Ação dos imunobiológicos na remissão da asma
Action of immunobiologics in asthma remission
Pedro Giavina-Bianchi
Editor dos Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia (AAAI). Professor Livre Docente Associado - Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia, FMUSP - São Paulo, SP, Brasil. Visiting Professor da Harvard Medical School 2012-14. Diretor da World Allergy Organization
A asma é uma síndrome de alta prevalência e morbidade, que traz grande impacto social e econômico, podendo, inclusive, ser fatal. Neste contexto, diversas organizações e sociedades médicas desenvolveram consensos e diretrizes para a melhor abordagem da asma, dentre as quais se destaca a iniciativa GINA (Global Initiative for Asthma), desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde. A iniciativa GINA promove diversas ações com o objetivo de aprimorar o manejo da asma, minimizando a morbidade decorrente da doença e o risco de morte precoce, o que permitiria aos pacientes uma vida produtiva e plena1.
Houve uma nítida melhora na abordagem e no manejo da asma nas últimas décadas. Estatísticas sobre as hospitalizações por asma no Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pelo atendimento de cerca de 70 a 75 % da população brasileira, mostram queda da taxa de internação desde 2000, quando houve o pico de 397 mil internações. Atualmente, há menos de 100 mil internações por asma ao ano, correspondendo a uma redução de 75%. Dentre os fatores que podem ter contribuído para este decréscimo de morbidade estão o desenvolvimento e a implementação de consensos e de programas de atendimento aos pacientes com asma no Brasil, inclusive com a disponibilização de medicamentos, principalmente dos corticoides inalados. Entretanto, é necessário aprimorar as ações já iniciadas e torná-las menos heterogêneas nas diversas regiões do país, pois ainda morrem por asma, cerca de 2 mil pacientes por ano2.
Neste número dos Arquivos de Asma, Alergia e Imunologia, Mello L.M. e Cruz A.A. analisam a estrutura do Sistema de Saúde Brasileiro e discutem aspectos fundamentais para que tenhamos um cuidado integrado da asma3. Também neste número, Urrutia-Pereira M. e Solé D. apresentam um resumo do relatório do Lancet Countdown South America, fruto da colaboração acadêmica multidisciplinar de instituições de ensino e agências sul-americanas de saúde de 12 países, que foi publicado por Hartinger e cols. (2023). Este estudo é um alerta, pois nele são publicados os resultados do levantamento sobre mudanças climáticas e seus efeitos sobre a saúde humana no continente sul-americano, destacando os efeitos no sistema respiratório. Conhecer estes resultados é o primeiro passo para que políticas de saúde pública sejam instituídas, e preferencialmente de modo preventivo4.
Paralelamente à melhoria do tratamento da asma e ao desenvolvimento de novos medicamentos, os objetivos deste tratamento também foram sendo aprimorados. A primeira meta era o controle da doença, e, depois, prevenir os riscos futuros associados à asma: exacerbações, perda de função pulmonar e reações adversas ao tratamento1,5. Nessa última década, o objetivo do tratamento de enfermidades crônicas que cursam com períodos de exacerbações passou a ser a indução da remissão sustentada da doença sempre que possível, e, quando este propósito não for alcançável, reduzir ao máximo e de maneira contínua a atividade da doença. Este conceito foi primeiramente estabelecido no tratamento da artrite reumatoide, onde observamos uma mudança do tratamento, migrando dos corticosteroides para medicamentos antirreumáticos modificadores de doença, incluindo mais recentemente os biológicos para o tratamento dos casos com maior gravidade6.
Em 2020 foram publicados os primeiros resultados de um projeto para chegar-se a um consenso sobre a definição de remissão da asma e de torná-la o objetivo principal do tratamento7. A ideia é que o projeto seja contínuo e interativo. Em relação à remissão, os pacientes podem ser divididos em quatro grupos: remissão clínica com e sem tratamento e remissão completa com e sem tratamento (Tabela 1). O paciente com remissão clínica deve estar assintomático e sem exacerbação por 12 meses. Pode estar usando medicações, inclusive em altas dosagens, mas não deve estar utilizando corticosteroides sistêmicos. A prova de função pulmonar deve preferencialmente estar normal, mas esta pode ser uma meta inatingível em pacientes com doença de longa duração, com tratamento inapropriado e que possam apresentar remodelamento das vias aéreas. Alguns autores argumentam que pacientes com prova de função pulmonar estável, com valores próximos da normalidade, possam ser considerados em remissão7. Outros autores consideram a melhoria de 100 mL no VEF1 em relação aos valores pré-otimização do tratamento como um critério para remissão.
A reanálise dos diversos ensaios clínicos que comprovaram a eficácia e segurança dos anticorpos monoclonais no tratamento da asma grave não controlada mostram que estes biológicos auxiliam os pacientes a alcançarem a remissão clínica da asma. A análise do registro germânico de pacientes com asma grave mostrou que o grupo de pacientes que recebeu algum anticorpo monoclonal teve melhor taxa de boa resposta ao tratamento (61,4%) e de remissão clínica (37,6%) em comparação com o grupo que não recebeu biológicos (34,8% e 17,2%, respectivamente)8.
Todos nós já nos deparamos com uma pergunta recorrente dos pacientes: a asma tem cura? Temos que ter cuidado com a resposta e explicar que embora não possamos falar em cura, o objetivo do tratamento é alcançarmos a remissão da doença. Uma vez esclarecido, o paciente estará mais propenso em participar e ter adesão a seu tratamento, aumentando a chance de sucesso deste. É importante salientar que a remissão da asma não significa sua cura, e que não elimina totalmente o risco de uma exacerbação grave, e mesmo fatal, da doença. Desde as primeiras aulas sobre asma aprendemos que o tratamento da doença começa com a orientação do paciente, quem deve compreender a diferença do tratamento de crise e de manutenção e deve estar apto para conduzir ambas as situações, inclusive tendo um plano de ação por escrito.
A remissão da asma é uma meta ambiciosa, mas fundamental para o restabelecimento da saúde plena de nossos pacientes, assegurando-lhes empoderamento e qualidade de vida.
Referências
1. Global Initiative for Asthma (GINA) [Internet]. Disponível em: https://ginasthma.org/. Acessado em: 30/06/2023.
2. Giavina-Bianchi P. Imunobiológicos na Imunologia Clínica e Alergia. Arq Asma Alerg Imunol. 2019;3(3):205-6.
3. Mello LM, Cruz AA. Aproximando a Atenção Especializada da Atenção Primária à Saúde: em busca do cuidado integral ao paciente com asma no Brasil. Arq Asma Alerg Imunol. 2023;7(2):143-53.
4. Urrutia-Pereira M, Solé D. Alterações climáticas e sua repercussão sobre a saúde humana em países da América do Sul. Arq Asma Alerg Imunol. 2023;7(2):136-42.
5. Pavord ID, Beasley R, Agusti A, Anderson GP, Bel E, Brusselle G, et al. After asthma: redefining airways diseases. Lancet. 2018;391(10118):350-400.
6. Smolen JS, Breedveld FC, Burmester GR, Bykerk V, Dougados M, Emery P, et al. Treating rheumatoid arthritis to target: 2014 update of the recommendations of an international task force. Ann Rheum Dis. 2016;75(1):3-15.
7. Menzies-Gow A, Bafadhel M, Busse WW, Casale TB, Kocks JWH, Pavord ID, et al. An expert consensus framework for asthma remission as a treatment goal. J Allergy Clin Immunol. 2020 Mar;145(3):757-65.
8. Milger K, Suhling H, Skowasch D, Holtdirk A, Kneidinger N, Behr J, et al. Response to biologics and clinical remission in the adult GAN severe asthma registry cohort. J Allergy Clin Immunol Pract. 2023:S2213-2198(23)00646-3.