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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2023 - Volume 7  - Número 2


CARTA AO EDITOR

Transtorno do estresse agudo e asma: onde estaria nas emergências?

Acute stress disorder and asthma: where would it be in the emergency room?

Francisco Machado Vieira


DOI: 10.5935/2526-5393.20230034

Departamento Científico de Alergia Ocular - ASBAI. Clínica de Alergia e Imunologia - Caxias do Sul, RS, Brasil


Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.




Prezado Editor,

A asma é uma doença heterogênea, usualmente caracterizada pela inflamação crônica da via aérea. É definida pela história dos sintomas respiratórios, tais como sibilos, respiração ofegante, aperto torácico e tosse, que variam em intensidade, associada à limitação variável do fluxo aéreo expiratório. Pacientes com infrequentes sintomas podem apresentar exacerbação severa ou mesmo fatal, muitas vezes imprevisíveis, tais como em infecções virais, exposição a alérgenos, poluição aérea e estresse1.

O transtorno do estresse agudo (TEA) é um tipo diferenciado, no qual pode aumentar a resposta imune celular antígeno específica, sendo, muitas vezes, associada à exacerbação aguda de asma. Isso pode acontecer tanto por estressores físicos, como psicológicos2.

Para o indivíduo ser diagnosticado com TEA, é necessário que tenha sido exposto a um evento traumático grave, descrito como "experimentar ou testemunhar situações de morte, risco de morte ou de graves danos à própria integridade física ou à de terceiros", e que essa experiência tenha sido vivenciada com medo intenso, impotência ou horror3.

Durante crises mais graves de asma, o paciente pode apresentar ansiedade, agitação, diaforese, alteração das funções cerebrais, taquidispneia e cianose. Infere-se, portanto, que se torna particularmente difícil, na história clínica, caracterizar as situações responsáveis pelo desencadeamento, em especial, o nível de um possível TEA e crise de ansiedade.

Pacientes e clínicos admitem, muitas vezes, que "asma leve" significa nenhum risco e nenhuma necessidade de tratamento de controle, mas que um percentual acima de 30% das mortes por asma associa-se a pessoas com infrequentes sintomas. É sugerido que esse termo deveria ser evitado, lembrando os riscos de uma severa exacerbação1.

Existem evidências de que o TEA e a ansiedade sejam repetidamente associados a elevados níveis de óxido nítrico exalado (FeNO), usado como marcador de inflamação da via aérea em asma4.

Na emergência, o paciente pode apresentar-se taquidispneico com alterações do nível de consciência, dificuldade de fala, e, mesmo, vômitos, dificultando a obtenção de uma história clínica, quando um ataque de pânico poderia ser confundido com asma1. O estresse é frequentemente associado à exacerbação da asma. A percepção por um indivíduo geralmente causa a atuação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e uma subsequente liberação de glicocorticoides e catecolaminas. O efeito desses na asma é complexo, pois o estresse demonstrou que pode aumentar e/ou atenuar os sintomas1,2. O fato de diferentes tipos de estressores (físicos versus psicológicos) poderem provocar diferentes respostas bioquímicas e fisiológicas pode explicar, parcialmente, algumas diferenças na doença atópica.A duração de um estressor pode afetar, diferentemente, a resposta imune. O TEA pode aumentar a resposta imune mediada por células, mas, em contraste, o mesmo estressor, quando for crônico, pode suprimi-la2.

A disfunção das cordas vocais é um termo que se refere a uma inapropriada adução (fechamento) durante o período de inspiração, e, algumas vezes, na expiração, podendo ser um importante fator para mimetizar a asma e um consequente fator de confusão. A sua presença deveria ser avaliada durante o período de TEA, já que é proposto de ser ele uma reação psiquiátrica do tipo de conversão5. O diagnóstico pode ser realizado através de laringoscopia direta com a visualização das cordas vocais, por um movimento paradoxal, não podendo ser inteiramente explicado como sendo um distúrbio físico conhecido. Entretanto, devem ser afastados possíveis gatilhos, incluindo o refluxo gastroesofágico, ou extrínsecos, como irritantes químicos.

O estresse psicológico, na asma, proporciona repercussões genéticas e epigenéticas quando, então, influenciam os receptores ß2-adrenérgicos, e os glicocorticoides, com uma diminuição da resposta a essas drogas. Associam-se mudanças na função respiratória, incluindo a piora da obstrução e inflamação, identificadas através da diminuição do volume expiratório forçado em um segundo (VEF1) e do aumento de gases inflamatórios exalados em asma alérgica6. Entretanto, é importante notar que a asma não é, primariamente, uma doença psicossomática1.

Em décadas passadas, durante estágio que realizei por meses na Division of Allergy and Clinical Immunology (University of South Florida/Veterans Administration Hospital, Tampa - EUA), foram registrados casos em que veteranos (da guerra da Coreia), estando assintomáticos pela asma, relatavam "severa crise" em combate ou em missões de elevado risco de vida. Existiria, atualmente, um questionamento não identificado na época:"Asma ou disfunção de cordas vocais por TEA?".Esse é um exemplo e ensinamento marcante que poderia ser transferido para a vida real na nossa atualidade.

A apresentação clínica da disfunção de cordas vocais é amplamente variável, podendo apresentar estridor laríngeo, aperto na garganta, dispneia, disfonia associadas a vários gatilhos, incluindo o TEA, e não responder ao tratamento convencional para asma, sendo um diagnóstico raramente suspeitado durante períodos de estresse5.

Em casos de TEA, quando associado à asma, os benzodiazepínicos são potencialmente contraindicados em longo prazo, pois seriam iatrogênicos3. Sugere-se uma avaliação e um acompanhamento psiquiátrico. Em uma revisão, o médico deveria "não escutar, mas ouvir o paciente", ou seja, o que o outro sente e deseja comunicar, independentemente de ser, ou não, um psiquiatra7.

O objetivo dos protocolos, na asma de difícil controle, é de guiar médicos, visto que eles não excluem a ideia de uma medicina personalizada8.

O TEA, associado à asma com crise aguda e severa, em pacientes assintomáticos, não deveria ser visto como uma "entidade órfã", mas investigado.

 

Referências

1. Global Initiative for Asthma. Global Strategy for Asthma Management and prevention. 2022. Disponível em: www.ginasthma.org.com. Acessado em: 07/01/2023.

2. Sutherland MA, Shome GP, Hulbert LE, Krebs N, Wachtel M, Mcclone JJ. Acute stress affects the physiology and behavior of allergic mice. Physiology and Behavior 2009;(98):281-7.

3. Brunoni AR, Leal OM, Olmos RD. Interconsulta em doenças respiratórias. In: Miguel EC, Gentil V, Gattaz WF (eds.) Clínica Psiquiátrica. Barueri: Manole; 2011. p. 666-82.

4. Ritz T, Trueba AF. Airway nitric oxide and psychological processes in asthma and health: a review. Ann Allergy Asthma Immunol. 2014;112:302-8.

5. Dunn NM, Katial RK, Hoyte FCL. Vocal cord dysfunction: a review. Asthma Research and Practice 2015;(1):1-8.

6. Lira GVA, Pontes da Silva GA, Wandalsen GF, Sarinho ESC. Psychological stress in asthma: repercussions on epigenetics - genetics, imune-responses, and pulmonary function in the pediatric population. Allergologia et immunopathologia. 2022;50(2):78-88.

7. Zunta G. Comunicação pessoal, Professor of Psychiatry, University of Texas, Houston, EUA.

8. Giavina-Bianchi P, Aun MV, Bissancioni Agondi R, Kalil J. Difficultto-control asthma, management through the use of specific protocol. Clinics. 2010;65(9):905-18.

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