foram pouco vistas, apenas 1,2% dos hospitalizados apresentavam mais de uma doença de vias aéreas concomitantemente. Além disso, apesar de na maioria dos prontuários não constar a informação do paciente ser tabagista atual ou prévio (74,7%), ainda foi possível relacionar o tabagismo com as internações, considerando-se que dentre os 66 pacientes cujos prontuários detinham informações sobre tabagismo, 5,8% afirmaram ser tabagistas prévios ou ativos atualmente. Esta foi a única variável que apresentou dados faltantes, sendo descartada das outras análises estatísticas.

Dentre os 261 pacientes avaliados, houve necessidade de oxigenoterapia em 6,2%, com prevalência do uso de cateter nasal. Em relação ao desfecho clínico das hospitalizações, os pacientes majoritariamente receberam alta do quadro; entretanto, neste estudo houve necessidade de internação em UTI em 1,1% dos casos (3 pacientes), cerca de 6,9% tiveram internações prolongadas (maiores de 3 dias), e 0,8% vieram a óbito (2 pacientes com idade ≥ 60 anos).

A Figura 1 apresenta a distribuição dos sinais vitais no momento da admissão hospitalar. Por meio dela, é possível identificar que a média de valores da pressão arterial sistólica dos pacientes foi de 132 mmHg e pressão arterial diastólica de 80 mmHg, classificando um grau de hipertensão no momento em que o paciente foi admitido no hospital. Já em relação à frequência respiratória, foi avaliado que cerca de 97% dos hospitalizados se apresentava dentro dos parâmetros considerados normais, com a frequência de 20 irpm. Percebe-se, ainda analisando a Figura 1, que em relação à saturação de oxigênio, os pacientes tiveram tendência de seguir os parâmetros assim como na frequência respiratória, com 96% dos hospitalizados apresentando a saturação entre 98% e 100%. Os valores de frequência cardíaca mostraramse mais imprevisíveis, variando tanto entre pacientes com batimentos normais entre 60 e 100 bpm, quanto pacientes com 100 bpm ou mais, configurando uma taquicardia no momento da internação.

 


Figura 1
Sinais vitais na admissão hospitalar de pacientes internados por asma no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2021 em um hospital do sul de Santa Catarina

 

Ao comparar os pacientes que foram hospitalizados por um tempo de 3 ou mais dias, foi observado que em 93,1% das 261 hospitalizações houve alta do paciente em menos de 3 dias, enquanto que internações mais prolongadas (com 3 dias ou mais) a relação foi de 6,9%.

Analisando a Tabela 2, pode-se observar que não houve diferença estatística significativa entre o sexo e tempo de internação, indicando que homens e mulheres possuem a mesma probabilidade de ficarem mais tempo internados.

 

 

Além disso, foi possível observar que pacientes de 10 a 19 anos tiveram mais chance de internações prolongadas quando comparados aos pacientes de 20 a 59 anos. Já em relação às comorbidades associadas à crise asmática, evidenciou-se uma tendência na diferença estatística (p = 0,086), indicando que os indivíduos portadores de doenças respiratórias apresentam uma propensão de permanecerem por mais tempo.

Na análise dos sinais vitais, a PAS e a FC dos pacientes apresentaram-se mais elevadas nas internações por mais de 3 dias. E, em relação à SpO2, ocorreu o oposto, visto que a saturação dos pacientes mostrou-se menor durante internações prolongadas.

Na análise por regressão multivariada, entraram no modelo as variáveis PAS, FC, FR, SpO2, faixa etária e presença de comorbidades respiratórias. Apenas as variáveis FC e SpO2 se mostraram significativas para o desfecho tempo de internação maior ou igual a 3 dias. A FC apresentou um OR (IC 95%) de 1,030 (1,005 - 1,057) com p = 0,021, e para a SpO2 o OR (IC 95%) foi de 0,787 (0,698 - 0,886) com p < 0,001.

 

Discussão

A asma brônquica é uma comorbidade em que o portador apresenta um quadro de inflamação crônica de vias aéreas inferiores, associada a um conjunto de condições clínicas que podem variar conforme a gravidade, fatores de risco, resposta ao tratamento e genética12. Entre os anos de 2008 e 2013, as internações por asma no Brasil totalizaram 1.054.184 pacientes, fator que determina significativa prevalência da patologia na população brasileira e a necessidade de avaliar fatores preditivos e associados, para que se possa determinar as condutas adequadas13.

Dentre os principais achados deste estudo, foi evidenciado que internações por asma tiveram prevalência em mulheres, principalmente na faixa etária de 40 anos, e em pacientes caucasianos. Analisouse, ainda, que a saturação de oxigênio no momento da admissão hospitalar era frequentemente superior a 90%, sendo comum os pacientes apresentarem discretas taquipneia e taquicardia, ainda que ambas variáveis não tenham sido fatores predisponentes de agravo das internações. Fez-se possível, portanto, determinar uma população alvo que necessita de maior atenção durante a hospitalização, caracterizada pela baixa SpO2 associada a taquicardia, e sua associação com internações mais graves.

O presente estudo analisou 261 prontuários de pacientes internados por agravo de crise asmática e verificou-se que houve predomínio da população branca, um achado que difere de estudo realizado ao norte da Califórnia14, nos EUA, que avaliou 242 pacientes hospitalizados por asma e identificou que as taxas de internação hospitalar fizeram-se mais frequentes em outras raças. Um estudo realizado na cidade de Nova York, EUA, também referiu a população branca como menos frequente, apresentando 81,8% dos pacientes internados de raça negra ou hispânicos15. Entretanto, em pesquisa feita nos EUA avaliando uma estimativa dos gastos nacionais com as internações por asma, houve concordância com o achado desta pesquisa, mostrando prevalência de pacientes caucasianos sendo hospitalizados por asma16. Isso indica que a população mais afetada não é um fator definido, e é influenciado pela região onde serão analisados os pacientes, como no presente estudo, em que a população da etnia branca é a mais prevalente no sul do Brasil.

Em relação ao sexo, esta pesquisa constatou que mulheres tiveram maior prevalência de internações que homens (62,8%), um resultado que discorda do encontrado em pesquisa também nos EUA16, que apresentou predomínio das admissões hospitalares na população masculina até a faixa etária de 18 anos. Já nos trabalhos realizados com populações de Nova York17 e da Pensilvânia18, evidenciaram-se achados semelhantes ao desta pesquisa, com a população feminina necessitando de internação mais frequentemente17. Portanto, define-se que mulheres frequentemente apresentam maior taxa de internações por asma, apesar da variação em determinadas regiões e algumas faixas etárias em que ocorre o oposto19. Este fator ocorre por conta da fisiopatologia da asma, visto que é uma doença inflamatória em que ocorre aumento de células CD4+ Th2, mastócitos, basófilos e células de imunidade inata19. E, neste sentido, os hormônios ovarianos, progesterona e estrogênio, apuram as respostas imunes inatas e adaptativas, que conduzem à inflamação de vias aéreas no quadro de asma. Já os hormônios andrógenos, como testosterona e 5-alfa-diidrotestosterona, fazem o oposto, suprimindo a resposta e, consequentemente, reduzindo o quadro inflamatório19.

Ainda em relação aos dados sociodemográficos, a média de idade obtida neste estudo foi de 39,9 anos, o que está de acordo com estudos em que a população internada apresentava-se, majoritariamente, dentro da faixa etária de 36 a 64 anos de idade17,18. Entretanto, este dado é divergente do evidenciado na Finlândia20, onde estudos realizados apresentaram uma taxa de admissão hospitalar superior em pacientes acima dos 70 anos de idade; porém, essa divergência pode ser explicada ao se avaliar a pirâmide etária dos dois países. No Brasil, de acordo com o IBGE, idosos acima de 60 anos de idade representam cerca de 14% da população, enquanto na Finlândia essa faixa etária é de cerca de 24% da população21,22. Ou seja, as hospitalizações mais frequentes em idosos na Finlândia corroboram com os dados populacionais e o grande contingente de pessoas acima de 60 anos, visto que é um país com certo grau de preocupação quanto à população idosa em crescente. Portanto, o alto índice de internações de pacientes em idade senil faz-se proporcional, na Finlândia, à porcentagem da população desta faixa etária. Dessa forma, é possível perceber que o perfil etário das internações é variável, e, desconsiderando casos mais leves ou mais graves, a internação por asma não tem correlação com a idade.

Tratando-se do desfecho dos pacientes acompanhados durante este estudo, evidenciou-se que a maior parte recebeu alta hospitalar, entretanto, cerca de 6,9% necessitaram de internação prolongada, 1,1% em UTI e 0,8% vieram a óbito. Em estudo realizado na Nova Zelândia, que avaliou cerca de 270 prontuários médicos, o número de pacientes que evoluiu para óbito também foi considerado pequeno, representando 17% das internações. Porém, neste estudo os casos de óbito avaliados foram apenas os de pacientes com asma grave e que já haviam sido hospitalizados por asma previamente; portanto, os 17% de óbitos também devem ser analisados com atenção, pois não podem ser utilizados para comparações com pacientes cujo quadro é moderado ou leve23. Na Califórnia, foi identificado que apesar da mortalidade por asma ter decaído nos últimos anos, ainda é frequente e ocorre principalmente com o aumento da idade, em especial quando pacientes pertencem à faixa etária de mais de 60 anos, dado que também reafirma os achados desta pesquisa, visto que os dois óbitos evidenciados nos prontuários ocorreram em pacientes com esta idade24. Já em relação ao sexo e sua relação com o óbito, não foi possível testar associação; contudo, o estudo realizado na Califórnia, que analisou todos os óbitos por descompensação de asma dentro do período de 1960 e 1989, não encontrou diferença significativa na comparação da mortalidade entre os sexos24.

A necessidade de internação em UTI também foi pouco prevalente nesta pesquisa. Apesar das internações por asma terem aumentado em diversos países, a incidência de exacerbações do quadro com maior gravidade tem decaído. Este fator deve-se ao acesso à saúde mais disponível e a melhorias nas estratégias de manejo e terapias. Em estudo realizado nos EUA, foi avaliado que dentre 33.000 pacientes com quadro asmático necessitando de assistência hospitalar, apenas 10% necessitou de leito em UTI, e 2% de ventilação mecânica invasiva25. Estes achados estão de acordo com o do presente estudo, visto que dentre os 261 pacientes avaliados, apenas 3 precisaram de ventilação mecânica invasiva, representando 1,1% dos internados. Já em relação à UTI, os dados desta pesquisa foram menores em comparação com o estudo dos EUA, pois em apenas 1,1% dos casos houve necessidade de UTI. Entretanto, apesar da incidência de internações em UTI estar em declínio, ainda apresenta importante associação com óbitos. Dentre as três internações em UTI evidenciadas nesta pesquisa, em duas o desfecho foi óbito, ou seja, 66,6% dos pacientes admitidos em leito de UTI foram a óbito. Além disso, no presente estudo o total de pacientes que vieram a óbito representa 0,8% dos internados, e nos dois casos de óbito houve internação prolongada e prévia em UTI.

Os sinais vitais do paciente no momento da admissão hospitalar mostraram-se importantes para uma análise de uma futura internação prolongada. Neste estudo, identificou-se que na maior parte das internações, os pacientes apresentavam-se com saturação de oxigênio acima de 95%, fator que colaborou para que recebessem alta hospitalar em período inferior a três dias de internação. Em contrapartida, ao avaliar pacientes que tiveram internações prolongadas, evidenciou-se que a saturação de oxigênio no momento da chegada ao hospital foi mais baixa. Em concordância com estes achados, uma pesquisa feita na Europa também encontrou dados de que pacientes hospitalizados por asma detinham o perfil clínico de SpO2 numa média de 89,8%26. Quanto às frequências cardíaca e respiratória, a média encontrada nos pacientes deste estudo foi de 96 bpm e 20,6 irpm, respectivamente, valores que são considerados discretamente aumentados em relação a parâmetros clínicos. No estudo europeu, entretanto, o encontrado foi de pacientes que, no momento da internação, apresentavam-se taquipneicos e taquicárdicos26. Em estudos avaliando casos de internação por asma na pediatria, os dados estão de acordo com o desta pesquisa, também com evidências de saturação de oxigênio reduzida no momento da chegada ao hospital9,27.

Analisar o perfil tabagista dos pacientes fez-se um desafio por conta da falta desta informação em grande parte dos prontuários, e com isso determinar uma possível associação entre pacientes tabagistas e seus desfechos clínicos após a hospitalização por asma. O mesmo ocorreu em relação à infecção por COVID-19, visto que no presente estudo não foi possível afirmar uma correlação entre casos mais graves de crise asmática com infecções prévias ou atuais pelo vírus, por conta da ausência desta informação nos prontuários médicos. Porém, em revisão sistemática realizada, evidenciou-se que existiu prevalência de 7,46% de asma brônquica em pacientes que tiveram teste positivo para COVID-1928. Além disso, também foi identificado que quadros não graves de asma em pacientes infectados por COVID-19 eram mais comuns que quadros de maior gravidade28. Já em relação a pacientes ainda não infectados, constatou-se que portadores de asma eram 14% menos propensos a adquirir tal infecção, mostrando um grau de resistência ao vírus28.

Por fim, é possível observar que sinais vitais são importantes fatores preditores do desfecho clínico dos pacientes, e devem ser avaliados com atenção para que seja possível propor uma conduta adequada e individualizada aos hospitalizados9,10,27. Este estudo demonstrou que a associação de baixa SpO2 e taquicardia foram fatores associados à internação prolongada. Ademais, é importante comentar que o perfil de pacientes hospitalizados por asma neste estudo apresentou baixa gravidade, decorrente da boa evolução clínica na grande maioria dos casos.

O presente estudo deparou-se com certas limitações quanto aos prontuários médicos analisados, visto que diversas informações referentes à saúde do paciente não estavam presentes no prontuário. Na maioria das internações não constava no prontuário do paciente se houve infecção por COVID-19 ou não, bem como o histórico de tabagismo do paciente que, diversas vezes, não era questionado.

Além disso, prontuários incompletos também limitaram esta pesquisa, visto que variáveis que foram analisadas no momento da admissão hospitalar, por vezes não haviam sido registradas no sistema do hospital. Também é importante considerar que, em se tratando de um estudo unicêntrico, o perfil do hospital implica em uma seleção dos pacientes atendidos e representados na amostra. Dessa forma, deve ser vista com cautela a extrapolação da população estudada como representativa para outros contextos socioeconômicos e geográficos. O próprio estado de Santa Catarina, e a Região Sul como um todo, possuem uma composição demográfica diferente do restante do país.

 

Conclusão

Ao analisar os prontuários dos pacientes submetidos a hospitalização por agravo da crise asmática em um hospital do sul do Brasil, constatou-se que as admissões hospitalares ocorreram majoritariamente em pacientes da etnia branca, mulheres, em média de idade de 40 anos, com discreta taquicardia e taquipneia e SpO2 superior a 90% no momento da internação.

Foi observado que a taquicardia e baixa SpO2 foram predisponentes para as internações prolongadas.

 

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