Poluição ambiental, saúde pública e opções de matriz energética
Environmental pollution, public health, and energy sources
Yara Arruda Marques Figueiredo Mello
Hospital Edmundo Vasconcelos, Alergologia e Imunologia, São Paulo, SP, Brasil
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta
Prezado Editor,
A preocupação em torno da questão "Opções energéticas e impacto ambiental" tem sido motivo de grandes estudos. Esta não tem se mostrado uma equação fácil, levando-se em consideração múltiplos aspectos de forte impacto na humanidade, tais como sanitário, econômico, social, cultural, entre outros.
A substituição da matriz energética proveniente de combustíveis fosseis por opções com tecnologia de baixo carbono vem sendo alvo de pesquisas e discussões, com estabelecimento de metas e esforços em nível global1-3.
Várias matrizes energéticas têm se mostrado eficientes, tais como a eólica, solar, hídrica, biológica, entre outras4.
Pensando em mudanças de matriz energética, podemos dizer que estamos diante de uma circunstância que já iniciou seu curso, com velocidade ainda desconhecida, com o progressivo desuso dos combustíveis fósseis.
A saúde é um dos principais aspectos que tem suscitado muita preocupação devido ao forte impacto decorrente da mudança climática e da poluição ambiental5-11.
Sabemos que a poluição vem sendo apontada como um dos principais fatores de risco de morbidade e mortalidade global7, com responsabilidade sobre o aumento na incidência e mortalidade por doenças cardiovasculares, respiratórias, neoplásicas, metabólicas, genéticas5-7,9.
A poluição ambiental é constituída por material particulado de vários tamanhos e variada composição química, podendo ser classificado pelo tamanho como PM10, PM2,5 e partículas ultrafinas. É formado por compostos químicos distintos, entre os quais observamos o dióxido de enxofre SO2, ozônio O3, óxidos de nitrogênio NO2, NO, dióxido de carbono CO27,10.
Esse material particulado uma vez inalado alcança os pulmões, sendo capaz de atingir pequenos brônquios, bronquíolos e alvéolos, principalmente os de mais baixo peso molecular, como PM2,5 e partículas ultrafinas, provocando uma reação inflamatória e produção de substâncias carcinogênicas na mucosa do trato respiratório12. Além disso, podem cair na corrente sanguínea e ocasionar problemas cardiovasculares, stress oxidativo e várias outras doenças por mecanismos pró-inflamatórios diversos12.
Algumas doenças têm sido particularmente mais afetadas pelo aumento da poluição ambiental, tanto no agravamento dos sintomas, como no aumento da mortalidade. Dentre elas, podemos citar doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doença isquêmica do coração, acidente vascular cerebral, infecções respiratórias, câncer pulmonar, diabetes, catarata e asma6,7,9,11,13.
Estima-se que o gasto decorrente de despesas com a saúde seja bastante impactante. Pesquisas demonstram um aumento significativo de atendimentos hospitalares, com visitas ao pronto-socorro devido a problemas respiratórios e exacerbação de crises de asma em períodos onde houve maior concentração de material particulado na atmosfera5,10,11,13.
Existe alguma evidência de que a temperatura pode atuar como efeito sinérgico, piorando os efeitos da agressão da poluição sobre a saúde. Neste sentido observou-se uma piora dos sintomas respiratórios em situações onde observou-se aumento da poluição e temperatura. Por outro lado, em circunstâncias de temperaturas mais baixas e poluição observou-se uma maior incidência de problemas cardíacos e vasculares14.
A queima de combustíveis fósseis em veículos e processos industriais é a principal responsável pela poluição em centros urbanos15. Dados apontam que a emissão de material particulado em decorrência da queima de combustíveis por veículos urbanos corresponde a 37% do total (CETESB, 2018).
Outro estudo demonstrou que o uso do etanol comparado à gasolina pode reduzir em até 80% a emissão de CO2 na atmosfera2.
Quando analisamos especialmente pelo prisma do aspecto poluição e saúde, algumas doenças de maior prevalência merecem destaque pela proporção de suas consequências socioeconômicas.
Este é o caso da asma, por exemplo, que é a doença respiratória crônica de maior prevalência no mundo, afetando 358 milhões de pessoas, segundo trabalho realizado em 20155.
Pesquisadores analisaram o aumento na concentração de material particulado, observando que nessas circunstâncias havia uma maior procura por atendimento em unidades de pronto-socorro e internações hospitalares, devido a exacerbação por crise de asma5,10,16.
Outro exemplo são as doenças cardiovasculares, vários trabalhos demonstraram evidencias que correlacionam maior número de atendimento médico ocasionado por angina, infarto do miocárdio e outros acidentes vasculares em situações de aumento da poluição6,8.
A exposição prolongada à poluição ambiental tem sido responsabilizada, também, por impactar negativamente em outras doenças, tais como rinite, hipertensão arterial, doenças neurodegenerativas, envelhecimento precoce da pele, parto prematuro, baixo peso fetal ao nascimento e baixa fertilidade7.
Estudos recentes têm demonstrado que a poluição é responsável não só pelo impacto direto na saúde, assim como também no setor econômico; através de maior demanda no Sistema de Saúde, aumento na demanda de consultas médicas, exames subsidiários, hospitalizações e necessidade do uso de medicamentos, além do aumento no absenteísmo, diminuição da produtividade no trabalho e rendimento escolar.
Sabemos que existem populações mais vulneráveis às ações deletérias decorrentes da exposição ao material particulado que compõe a poluição, dentre elas estão os indivíduos com doenças pré-existentes (asma, rinite alérgica, doença pulmonar crônica obstrutiva, fibrose pulmonar, hipertensão arterial, arritmias, doenças cardíacas isquêmicas, diabetes, obesidade), crianças menores de 5 anos, idosos com mais de 80 anos, taxistas, gestantes, portadores de suscetibilidade genética, população que reside próximo à região industrial, com pouco acesso a alimentação saudável e moradores de grandes centros urbanos que utilizam transporte público em local de muito engarrafamento7. Esta população merece maior atenção em situações onde a poluição atinge níveis críticos.
Em decorrência a todos os fatos expostos não resta dúvida de que a busca por alternativas que possam diminuir a emissão de material particulado na atmosfera é algo de vital importância. Os biocombustíveis têm se mostrado uma alternativa viável.
O Brasil merece destaque no que concerne a este tema, as condições climáticas e extensão territorial são um grande privilégio. O desenvolvimento de novas tecnologias possibilitou a utilização do etanol, que segundo trabalhos publicados, foi capaz de reduzir em até 80% a emissão de CO2 na atmosfera2,4.
O biodiesel também deve ser considerado com atenção, pela sua capacidade de diminuir a emissão de poluentes na sua utilização em transporte urbano4. A mistura do biodiesel ao diesel já é uma realidade, com comprovada diminuição na emissão de material particulado4.
A pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono têm trazido boas contribuições. Vale ressaltar que estamos diante de algo novo, e que alguns cuidados e observações com o que pode advir destas mudanças, ainda se fazem necessários.
O manejo no campo, por exemplo, onde a monocultura da cana, entre outras, utilizadas para a obtenção de biocombustíveis, é capaz de impactar de forma violenta o solo e o ambiente17.
Esta nova realidade necessita, com urgência, um olhar cuidadoso e responsável por parte do Poder Legislativo.
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