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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
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Número Atual:  Janeiro-Março 2023 - Volume 7  - Número 1


Artigo de Revisão

Intervenções educativas na dermatite atópica em crianças: o que há de novo?

Educational interventions for atopic dermatitis in children: what's new?

Renata Robl Imoto; Thais Braga Cerqueira; Vânia Oliveira de Carvalho


Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Serviço de Dermatologia Pediátrica - Curitiba, PR, Brasil


Endereço para correspondência:

Renata Robl Imoto
E-mail: natarobl@hotmail.com


Submetido em: 30/09/2022
Aceito em: 11/02/2023

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

A educação dos cuidadores dos pacientes com dermatite atópica (DA) pode possibilitar a melhora da qualidade de vida e minimizar a gravidade da doença, já que esta tem um imensurável impacto emocional, social e financeiro nas famílias dos doentes. Entretanto, não há um consenso de qual o escopo ideal e frequência para a entrega das informações educativas sobre a patologia e terapêutica. Esta é uma revisão integrativa de literatura cujo objetivo foi avaliar estudos sobre a eficácia de intervenções educativas para pais e pacientes pediátricos com DA na gravidade da doença e na qualidade de vida. Foi realizada uma busca nas bases de dados do PubMed e MEDLINE, em acesso realizado em 08/08/2022, incluindo publicações de 2000 a 2022, nos idiomas português e inglês, incluindo os termos: "atopic dermatitis", "education program", "therapeutic education". Foram incluídos 15 artigos nesta revisão. As metodologias dos estudos são diversas e as ferramentas utilizadas pelos pesquisadores também são heterogêneas, o que dificulta a comparação dos resultados. Dos temas abordados, o cuidado da pele e/ou rotinas básicas foram temas sempre incluídos. E, apesar da literatura demonstrar melhora na gravidade da doença e na qualidade de vida dos cuidadores e pacientes com DA após as intervenções, isso não foi um consenso entre os autores. A educação terapêutica pode ser útil para aumentar a adesão ao tratamento e prevenção de complicações; porém, estudos prospectivos com casuística maior são primordiais para esclarecer qual o escopo ideal e frequência para a entrega destas informações.

Descritores: Dermatite atópica, criança, educação.




Introdução

A dermatite atópica (DA) é uma doença recidivante crônica com prevalência superior a 20% em crianças1. A doença inicia-se na infância e persiste na idade adulta em até 60% dos pacientes2.

Falha terapêutica e dificuldade de controle da DA decorrem da incapacidade de aderir a protocolos terapêuticos de longa duração, com muitas medicações e necessidade de modificações na rotina da família. Falta de informação, esforço excessivo para controle da doença, impotência diante dos períodos de piora e falta de confiança no tratamento médico leva a uma gestão subótima da DA, e ao aumento do uso de recursos de saúde, incluindo terapias alternativas3,4, muitas vezes utilizadas sem comprovação científica, buscando a "cura milagrosa".

A educação dos pais de pacientes pediátricos com DA permite diminuir a gravidade da doença, melhora a qualidade de vida, aumenta a percepção do cuidado, desenvolve ferramentas de enfrentamento, além da redução dos gastos, e portanto, deve ser implementada na prática clínica diária5. Porém, não há um consenso de qual o escopo ideal e frequência para a entrega dessas informações6.

Esta é uma revisão integrativa de literatura cujo objetivo foi avaliar estudos sobre a eficácia de intervenções educativas para pais e pacientes pediátricos com DA na gravidade da doença e qualidade de vida.

 

Fontes de dados

Foi realizada uma busca nas bases de dados do PubMed e MEDLINE, em acesso realizado em 08/08/2022, incluindo publicações de 2000 a 2022, nos idiomas português e inglês, para embasamento teórico e contextualização do tema. Os descritores de busca foram consultados tanto no Medical Subject Heading (MeSH) quanto nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e a busca foi realizada em fonte de dados publicados.

As estratégias de pesquisa incluíram os seguintes termos: "atopic dermatitis", "education program", "therapeutic education". Foram incluídos os artigos de pesquisas empíricas que utilizaram como estratégia de intervenção a educação terapêutica com crianças e/ou adolescentes diagnosticados com DA e/ou seus cuidadores. Além disso, as listas de referências dos artigos foram examinadas para identificar publicações relevantes e elegíveis, as quais pudessem complementar a busca eletrônica.

A qualidade científica das pesquisas foi verificada a partir das seguintes categorias de análise: (1) objetivos da pesquisa, (2) população-alvo e idade dos participantes, (3) delineamento do estudo e utilização de grupo controle, (4) seguimento de avaliação da manutenção dos resultados da intervenção, (5) instrumentos de medidas utilizados, (6) temas abordados no programa e (7) principais resultados encontrados.

Um total de 162 citações foi inicialmente identificado. Após leitura de títulos, foram excluídos artigos sem relação com o tema e artigos repetidos. Procedeu-se então a leitura dos resumos. Foram selecionados 56 artigos para leitura na íntegra, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Após a leitura completa dos artigos, foram incluídos mais 2 artigos identificados nas listas de referências, que não haviam sido encontrados na busca inicial. Assim, no total, 15 artigos foram incluídos nessa revisão (Figura 1).

 


Figura 1
Fluxograma da seleção dos estudos

 

Resultados e discussão

Apesar do uso de diretrizes baseadas em evidências e diversas opções de terapia, os sintomas da DA muitas vezes não são controlados efetivamente. A doença tem um impacto emocional, social e financeiro em grande escala sobre a criança e familiares7. Os pacientes com DA têm qualidade de vida comprometida, maior probabilidade de apresentar ansiedade e depressão e aumento da necessidade do uso de recursos de saúde7‑10.

A família de crianças com doenças crônicas é sobrecarregada com os cuidados necessários para o controle da doença, o que dificulta manter por longos períodos o tratamento e as recomendações de forma adequada11. É descrito que a criança com DA exige aproximadamente 2 a 3 horas de cuidado diário12. Além disso, o cuidado com a pele da criança com DA requer habilidades dos cuidadores em realizar tarefas extras como envolver-se em regimes de cuidados para minimizar surtos13,14.

Um estudo observacional realizado na França em 2019 a 2020 avaliou as características dos pais, das crianças e dos adolescentes que participam de programas de educação terapêutica. Observou-se que o sentimento de culpa está presente nos pais de paciente com DA, seja pelo pensamento de ter transmitido a doença à criança, por exporem seus a filhos a alimentos ou alérgenos ambientais, que eles julgam ser causadores de DA, ou ainda pela sensação de abandono dos demais filhos que não possuem a doença5.

Há evidências de que o autocuidado de pacientes tem resultados benéficos na terapêutica. Ansiedade, frustração, vergonha, depressão e mudanças no estilo de vida podem ser problemas minimizados por meio de grupos de apoio, terapias familiares ou acompanhamento individualizado7,11,15, por isso, uma das abordagens para promover habilidades de autocuidado é fornecer informações básicas sobre a natureza da doença e tratamento, por meio de serviços de apoio e informação, assim como, fornecendo materiais de aprendizagem16. Uma avaliação de satisfação realizada na Espanha com os pais de pacientes que participaram dos grupos de educação terapêutica na DA, demostrou que eles consideraram a informação essencial para controle eficaz dos surtos, bem como da melhora na qualidade de vida3.

Porém, na prática clínica, é difícil para os profissionais de saúde educarem seus pacientes de forma adequada, já que muitos médicos têm tempo insuficiente para transmitir todas as informações importantes com qualidade durante o curto período da consulta17. A educação fornecida aos pais e aos filhos durante uma consulta médica com duração de 20 a 30 minutos é insuficiente, já que a doença possui fisiopatologia e tratamento complexos18.

As iniciativas de incorporar ferramentas digitais como novas formas de entrega de informações educacionais, incluindo vídeos e recursos on-line, mostraram resultados promissores. Com os avanços tecnológicos, tem aumentado o uso de tecnologias móveis e acesso à Internet6. É possível fornecer alertas e lembretes aos pacientes para mudança de comportamento por meio de ferramentas de tecnologia da informação, como mensagens por telefones celulares e outras tecnologias sem fio6.

Uma revisão sistemática publicada em 2020 incluiu 13 ensaios clínicos randomizados e teve como objetivo resumir as evidências sobre a eficácia de programas de educação para pais de pacientes pediátricos com DA6. O presente estudo acrescentou duas novas publicações sobre o tema. A Tabela 1 resume os resultados dos quinze artigos descritos sobre as intervenções educativas em pacientes pediátricos com dermatite atópica4,17‑28,30.

 

 

Os escopos das intervenções educacionais variaram entre os estudos. Dos temas abordados, o cuidado da pele e/ou rotinas básicas foram temas sempre incluídos, destacando a importância do uso de hidratantes para melhorar a função da barreira cutânea defeituosa na DA.

Além da importância do uso de emolientes, o tema "uso de corticosteroides" e "fobia de corticosteroides" foi pesquisado por alguns autores27,29. Os esteroides tópicos são a base no tratamento das lesões inflamatórias da DA, porém, a fobia do uso da medicação constitui uma das principais razões para não adesão e crises, para 60 a 73% dos pacientes31.

Portanto, apesar da falta de consenso de qual o escopo ideal e frequência para entrega dessas informações, é fundamental que os programas educacionais discutam assuntos como cuidados com a pele, problemas psicológicos e uso de esteroides tópicos6. A adesão ao tratamento geralmente é baixa em pacientes com doenças crônicas, principalmente naqueles com dermatoses nos quais o tratamento deve ser aplicado de forma regular por via tópica e o conhecimento por parte da família é fundamental para ajuste da terapia para cada momento no curso da doença3.

As metodologias dos estudos de intervenção educativa em DA são diversas e as ferramentas utilizadas por cada pesquisador também são heterogêneas, o que dificulta a comparação dos resultados.

Seis estudos ofereceram aos participantes uma sessão de educação terapêutica17-20,22,23, sendo que em dois também foi entregue material escrito com informações sobre DA18,22. Cinco estudos realizaram mais de uma sessão (com intervalos semanais ou quinzenais)4,21,24,26,29; em dois foi entregue material escrito para os participantes24,26. Há um estudo que utilizou mensagens de textos diárias28; e outro entregou manual escrito sobre cuidados de rotina da DA30; e dois que utilizaram vídeos sobre a doença25,27.

As intervenções focam na prevenção secundária na DA, que seria a educação terapêutica do paciente. Porém, os estudos são limitados no que se diz respeito às intervenções educativas na prevenção primária. Um estudo randomizado com mães grávidas e posteriormente seus filhos está em andamento na China desde 2020, e terá como objetivo a avaliação da intervenção educativa no pré-natal em relação a incidência de DA até dois anos após o parto32.

Assim, vê-se a necessidade de métodos padronizados para que as melhorias na autogestão da DA possam ser avaliadas com precisão6,33,34.

Apesar da literatura demonstrar melhora na gravidade da doença e na qualidade de vida dos cuidadores e pacientes com dermatite atópica após as intervenções4,17,18,21‑24,26,27,29, isso não é um consenso.

Alguns autores não verificaram diferença na gravidade ou qualidade de vida entre os grupos intervenção e controle, e concluem que a intervenção educativa pode não ter sido suficiente para mudar o comportamento dos pais e melhorar o controle de eczema das crianças19,20,25,28,30. Além disso, a relação entre as intervenções educacionais e resultados clínicos, incluindo a gravidade do eczema, qualidade de vida e impacto familiar, não são muitas vezes examinados com rigor nas pesquisas clínicas17.

Sabe-se que elaborar uma intervenção educacional é uma atividade complexa, pois pode ter uma gama de efeitos e interações específicas4. Fatores psicológicos e nutricionais e uma combinação de terapias tópicas e sistêmicas devem também ser considerados para permitir controle de uma doença com a fisiopatologia multifatorial subjacente como a dermatite atópica35.

 

Conclusão

É senso comum que o melhor conceito para o tratamento dos pacientes é considerar os aspectos físicos e emocionais, além do impacto da doença na vida pessoal e os contextos familiares. A educação terapêutica pode ser útil para aumentar a adesão ao tratamento, consequentemente a sua eficácia e prevenção de complicações. As equipes de saúde devem estimular iniciativas que utilizem ferramentas e programas educacionais, para garantir o envolvimento ativo dos pacientes na tomada de decisão relacionada a seus cuidados. Estudos prospectivos com casuística maior são primordiais para esclarecer qual o escopo ideal e frequência para a entrega dessas informações.

 

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