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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
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Número Atual:  Julho-Setembro 2022 - Volume 6  - Número 3


Comunicação Clínica e Experimental

Síndrome de Melkersson-Rosenthal como diagnóstico diferencial de edema labial

Melkersson-Rosenthal syndrome as a differential diagnosis of lip swelling

Luiz Fernando Bacarini Leite1; Gabriela Favarin Soares1,2; Larissa Neves Silva1,2; Andrezza Gonçalves Figueira1,2; Wilma Carvalho Neves Forte2


DOI: 10.5935/2526-5393.20220047

1. Setor de Alergia e Imunodeficiências da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Departamento de Pediatria - São Paulo, SP, Brasil
2. Pós-graduação lato sensu em Alergia e Imunologia, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - São Paulo, SP, Brasil


Endereço para correspondência:

Luiz Fernando Bacarini Leite
E-mail: lfleite@terra.com.br


Submetido em: 04/03/2022
Aceito em: 19/06/2022

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo

RESUMO

A síndrome de Melkersson-Rosenthal é uma condição rara caracterizada pela tríade clássica: edema orofacial, língua fissurada e paralisia facial. Pode haver apenas uma ou duas manifestações por tempo prolongado, dificultando o diagnóstico. É denominada queilite de Miescher quando a única manifestação é o edema orofacial, com histologia característica. O presente relato tem como objetivo alertar para o diagnóstico da síndrome de Melkersson-Rosenthal em casos de angioedema labial crônico, com revisão da literatura. Mulher de 40 anos apresentando edema labial desde os 23 anos de idade, sem regressão há cinco anos, sem prurido, sem desencadeantes. Observou-se língua fissurada ao exame físico. Sem alterações aos exames complementares. O edema orofacial persistente, a língua fissurada, a biópsia de lábio inferior evidenciando queilite crônica (hiperqueratose e infiltração linfocítica perivascular) e a exclusão de diagnósticos diferenciais através de exames complementares permitiram o diagnóstico da síndrome de Melkersson-Rosenthal. A paciente foi então encaminhada à Cirurgia Plástica, que orientou retirada cirúrgica do excesso labial. O diagnóstico da síndrome é essencialmente clínico. O tratamento deve ser individualizado, visando o alívio das manifestações clínicas apresentadas em cada caso. É importante o acompanhamento multiprofissional tentando minimizar danos psicológicos e melhorar o prognóstico. A síndrome de Melkersson-Rosenthal pode apresentar-se como angioedema labial crônico e língua fissurada, sem paralisia facial, podendo retardar o diagnóstico, como no presente caso. É necessária a lembrança da síndrome para o diagnóstico e conduta mais precoce, para melhor qualidade de vida destes pacientes.

Descritores: Síndrome de Melkersson-Rosenthal, angioedema, paralisia facial, alergia e imunologia.




INTRODUÇÃO

O edema labial é uma queixa comum em consultório médico. Tal manifestação está presente em diversas doenças, alérgicas ou não. A pesquisa das causas de edema orofacial é importante para melhor tratamento e orientação do paciente.

A síndrome de Melkersson-Rosenthal (SMR) foi descrita inicialmente, em 1928, como edema facial, por Melkersson. Em 1931, Rosenthal adicionou língua fissurada ao quadro. Em 1949, passou a ser conhecida como doença neuromucocutânea caracterizada por tríade clássica: edema orofacial, língua fissurada e paralisia facial1,2. Pode apresentar apenas uma ou duas das manifestações por tempo prolongado, dificultando o diagnóstico. É denominada queilite de Miescher quando a única manifestação é o edema orofacial, com histologia característica2. A patogenia da síndrome ainda é pouco conhecida, mas acredita-se que seja multifatorial, envolvendo causas alérgicas, infecciosas, autoimunes e hereditárias3-6.

O presente estudo tem como objetivo relatar o caso de paciente que recebeu o diagnóstico de síndrome de Melkersson-Rosenthal após 17 anos de edema labial acentuado, com revisão da literatura, na tentativa de alertar para o diagnóstico da síndrome.

Trata-se de um estudo longitudinal clínico-laboratorial retrospectivo de prontuário, após a paciente concordar por escrito com o TCLE. Foi feita a revisão da literatura, utilizando-se como base de dados MEDLINE/PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde e Google Acadêmico.

 

RELATO DE CASO

Mulher de 40 anos, costureira, apresentava queixa de edema labial desde os 23 anos de idade. O edema surgia subitamente, em média a cada quatro meses, com períodos de remissão total entre as crises. Referia ter procurado serviço de saúde por várias vezes, recebendo em diferentes ocasiões tratamentos com corticosteroides orais, anti-inflamatórios não esteroidais e anti-histamínicos, porém sem melhora. Os episódios tornaram-se mais frequentes, com maior duração e sem nenhuma resposta às medicações. A paciente referia estar desestimulada pelo pouco sucesso dos tratamentos e pela recorrência dos eventos, suspendendo por completo o tratamento proposto inicialmente. Após gestação, os episódios de edema labial tornaram-se mais frequentes, até persistência contínua do quadro.

Foi então encaminhada a setor especializado de Hospital Universitário. Ao iniciar novo acompanhamento referia queixa de edema em lábios superior e inferior a 17 anos, sem períodos de remissão nos últimos cinco anos (Figura 1). Negava urticária, prurido, febre, fatores desencadeantes ou outras queixas. Negava comorbidades prévias ou história familiar de edema. Ao exame físico apresentava edema acentuado de lábios inferior e superior, assimétrico, sem hiperemia local, com sensibilidade preservada. Além do angioedema labial, ao exame foram observadas várias fissuras no dorso da língua, unidas a uma fissura central, achado que a paciente nunca havia referido.

 


Figura 1
Pacientes selecionados

 

A partir da anamnese e do exame físico foram interrogadas hipóteses diagnósticas: síndrome de Melkersson-Rosenthal, angioedema hereditário, angioedema adquirido, reação adversa a anti-inflamatórios não esteroidais. Foram solicitados exames laboratoriais: CH50 320 U (VR 170-330); C3 147 mg/dL (67-149); C4 38 mg/dL (10-38); inibidor de C1 esterase quantitativo 16 mg/dL (14-30) e funcional dentro da normalidade; hemogramas normais, ausência de autoanticorpos.

Foi então solicitada biópsia de lábio inferior, cujo laudo foi: hiperqueratose, edema e infiltração linfocítica perivascular discreta, caracterizando queilite crônica. Foi indicada infiltração local com corticosteroides e uso de dapsona. A paciente recebeu poucas aplicações e fez uso da medicação oral por dois meses de maneira irregular. Devido à falta de adesão ao tratamento e pouca melhora do quadro, deixou de comparecer às consultas. Dois anos depois retornou para seguimento no setor, mantendo edema labial permanente, além de perda ponderal, inapetência e acentuado comprometimento psicossocial, com labilidade emocional e isolamento social total.

A paciente foi direcionada ao setor de Cirurgia Plástica para avaliar possível correção cirúrgica visando melhorar sua qualidade de vida. Após avaliação, foi indicada cirurgia para retirada do excesso labial, com o que a paciente se mostrou motivada. No momento encontra-se em processo de avaliação pré-operatória, aguardando o procedimento.

 

DISCUSSÃO

A paciente descrita apresentava edema labial há 17 anos, como queixa única. Ao ser constatada língua fissurada ao exame clínico aventou-se a hipótese de SMR, sendo solicitados exames laboratoriais para complementação da investigação. O diagnóstico da SMR é essencialmente clínico, sendo necessárias duas das três manifestações que compõem a tríade clássica para sua confirmação5. Em casos onde a manifestação única é o edema orofacial, a realização de biópsia é fundamental para validação diagnóstica de queilite, que é a forma monossintomática mais frequente da síndrome, denominando-se queilite granulomatosa de Miescher2-6.

A literatura descreve início das manifestações da SMR em adultos jovens, entre a segunda e a terceira décadas de vida3, como no presente relato. Sua incidência na população em geral é de 0,08%, embora acredita-se haver uma subnotificação dos casos4. Predomina no sexo feminino e sem predileção por etnia3. A tríade clássica de edema orofacial, paralisia facial e língua plicata/fissurada está presente em apenas 8 a 25% dos casos2,7.

O edema orofacial da síndrome é indolor, assimétrico, não pruriginoso, não eritematoso, podendo acometer lábios, gengivas, língua, mento, bochechas e até mesmo a região periorbitária, sendo o lábio superior o mais frequentemente afetado6,8. Na maior parte dos casos, há regressão rápida do edema, porém, quanto mais frequentes forem as recidivas, mais difícil torna-se a regressão, podendo assumir forma permanente, como no presente caso.

A língua fissurada ou plicata é um sinal inespecífico, presente em 20 a 77% dos casos9. As fissuras surgem por toda superfície dorsal da língua, conectando-se a uma fissura única e central, como no presente caso. A paciente em questão não apresentou quadros de infecções bacterianas ou fúngicas, apesar de serem comumente descritas pela literatura na presença de língua plicata9.

A paralisia facial periférica do nervo facial da SMR é recidivante, de início súbito, uni ou bilateral e está presente em 90% dos casos8, sem diferença entre os sexos. Pode ocorrer isoladamente anos antes ou após edema orofacial, exigindo que o diagnóstico seja revisado conforme evolução do quadro. Apesar da tríade clássica ser bem definida, sinais e sintomas que reflitam o comprometimento de outros pares cranianos podem ser considerados critérios diagnósticos: alterações da motricidade das pupilas e da funcionalidade de glândulas salivares e lacrimais, hiperacusia, hiperidrose, hipergeusia, além de diferentes manifestações oculares, como neurite retro bulbar e blefarocalase8. A paciente em questão não apresentou paralisia facial nem comprometimento de nervos cranianos durante os 17 anos de doença, o que, talvez tenha retardado o diagnóstico.

Exames complementares fazem parte da exclusão de diagnósticos diferenciais, como angioedema hereditário, reação a corpo estranho, sarcoidose, doença de Crohn, vasculite de Wegener, amiloidose, infecções, paralisia de Bell, herpes orofacial, dermatite de contato e reações alérgicas5,6. A paciente em questão não apresentava sinais de infecção. As doenças autoimunes, que podem acompanhar a síndrome, foram afastadas por ausência de manifestações ou de anticorpos autorreativos. A hipótese de angioedema hereditário foi afastada por exames laboratoriais. O angioedema adquirido por deficiência de C1-INH pode ser dado em especial por doenças autoimunes ou linfoproliferativas, as quais foram afastadas por exame clínico e por exames laboratoriais.

A microscopia do angioedema da SMR é caracterizada por processo inflamatório crônico, com granulomas epitelioides não caseosos, infiltrado mononuclear circundante, células gigantes de Langerhans e infiltrado linfoplasmocitário perivascular1-3,5,10. No presente relato, a biópsia foi relevante por apresentar hiperqueratose, edema e infiltração linfocítica perivascular, característicos de queilite crônica.

As manifestações clínicas da paciente de edema labial repetitivo e depois persistente, língua fissurada e queilite crônica como resultado da biópsia, possibilitaram o diagnóstico de SMR, mesmo na ausência de paralisia facial.

Em relação aos tratamentos propostos para a síndrome, entre as principais opções encontram-se os anti-inflamatórios, em especial corticosteroides orais ou intralesionais, metotrexato e dapsona10,12, como proposto para a paciente, porém sem sucesso. Podem ser também indicados anti-histamínicos, mas geralmente com pouco efeito13. A abordagem cirúrgica deve ser considerada quando o edema se torna deformante e gera danos psicossociais13,14, motivo pelo qual foi indicado para a paciente. A recorrência de abandono do tratamento pela paciente em questão evidencia o impacto direto das alterações psíquicas e emocionais resultantes da aparência física do edema progressivo da síndrome.

Diante da repercussão do diagnóstico na qualidade de vida evidencia-se a necessidade de reconhecer precocemente as manifestações clínicas da SMR e estabelecer um acompanhamento integrado para um melhor prognóstico. Além da terapia farmacológica, é necessária a atuação multidisciplinar, incluindo avaliação de profissionais de dermatologia, cirurgia plástica, otorrinolaringologia, fisioterapia no caso de paralisias e, na tentativa de evitar sequelas psicossociais, acompanhamento por psicologia e psiquiatria.

 

CONCLUSÃO

A paciente relatada apresentava edema labial há 17 anos, inicialmente repetitivo e depois persistente, além da constatação clínica de língua fissurada (nunca referida pela paciente), recebendo diagnóstico de síndrome de Melkersson-Rosenthal. A biópsia do lábio inferior, com alterações características de queilite crônica, contribuiu para o diagnóstico, assim como os exames laboratoriais afastando diagnósticos diferenciais. A falta de paralisia facial pode ter contribuído para o diagnóstico tardio, assim como a falta de percepção pela paciente de língua fissurada.

O presente relato mostra a importância da síndrome de Melkersson-Rosenthal no diagnóstico diferencial de edema labial repetitivo ou persistente, acompanhado de língua fissurada, mesmo na ausência de paralisia facial. Um diagnóstico mais precoce da síndrome possibilitaria uma melhor qualidade de vida da paciente relatada.

 

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