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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Janeiro-Março 2023 - Volume 7  - Número 1


Comunicação Clínica e Experimental

O fruto proibido, um caso de alergia oral

The forbidden fruit, a case of oral allergy

Inês Falcão; Leonor Cunha


Centro Hospitalar e Universitário do Porto, Serviço de Imunoalergologia - Porto, Porto, Portugal


Endereço para correspondência:

Inês Falcão
E-mail: inesffalcao@hotmail.com


Submetido em: 11/03/2022
Aceito em: 03/07/2023

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

Trinta a 60% das alergias alimentares em adolescentes e adultos são associadas à alergia ao pólen e estão incluídas na síndrome pólen-frutas (SPF). Esta síndrome é caracterizada por sintomas alérgicos provocados pela ingestão de frutas ou vegetais frescos em pacientes com rinite/rinoconjuntivite alérgica sazonal. Os autores apresentam o caso clínico de um adolescente que após sensibilização primária através de pólens de gramíneas e oliveira manifestou posteriormente, por reatividade cruzada, sintomas de alergia oral com a ingestão de frutas frescas. Após recurso ao método de diagnóstico Immuno-Solid-Phase Allergen Chip (ISAC) verificou-se que as profilinas foram as proteínas responsáveis pela reatividade cruzada.

Descritores: Síndrome, pólen, frutas, adolescente, profilina.




Introdução

A rinite alérgica (RA) é comum no Brasil e o estudo ISAAC mostrou que a prevalência média foi de 29,6% entre adolescentes, e 25,7% entre crianças1. Outro estudo demonstrou que a incidência de rinite alérgica sazonal (RAS) é de 5% aos 4 anos, 8,5% aos 6-7 anos, e de 19% em pré-adolescentes2.

Trinta a 60% das alergias alimentares em adolescentes e adultos são associados à alergia ao pólen e estão incluídas na síndrome pólen-frutas (SPF)3.

A prevalência da SPF é significativamente maior no Norte da Europa, em virtude da alergia ao pólen de bétula. Osterballe e cols.4 estimaram que 40% a 50% dos pacientes com alergia à bétula tinham SPF3.

A SPF é caracterizada por sintomas alérgicos provocados pela ingestão de frutas ou vegetais frescos em pacientes com rinite/rinoconjuntivite alérgica sazonal5. É mais comum em adolescentes e adultos jovens, e caracteriza-se mais frequentemente pelo aparecimento de sintomas na cavidade oral após o contacto imediato com o alimento implicado, que incluem prurido oral, angioedema dos lábios, língua, palato ou orofaringe, aperto laríngeo, bem como parestesia das estruturas referidas. Este conjunto de sintomas típicos foi denominado de síndrome de alergia oral (SAO)3. Contudo, em casos mais graves (3%), pode haver envolvimento sistêmico com sintomas gastrointestinais, cardiovasculares e do trato respiratório. Assim, os termos SPF e SAO não devem ser usados como sinônimos6.

Este fenômeno ocorre quando as proteínas dos pólens reagem de forma cruzada com as suas homólogas nos alimentos, ou seja, proteínas presentes em pólens e em frutas/vegetais compartilham semelhanças na sequência de aminoácidos, com capacidade de estimular a produção de IgE específica e o desenvolvimento de reatividade cruzada, produzindo sintomas. Estas proteínas são denominadas de pan-alergênios. As pathogenesis-related protein type 10 (PR-10), nonspecific lipid transfer proteins (LTPs) e as profilinas são as principais responsáveis pela SPF e melhor caracterizadas atualmente3,7. O tipo de proteína envolvida na SPF é um dos fatores que pode condicionar a gravidade dos sintomas3.

A prevalência estimada de SPF em pacientes com alergia aos pólens é de 47 a 70%8.

A história clínica é a pedra basilar para o diagnóstico da SPF, que poderá ser desafiador, uma vez que nem sempre é fácil a diferenciação entre sensibilização primária, reatividade cruzada ou cossensibilização9. As moléculas que causam a SPF são geralmente lábeis, degradadas pelo calor e enzimas digestivas10.

As profilinas são proteínas que causam sensibilização a pólens de árvores e gramíneas e estão presentes, principalmente, nos frutos/vegetais da família Rosaceae, tais como: maçã, pêssego, pera, banana, manga, tomate, cenoura, entre outros11. Os doentes sensibilizados a este grupo de proteínas têm geralmente reações ligeiras, como a SAO, e toleram os frutos se estes forem cozidos10.

 

Caso clínico

Os autores apresentam o caso de um adolescente de 14 anos com rinite alérgica ao pólen de gramíneas e oliveira diagnosticada aos 9 anos na consulta de Imunoalergologia, que desenvolveu SPF. Inicialmente, referia prurido oral ligeiro após a ingestão de maçã e pera, com agravamento dos sintomas no decorrer dos anos, nomeadamente angioedema dos lábios e língua com a ingestão de banana, melancia, melão e pêssego. Negava a associação das reações com cofatores como a toma de antibióticos, anti-inflamatórios não esteroides, inibidor da bomba de prótons, exercício fisico, ingestão de álcool ou outros. Negava sintomas com outros alimentos. Negava antecedentes heredo-familiares de relevo, nomeadamente do foro imunoalergológico.

Foram realizados testes cutâneos (TC) por picada (histamina 7 mm, soro fisiológico 0 mm) positivos para maçã 7 mm, pera 6 mm, banana 5 mm, melão 4,5 mm e pêssego 6 mm e TC picada-picada positivos para maçã, pera e pêssego casca e polpa, banana e melão.

Uma vez que o doente era polisenssibilizado e encontrava-se sob múltipas restrições alimentares, foi realizado um teste de Immuno-Solid-Phase Allergen Chip (ISAC) para esclarecer o perfil de sensibilização e caracterizar a sensibilização primária do mesmo. O estudo ISAC revelou uma alta sensibilização ao polen de gramíneas devido a alérgenos específicos de espécie (Phl p 1, 2, 5, 6, 11) e positividade elevada para componentes de reatividade cruzada, as profilinas (Phl p 12, Bet v 2, Hev b 8, Mer a 1).

Uma vez que o doente apenas era sensibilizado às profilinas, foi proposta prova de provocação oral com maçã cozida, que resultou negativa.

Neste momento o doente encontra-se medicado com anti-histamínicos orais e corticosteroides intranasais na época polínica. Além disso, em caso de ingestão acidental dos alimentos mencionados, tem medicação de emergência que inclui anti-histamínicos e corticosteroides sistêmicos e caneta de adrenalina autoinjetora, se anafilaxia. Foi aconselhado a manter evicção da pera, banana, melancia, pêssego e melão.

 

Conclusão

A sensibilização primária do presente caso clínico ocorreu por via respiratória através do pólen de gramíneas e oliveira. Posteriormente, por reatividade cruzada através das proteínas profilinas, o doente desenvolveu SAO com frutas frescas. Uma vez que estas proteínas são instáveis quando da digestão por ação da pepsina e degradadas com o calor, era esperado que o doente tolerasse fruta cozida, como se verificou com a maçã cozida10.

A realização da técnica ISAC foi crucial para a exclusão do envolvimento de proteínas como as PR-10 e LTPs, associadas a reações mais graves, permitindo conhecer o perfil do paciente polissensibilizado e um possível prognóstico sobre a gravidade das reações.

Na prática clínica, quando observado um doente com sensibilização a pólens de gramíneas e/ou árvores, deve-se sempre esclarecer se existe história de sintomas com a ingestão de frutas/vegetais. Os doentes devem ser informados sobre as características e distribuição dos alergênios aos quais estão sensibilizados.

 

Referências

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11. Hauser M, Roulias A, Ferreira F, Egger M. Panallergens and their impact on the allergic patient. Allergy Asthma Clin Immunol. 2010;6(1):1. doi: 10.1186/1710-1492-6-1.

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